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O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), declarou em mais de uma ocasião que considera a votação da Proposta de Emenda à Constituição 186/2019, a chamada PEC Emergencial, como a grande prioridade do poder público para o campo econômico. Ainda no ano passado, ele disse que via o projeto à frente de outras iniciativas, como a reforma administrativa e mesmo o orçamento da União.
Maia deixará o comando da Câmara no início de fevereiro sem conseguir realizar a votação da PEC. Aparentemente, no entanto, ele não precisa alimentar preocupações com o tema: os deputados mais cotados para substitui-lo na presidência são favoráveis à iniciativa.
Baleia Rossi (MDB-SP) e Arthur Lira (PP-AL) expuseram seu aval à PEC em diferentes oportunidades. À Gazeta do Povo, Lira disse que pode fazer da proposta um tema já em análise do Congresso "nos primeiros dias" de uma eventual gestão sua.
"Esse assunto pode entrar antes mesmo da análise das reformas. Avançar logo sobre essa pauta ajudará a olharmos com maior cuidado e atenção as despesas da União, estados e municípios. É um problema de todos os gestores e, portanto, tem um interesse dos parlamentares de analisar o assunto", afirmou o candidato à presidência da Câmara.
O deputado disse também que pode propor a tramitação de outras duas PECs, que foram apresentadas pelo governo junto com a PEC Emergencial: a dos Fundos, que prevê a desvinculação de mais de 200 fundos públicos atualmente ligados ao governo federal, e a do Pacto Federativo, que desindexa as despesas públicas e cria mais mecanismos de repasses de verbas a estados e municípios.
Conexão com o teto de gastos
A PEC Emergencial cria regras para a gestão das contas públicas em períodos de descontrole financeiro e de descumprimento da "regra de ouro", norma que impede que o governo se endivide para o pagamento de despesas correntes. Apesar de ter "emergencial" em seu nome, não tem conexão com o auxílio emergencial e sequer foi inspirada pela pandemia de coronavírus. Seu texto chegou ao Congresso ainda em 2019.
A aplicação da PEC Emergencial é também conhecida como regulamentação do teto de gastos. É sob este rótulo que a proposta foi defendida com mais ênfase por Maia a partir da reta final de 2020.
Neste aspecto, a PEC Emergencial acaba tendo vínculo com políticas de austeridade fiscal que contaram com o apoio de Rossi e Lira nos últimos anos. O teto de gastos, que prevê que a elevação das despesas públicas deve apenas se adequar à inflação do ano anterior, foi aprovado pelo Congresso em 2016, quando o Brasil tinha como presidente Michel Temer, do mesmo MDB de Rossi. À época, a defesa do teto foi uma das principais bandeiras de Rossi, que já era o líder de seu partido.
Lira disse considerar o teto de gastos "uma mostra de como estamos comprometidos com o social e com o país" e " algo que não podemos abrir mão, pois garante a sustentabilidade das políticas públicas e dá segurança para a sociedade civil gerar emprego, renda e promover investimentos".
O compromisso com o teto de gastos figurou também como um dos temas dos embates entre os ministros Paulo Guedes (Economia) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional). Em mais de uma ocasião, Guedes sugeriu que Marinho não estaria disposto a seguir as regras do teto, e chamou o colega de Esplanada de "fura-teto". Arthur Lira disse, em postagens nas redes sociais e em entrevistas, que o compromisso com a austeridade fiscal é uma de suas pautas.
PEC Emergencial está parada desde 2019
Apesar do nome "emergencial" e de contar com a defesa de Rodrigo Maia, a PEC 186/2019 praticamente não evoluiu no Congresso desde sua apresentação. A proposta foi tema de calorosos debates em suas primeiras semanas, mas depois acabou afetada pela pandemia de coronavírus, que mudou as prioridades dos parlamentares.
Atualmente, a PEC está sob análise do Senado. Seu relator é Márcio Bittar (MDB-AC), próximo do governo Bolsonaro e que também é o relator do orçamento. Em dezembro, Bittar disse que não apresentaria seu relatório à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado por identificar que não havia um acordo em torno da iniciativa.
Um dos pontos que inibe a evolução da PEC 186/2019 é os efeitos que pode causar no funcionalismo público. Isso porque a proposta traz em seu texto a possibilidade de determinar a redução da jornada de trabalho e a proporcional diminuição da remuneração de servidores, em quadros de crise. A iniciativa é mal-vista pela oposição de esquerda ao governo Bolsonaro e também por entidades corporativas dos servidores.
“Ela congela salários de servidores públicos. O que é pior: essa PEC Emergencial mexe no salário dos servidores públicos que trabalham na ponta, no atendimento à população que mais precisa, mas não trata dos salários dos magistrados, e dos grandes salários, que esses, sim, é que estão extra-teto e criam problemas para o equilíbrio fiscal”, disse à Agência Câmara o líder do PT na casa, Enio Verri (PR).
O PT é um dos partidos que integra o bloco de Baleia Rossi, ao lado de outras siglas de oposição, como PDT, PCdoB e PSB. As legendas têm um histórico de restrições a propostas de austeridade fiscal e de defesa de pautas do funcionalismo. Os partidos são também contrários à reforma administrativa, outro projeto do governo Bolsonaro que conta com a simpatia de Lira e Rossi.
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