Maior roubo da história do Rio Grande do Sul teve parceria entre PCC e Bala na Cara.| Foto: Frame câmeras de segurança Aeroporto Caxias do Sul/Imagem cedida pelo MPF
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Uma parceria entre duas facções criminosas, o Primeiro Comando da Capital (PCC), tida como a maior facção brasileira, e a Bala na Cara, a maior do Rio Grande do Sul, tem levado a roubos milionários de carros-fortes, depósitos de valores e bancos no Brasil e no Paraguai. Somadas, as cifras levadas passam do bilhão, calcula a Polícia Federal.

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A união entre os dois grupos criminosos rendeu e segue rendendo uma série de ocorrências que colocam a PF, o Ministério Público Federal e forças estaduais de segurança em alerta. Os roubos têm resultados milionários, esquemas cinematográficos e deixam cidades aterrorizadas.

Entre os casos recentes e de cifras vultosas está o do aeroporto de Caxias do Sul, na serra gaúcha, em 19 de junho deste ano. Com o Aeroporto Salgado Filho fechado em Porto Alegre devido às enchentes do fim de abril e início de maio, o fluxo aéreo foi transferido para a estrutura em Caxias.

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Por volta das 19h30 daquela quarta-feira, os bandidos chegaram com veículos adesivados como se fossem da Polícia Federal. Eles também usavam roupas similares às da PF, o que facilitou a abertura dos portões. Renderam funcionários e começaram a caçada pelo dinheiro, que estava em uma aeronave. Depois, carregaram veículos blindados com R$ 30 milhões roubados. Imagens das câmeras de monitoramento registraram toda a ação. Parte do bando usou uma van plotada como veículo escolar para facilitar a fuga.

Na saída do aeroporto, os ladrões entraram em confronto com a Polícia Militar e deixaram para trás um dos carros, onde estavam cerca de R$ 15 milhões. Outros R$ 14,4 milhões foram levados.

O confronto deixou dois mortos, um dos criminosos e o 2º sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul Fabiano Oliveira, de 47 anos. Um segundo suspeito morreu em São Paulo no decorrer das investigações - também em confronto com a polícia após resistir à prisão.

As investigações da Delegacia de Repressão a Crimes Contra o Patrimônio (Delepat) da Polícia Federal identificaram os envolvidos. No mês passado, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia à Justiça Federal.

“O MPF denunciou os envolvidos por crimes como latrocínio (roubo seguido de morte), organização criminosa com uso de arma de fogo, explosão, entre outros. Treze dos denunciados estão presos”, disse em nota o MPF.

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Ao todo, foram 19 denunciados. Seis são procurados. Todos vão responder por pelo menos seis crimes. Segundo o MPF, trata-se de membros do PCC ou do Bala na Cara. Do total levado, menos de R$ 100 mil foram recuperados e a PF pediu o bloqueio de 19 contas bancárias e apreendeu 16 veículos.

Na denúncia, o MPF reitera a necessidade de os criminosos tidos como de alta periculosidade seguirem para presídios federais de segurança máxima, onde ficarão isolados e distantes da linha de comando das novas ações criminosas do bando que segue nas ruas.

Roubo cinematográfico na fronteira teve um ano de organização e túnel de 150 metros

Poucos meses antes do maior roubo da história do Rio Grande do Sul, em fevereiro deste ano, criminosos do PCC e do Bala na Cara realizavam o segundo maior roubo da história do Paraguai, porém, sem disparar um único tiro e sem levantar suspeitas.

O crime levou tempo para ser arquitetado: as investigações revelaram que membros do PCC e do Bala na Cara haviam cruzado a fronteira com o país vizinho um ano antes para preparar o roubo, que custou milhões para ser efetivado. Investigações da Polícia Nacional do Paraguai e da Polícia Federal brasileira revelaram que, no fim de 2022, um grupo ligado às duas organizações criminosas parceiras, envolvendo homens e mulheres, alugou imóveis em Cidade do Leste para planejar tudo.

Esses imóveis ficavam no centro comercial da principal cidade do interior do Paraguai e serviram para abrigar faccionados e camuflar a escavação de um túnel de 150 metros que saía de um dos apartamentos locados, dando acesso à Associação dos Cambistas de Cidade do Leste, no centro comercial do principal destino de compras do país.

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Durante um ano, grupos de trabalho se revezavam nas escalas de escavação, dia e noite, sem levantar suspeitas. Em algumas ocasiões, o alarme da associação chegou a disparar. Seguranças e policiais foram acionados, porém, nunca identificaram nada de anormal.

No fim de semana de 3 e 4 de fevereiro o roubo foi consumado. Os valores precisos nunca foram divulgados porque muitos cambistas que trabalhavam de forma autônoma e sem legalização jamais registraram boletim de ocorrência. Tanto a PF quanto a Polícia Nacional do Paraguai estimam que tenham sido levados de US$ 15 milhões a US$ 16 milhões – variando de R$ 75 milhões a R$ 80 milhões pela cotação na época.

“Tem-se observado essa parceria estratégica entre o PCC e a facção Bala na Cara em ocorrências assim. Elas se tornaram parceiras para roubos milionários dentro e fora do Brasil por uma série de situações, entre elas a necessidade de uma organização com poder financeiro para ações desta proporção, que custa muito caro”, conta o delegado-chefe da PF em Foz do Iguaçu, Marco Smith, que participou das investigações.

Segundo Smith, as apurações revelaram que pessoas ligadas à facção gaúcha foram responsáveis pelo aluguel dos imóveis e todo o trabalho operacional foi realizado por ambos os grupos. “Não houve registro de tiros, de confrontos, os criminosos entraram e levaram os valores que estavam nos cofres no fim de semana e tudo só foi descoberto no início da semana quando as pessoas chegaram para trabalhar”, descreve.

Os valores nunca foram recuperados e, dois dias após o crime, um suspeito brasileiro, de 42 anos, foi preso na cidade paraguaia de Capitão Bado, na fronteira com o Brasil, mas distante 500 quilômetros do local do roubo. Ele estava escondido em uma área de mata após o cerco contra o grupo criminoso se fechar.

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Um paraguaio suspeito de dirigir um dos veículos que transportou os valores também foi preso no país vizinho na semana seguinte à ocorrência. Segundo o Departamento de Investigações de Delito de Crime Organizado do Paraguai, 15 foram identificados, mas não há confirmações de novas prisões.

O "novo cangaço" com domínios de cidades e parcerias estratégicas para roubos

Além do tráfico de drogas, de armas e do contrabando de cigarros, o PCC se capitaliza com roubos a bancos, casas de valores ou transportadores.

Essa linha de atuação foi denominada pela facção como “domínios de cidade”, com atos que ficaram conhecidos como o “novo cangaço” pelo interior do Brasil, principalmente em cidades de pequeno e médio porte. Agora essa prática avança em cidades menores, inclusive no Paraguai, onde os bandidos encontram menos resistência por causa do baixo efetivo de policiais e infraestrutura de segurança deficiente.

Um dos casos mais recentes no Brasil foi na cidade de Itaperuçu, na Região Metropolitana de Curitiba. Bandidos armados assaltaram uma agência da Caixa no fim de setembro e levaram R$ 200 mil. Em plena luz do dia, houve confronto com a polícia e momentos de terror para os moradores. Os criminosos conseguiram fugir.

Ocorre que, além de ações bem-sucedidas do bando que desafiam a segurança pública, em 2023 um planejamento foi frustrado pela PF e derrubou parte do esquema. Porém, ele também serviu para revelar às autoridades o poder de reorganização das facções.

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O assalto frustrado seria a uma casa de valores na cidade de Confresa (MT), onde o PCC também contaria com a parceria de outros grupos parceiros. O plano era levar R$ 30 milhões. Para esse roubo, segundo a PF, os criminosos tiveram que investir R$ 3,4 milhões. Quando os ladrões chegaram ao cofre, encontraram cerca de R$ 1 milhão.

Essa foi apenas uma parte da frustração do plano dos bandidos. Na fuga, um exército de policiais, somando mais de 300 profissionais de MT e de estados vizinhos, saíram à caça do grupo. Dezoito foram mortos em confrontos e dois foram presos.

Alguns membros do bando eram apontados como articuladores de outros crimes milionários, como o roubo a banco em 2020 na cidade de Criciúma (SC), de onde foram levados R$ 125 milhões; os assaltos a agências bancárias em Araçatuba (SP) em 2021, quando levaram R$ 17 milhões; e a tentativa de um mega-assalto a uma transportadora de valores em Guarapuava (PR) em abril de 2022, que terminou com mortes e bandidos em fuga após um intenso confronto com a Polícia Militar que durou mais de três horas, em um cenário de guerra na cidade de 189 mil habitantes na região Centro-Sul do Paraná.

O plano frustrado no Mato Grosso, apesar de ter representado um grande revés à facção, não foi o limite. Logo a organização criminosa, em parceria com grupos como o Bala na Cara, se reinventou.

“A organização criminosa se mantém, a estrutura se mantém com ou sem as pessoas que antes faziam aquilo. Se alguém deixa de participar, seja por qual motivo for, outro assume o comando e a roda não para de girar”, reforça a técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Maria Paula Gomes dos Santos.

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Na prática foi exatamente o que aconteceu. Parte dessa reinvenção do grupo foi reforçada na ampliação de parcerias criminosas.

Segundo o delegado Marco Smith, elas são estratégicas para as facções, tanto para dividir custos quanto prejuízos nos ataques que não deram certo, mas principalmente pela especialização de integrantes em determinadas áreas. No roubo do Rio Grande do Sul, por exemplo, existia um especialista em explosivos do PCC que estouraria com dinamites os carros-fortes, caso o bando chegasse ao aeroporto quando o dinheiro já tivesse saído da aeronave.

“Assim eles somam forças. Há casos onde uma facção aluga a estrutura de roubo para a outra, como carros, armas de grosso calibre e até profissionais especializados. Neste caso elas não são parceiras, uma aluga da outra e paga pelo aluguel, mas em outros há, de fato, parcerias para dividir despesas e lucros”, destaca.

A parceria do PCC com a gaúcha Bala na Cara também tem outra explicação. O estado foi um dos poucos no qual o PCC não conseguiu exercer domínio criminoso pleno. A facção mais forte e violenta no estado é a Bala na Cara, que avança sobre as diferentes regiões gaúchas.

“Se a facção criminosa não pode competir com um possível rival, se alia a ele para se tornar mais forte dividindo funções, materiais dos roubos, mas sem invadir o espaço do outro”, diz o delegado Smith sobre o PCC.

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Paraguai tem se tornado alvo frequente do PCC em roubos milionários

Além dos casos constantes do novo cangaço pelo Paraguai, o roubo à Associação dos Cambistas em fevereiro deste ano, o país e Cidade do Leste viveram outros momentos de terror e pânico protagonizados pelo PCC e parceiros.

Em 2017, foi registrado um roubo em que pelo menos 50 homens ligados a esses grupos explodiram a sede da empresa de valores Prossegur. Armados com fuzis, granadas e metralhadoras .50 BMG, armas de grande potência, os criminosos invadiram o depósito e levaram R$ 120 milhões. Deixaram a cidade em chamas ateando fogo em 15 veículos em diferentes pontos para facilitar a fuga.

Carros usados pela facção tinham placas do Brasil e os assaltantes falavam português, segundo testemunhas. Criminosos morreram durante a ação, parte do grupo foi presa, mas o dinheiro jamais foi recuperado.

Além de roubos e assaltos a bancos e casas de valores, outras modalidades de parceria vêm se concretizando ao longo dos últimos anos. No fim de setembro, a PF fez uma operação que revelou parceria do PCC com a facção Amigos do Estado (ADE), originalmente de Goiás, mas que está expandindo seus negócios por outros estados e pelo Distrito Federal.

Relativamente jovem, a facção nasceu em 2018 em Anápolis. Juntos, criminosos do PCC e da ADE tentaram fazer o resgate de presos na cidade de Corumbá de Goiás, interior do estado, no fim do ano passado.

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A tentativa do resgate ocorreu durante um atendimento médico dos detentos, mas policiais reagiram e o resgate não prosperou. Após um ano de investigações, no mês passado foram cumpridos 12 mandados de prisão contra suspeitos de envolvimento.

“Eles chegaram a comentar que, se houvesse reação [da polícia], era para 'meter bala na cara dos policiais'. Essas informações estão todas nos autos”, disse o delegado da PF responsável pela investigação, Bruno Zane.

Para onde vai o dinheiro dos roubos

Segundo investigações da Polícia Federal sobre o avanço das ações criminosas do PCC em parceria com outros grupos criminosos, o dinheiro serve para algumas frentes, todas focadas na capitalização das organizações criminosas.

Parte vai para aquisição de drogas, principalmente da cocaína vinda da Bolívia e da Colômbia, que é traficada pelo PCC para os cinco continentes, maconha produzida no Paraguai para abastecer o mercado brasileiro, aquisição de armas, munições e operacionalização com treinamentos de faccionados e novas frentes de ataque.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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