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A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 03/22), batizada de PEC das praias, gerou acalorados debates nas redes sociais e no Congresso sobre a possibilidade de privatização de praias e danos ao meio ambiente. A transferência obrigatória das áreas também foi questionada por críticos da proposta e, após a repercussão do assunto, o relator da matéria, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), indicou que fará alterações no texto.
Defensores da PEC afirmam que as polêmicas são infundadas, já que as praias seguem sendo bens públicos de uso comum. Além disso, a legislação ambiental não é alterada pela proposta e, portanto, as áreas de preservação precisam continuar sendo respeitadas.
A PEC das praias trata dos terrenos de marinha, que são áreas situadas a 33 metros da costa marítima. Considerados bens da União, esses terrenos podem ser usados por pessoas jurídicas e físicas por meio de contrato de aforamento, pelo qual o ocupante adquire o domínio útil do imóvel e paga taxas à União pelo direito de utilização.
O texto da PEC prevê que essas áreas possam ser transferidas para estados e municípios ou para particulares que já ocupam os locais. Assim, as taxas federais, como o foro, a ocupação e o laudêmio, deixarão de ser cobradas dos ocupantes. No entanto, a transferência das áreas terá custos para os particulares que não se encaixam na descrição de "habitações de interesse social".
Essas transferências podem gerar cobranças bilionárias aos atuais ocupantes, pois devem levar em conta o valor de mercado das áreas. A estimativa é de que possam gerar mais de R$ 130 bilhões em arrecadação para a União, de acordo com o relator da PEC das praias, Flávio Bolsonaro.
Ainda segundo a proposta, a União seguiria com as áreas não ocupadas, aquelas abrangidas por unidades ambientais federais e as utilizadas pelo serviço público federal, inclusive para uso de concessionárias e permissionárias, como para instalações portuárias, conservação do patrimônio histórico e cultural, entre outras.
Governo e ambientalistas, no entanto, afirmam que a PEC pode gerar ocupação desordenada e ameaças ao meio ambiente.
"A PEC acaba favorecendo essa ocupação desordenada, ameaçando os ecossistemas brasileiros, tornando esses territórios mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos, [...] favorece a privatização e cercamento das praias, intensificação dos conflitos fundiários”, disse a secretária-adjunta de Gestão do Patrimônio da União, Carolina Gabas Stuchi, em audiência pública do Senado. A Superintendência do Patrimônio da União (SPU) é a responsável pela gestão dos terrenos de marinha.
Com as polêmicas, o senador Flávio Bolsonaro já afirmou que deve alterar pelo menos dois pontos da proposta. Ele pretende deixar a redação mais clara quanto à impossibilidade de privatização das praias, além de tornar facultativa a transferência onerosa das áreas aos particulares, ou seja, indicando que os ocupantes que optarem por não transferir as áreas permanecerão pagando as taxas federais cobradas atualmente.
A proposta foi apresentada em 2011 e aprovada na Câmara dos Deputados em 2022. Atualmente, ela está sendo debatida na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Se for aprovada, o próximo passo será a apreciação do plenário do Senado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no entanto, já se disse que a votação no plenário não será prioridade.
Transferência terá custos para particulares, mas valores não foram definidos
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que a PEC não trata das praias, e o seu livre acesso está previsto em legislação própria. De acordo com a Lei 7.661/88, as praias são bens de uso comum do povo e, portanto, acessíveis a todos e destinados ao uso geral da população.
O consultor legislativo do Senado Paulo Henrique Soares é categórico ao afirmar que não há privatização sendo debatida na proposta. “As praias estão, inclusive, em outro trecho da Constituição também. A proposta não mexe na legislação que trata delas, portanto, elas seguirão sendo bens da União”, afirma Soares.
Além disso, os particulares que quiserem ter o domínio pleno sobre as áreas que hoje são terrenos de marinha terão que pagar pela transferência. Os valores, no entanto, ainda foram definidos e deverão ser estabelecidos pelo governo, de acordo com a proposta.
A afirmação do consultor é reforçada pelo advogado ambiental Georges Humbert. “A PEC apenas regulariza uma situação de fato, derivada de uma norma imperial e de dois séculos atrás, passando para os reais ocupantes, público ou privado, o domínio pleno dessas áreas, que não são praias, extinguindo também o pagamento de tributos para a União”, disse Humbert.
ONGs ambientalistas como o Greenpeace compartilharam publicações nas redes sociais afirmando que "estão querendo privatizar as praias brasileiras”. “Essa proposta coloca em risco todo o ecossistema costeiro do país e acaba com o livre acesso ao lazer gratuito e a conexão com a natureza. É uma proposta absurda para impulsionar a especulação imobiliária e que só beneficia o setor hoteleiro”, diz o texto publicado.
No entanto, para o consultor do Senado, também não há que se falar em danos ambientais. “A legislação ambiental não é alterada na proposta. Tudo o que trata do meio ambiente seguirá tendo que ser respeitado. Não há prejuízos”, acrescentou.
A especulação imobiliária mencionada pela ONG também é rebatida pelo advogado Georges Humbert. Para ele, trata-se de mais segurança jurídica e de ocupação ordenada. “Com o domínio pleno, haverá maior segurança jurídica nas transações, menos carga tributária e mais capacidade de investimento, dando estas áreas em garantia. Isso gera um ciclo sustentável e de ocupação ordenada”, disse o advogado.
De acordo com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), estima-se que haja cerca de 2,9 milhões de imóveis em terrenos de marinha, sendo que hoje estão cadastrados na SPU cerca de 565 mil, ou seja, apenas 30% das áreas são demarcadas. A arrecadação gerada em 2023 com as taxas de ocupação e de foro foi de R$ 1,1 bilhão, mas a SPU estima que o valor poderia ser cinco vezes maior caso todas as áreas estivessem demarcadas.
Governo é contrário e presidente do Senado não deve priorizar votação da PEC das praias
Os debates sobre a proposta reforçaram a posição contrária dos partidos de esquerda, hoje governistas, que votaram contra a proposta quando ela foi aprovada na Câmara, em 2022. Alguns integrantes do governo já afirmaram publicamente que a PEC privatiza praias.
"O governo tem posição contrária a essa proposta. O governo é contrário a qualquer programa de privatização das praias públicas, que cerceiam o povo brasileiro de poder frequentar essas praias. Do jeito que está a proposta, o governo é contrário a ela", afirmou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em entrevista coletiva nesta segunda-feira (3).
O senador Esperidião Amin (PP-SC) criticou o entendimento de que a PEC poderia privatizar as praias e permitir seu cercamento. Segundo Amin, não há uma linha no texto da PEC que poderia permitir a privatização das praias.
Diante das polêmicas e da sinalização de alteração no texto, a ser proposta pelo senador Flávio Bolsonaro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, descartou votar rapidamente a PEC dos terrenos de marinha.
Em entrevista para a Agência Senado, ele explicou que a PEC das praias vai ser amplamente debatida na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), antes de ir ao Plenário.
“Não há nenhum tipo de previsão, não há pressa. O que tem que haver agora é estudo, reflexão [...] O que eu posso garantir é que não vai ser pautado da noite para o dia”, disse Pacheco.