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CONTAS PÚBLICAS

Proposta ‘engessa’ ainda mais o dinheiro público. O que fazer para gastar menos?

Presidente da República, Jair Bolsonaro durante hasteamento da Bandeira Nacional no Palácio do Alvorada.
Orçamento engessado vai exigir que Jair Bolsonaro faça um malabarismo para conseguir conter os gastos. (Foto: Marcos Corrêa/PR) (Foto: Marcos Correa)

Quem quer que fosse assumir o Palácio do Planalto neste 2019 encontraria um desafio e tanto: lidar com um orçamento que já está quase todo "engessado" por despesas obrigatórias. Para o presidente Jair Bolsonaro (PSL), o desafio pode ser ainda maior, a depender da tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) do Orçamento Impositivo, que transforma as emendas orçamentárias das bancadas estaduais em despesas obrigatórias.

Um acordo entre líderes partidários do Senado deve acelerar essa tramitação. Nesta quarta-feira (3), o senador Esperidião Amim (PP-SC) teve seu relatório sobre a PEC aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. O acordo prevê que a proposta seja analisada e alterada na comissão. Em seguida, à tarde ou à noite, deve ser votada no plenário – para ser aprovada, precisa passar por dois turnos de votação e obter no mínimo três quintos dos votos (49 senadores).

Caso aprovada, a PEC vai aumentar a rigidez do orçamento. “A elevação do gasto obrigatório reduziria a margem fiscal da União e, na ausência de outras medidas, dificultaria ainda mais o cumprimento do teto de gastos nos próximos anos”, explica a Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, em nota técnica. A IFI estima que o impacto dessa proposta possa alcançar R$ 7,3 bilhões entre 2020, quando as regras começariam a valer, e 2022.

A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados estimou o grau de rigidez com as despesas primárias sem e com a PEC. A conclusão dos técnicos é que as despesas obrigatórias não elevam tanto – passariam de 90,4% sem PEC em 2019 para 90,9% com PEC em 2020. A diferença está na folga do governo nas despesas discricionárias. Embora, como o nome diz, elas sejam de livre escolha do governo, com a PEC a maior parte dessas despesas passaria a ser "impositiva" (emendas individuais, de bancada e finalísticas impositivas), e sobraria um porcentual menor para os gastos com custeio administrativo.

No caso das "impositivas", a PEC estabelece que o governo pode até não executar a despesa, mas terá de justificar o porquê.

Para acomodar os gastos com um orçamento tão engessado, o governo tem duas opções: arrecadar mais aumentando impostos, o que vai contra as promessas de campanha de Bolsonaro, ou cortar despesas. O governo já está apertando o cinto e adotando medidas que poupam recursos, mas há outras sugestões sobre o que fazer. Algumas dessas ideias foram deixadas pela equipe do antigo Ministério da Fazenda no relatório “Panorama fiscal brasileiro”, publicado em dezembro do ano passado. A seguir, seis "dicas" para cortar gastos que constam desse documento:

1. Parar de contratar servidores. E não dar aumento

Uma das maiores despesas do governo é com a folha de pessoal – despesas com salário e encargos salariais somam cerca 20% das despesas do governo federal e tem crescido. Para frear esse movimento, há duas possibilidades: não contratar novos funcionários e não conceder reajustes salariais.  “A redução da contratação de pessoal – limitada às reposições – implicaria em redução de R$ 4,1 bilhões em 2019, R$ 8,6 bilhões em 2020 e R$ 13,6 bilhões em 2021, em comparação ao cenário de crescimento dos últimos seis anos”, aponta o Panorama Fiscal Brasileiro.

O governo já vem atuando nessa frente. O decreto 9.739/2019, por exemplo, amplia as exigências para os órgãos do governo pedirem a abertura de concursos públicos. Quem quiser realizar um concurso terá de prestar contas ao Ministério da Economia e informar coisas como a evolução do quadro de pessoal nos últimos cinco anos (com movimentações, ingressos, desligamentos e aposentadorias), a estimativa de aposentadorias para os próximos cinco anos e a quantidade de servidores cedidos para outros órgãos, por exemplo.

Os reajustes para servidores públicos geram um efeito cascata, já que muitos funcionários públicos aposentados também recebem o aumento. “A combinação de ausência de reajuste nos salários dos servidores públicos com a limitação na contratação resulta em uma economia acumulada de R$ 105 bilhões até 2022”, apontava o relatório do Ministério da Fazenda. Mas é certo que o governo Bolsonaro não conseguirá poupar todo esse valor. No começo deste ano, uma Medida Provisória (MP) que adiava o reajuste salarial de servidores federais para 2020 perdeu a validade, e o governo desistiu de brigar pela suspensão do aumento. Isso implicou em um gasto extra de R$ 4,7 bilhões para 2019.

2. Diminuir o número de comissionados

Uma medida que ainda está relacionada aos gastos com pessoal é a redução no número de funcionários comissionados. E isso não se restringe apenas às contratações de pessoal que poderiam ser caracterizadas como indicações políticas, já que a ação também inclui funções gratificadas para servidores concursados.

O Panorama Fiscal Brasileiro mostrou que em 2017, o governo gastou R$ 6,1 bilhões com gratificações para cargos comissionados. “A redução de 1/3 destes cargos implicaria em economia de R$ 2,2 bilhões anuais. Entretanto, recentemente foi realizada redução de cargos comissionados da União, o que torna necessária a verificação do espaço adicional para diminuição do quantitativo de cargos, sem prejudicar o funcionamento da máquina pública”, aponta.

O governo Bolsonaro fez algo nesse sentido, mas com efeito limitado sobre os gastos. Em março, foi publicado um decreto que extinguiu 21 mil cargos, funções comissionadas e gratificações no serviço público federal. A economia anual estimada é de R$ 195 milhões – 0,06% do gasto com funcionalismo.

Do total de 21 mil cargos, funções e gratificações extintos, 6.587 já estão desocupados e, por isso, serão extintos imediatamente, sem gerar qualquer economia ao governo. Outros 2.001 serão eliminados a partir de 30 de abril e 12.412, a partir de 31 de julho. O corte de cargos ficará restrito a 159, conforme mostrou o jornal O Globo. As demais extinções são de funções e gratificações, e por isso não resultam em corte de pessoal.

Paralelamente, o governo também editou um novo decreto que estabelece regras mais rígidas para o preenchimento de cargos comissionados. Uma das exigências é de comprovação de capacidade técnica, por exemplo, em uma tentativa de garantir que apenas profissionais qualificados assumam essas funções.

3. Adiar a concessão de benefício assistencial

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) garante o pagamento de um salário mínimo para pessoas com deficiência e idosos com mais de 65 anos que comprovem que não têm condições de sobreviver. Esse é um benefício assistencial, mas que pesa na conta da Previdência: não é preciso ter colaborado com o INSS para ter acesso ao benefício, que na prática é uma aposentadoria para aqueles idosos muito pobres.

O relatório da Fazenda propunha elevar gradativamente a idade de concessão de 65 para 68 anos, em um período de seis anos, o que poderia gerar uma economia de R$ 5,6 bilhões aos cofres públicos entre 2019 e 2021.

A proposta de reforma da Previdência do governo Bolsonaro faz alterações bem mais radicais no benefício. A ideia é antecipar a idade de acesso ao BPC, mas reduzir o valor. Pela proposta, que está na CCJ da Câmara, poderiam recebê-lo pessoas a partir de 60 anos, em situação de vulnerabilidade. O valor seria desvinculado do salário mínimo e esses idosos receberiam R$ 400 mensais, com reajustes anuais fixados pela inflação. Quando o idoso chegasse aos 70 anos, aí sim receberia o valor de um salário mínimo.

O Congresso já sinalizou que pode até aprovar a reforma da Previdência, mas que não mexe no BPC. Bolsonaro, por sua vez, sinalizou que concordaria em manter o benefício do jeito que está. Nesta terça (2), Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, declarou que as mudanças no BPC e na aposentadoria rural não sobreviverão à comissão especial "em hipótese nenhuma".

A mesma resistência foi enfrentada por Michel Temer (MDB), quando apresentou a sua proposta de reforma. Na época, a gestão do emedebista aceitou manter o BPC do jeito que está.

4. Mudar salário mínimo, Previdência e assistência social

O salário mínimo atualmente é o piso da Previdência e de diversos benefícios assistenciais. Isso significa que cada vez que o salário mínimo é reajustado, gera um "efeito cascata" na Previdência e no sistema assistencial, o que pressiona ainda mais o caixa do governo. O relatório Panorama Fiscal Brasileiro aponta que um aumento de 1% no salário mínimo pode aumentar em mais de R$ 2 bilhões as despesas previdenciárias. No caso dos benefícios assistenciais, há aumento no custo, mas não existe contrapartida de crescimento na arrecadação. A sugestão da antiga equipe do Ministério da Fazenda era de desvincular os pisos previdenciários e assistenciais do salário mínimo.

Na proposta de reforma da Previdência de Bolsonaro, essa ideia não teve espaço e o projeto mantém a vinculação. Mas o governo pode mudar a política de reajuste do mínimo, que poderia ficar restrita à reposição da inflação, por exemplo.

5. Limitar o abono salarial

Quem trabalhou em determinado ano com carteira assinada por pelo menos 30 dias e recebeu até dois salários mínimo pode receber o abono salarial no ano seguinte, no valor de um salário mínimo. A proposta do relatório Panorama Fiscal Brasileiro é de restringir a abrangência do benefício para trabalhadores que recebem apenas um salário mínimo.

“O Abono Salarial é uma política pouco eficiente tanto do ponto de vista distributivo quanto no incentivo à formalização no mercado de trabalho. Cerca de 67% dos beneficiários do Abono encontram-se entre os 60% mais ricos da população”, argumenta. Com a medida, a economia estimada chegaria a R$ 155,4 bilhões entre 2020 e 2027.

Essa é uma sugestão que parece ter sido ouvida pela gestão Bolsonaro. A proposta da reforma da Previdência, que está tramitando na Câmara, limita o pagamento do abono salarial apenas para quem recebe até um salário mínimo, além de dificultar as regras de acesso ao benefício.

A proposta também incorpora à Constituição a regra já existente que determina o pagamento do abono em valor proporcional ao período trabalhado no ano. Isto é, se o profissional trabalhou por meio ano, por exemplo, recebe meio salário mínimo, e não um salário inteiro.

Também será exigido cadastro de pelo menos cinco anos no programa PIS-PASEP para garantir o recebimento dos valores. O abono não será pago a quem recebe o BPC. Na PEC, a justificativa para a adoção da medida diz que essa proposta "visa reforçar a proteção social para pessoas de baixa renda, em especial, ter uma proposta resolutiva em relação à focalização do abono salarial".

6. Fundir benefícios assistenciais

Não é só o antigo Ministério da Fazenda que sugere a fusão de benefícios: o Banco Mundial já avaliou a proposta como uma das medidas que o Brasil pode enfrentar para promover o ajuste fiscal. Essa medida atinge o Bolsa Família, aposentadoria rural e BPC. O consenso é de que o Bolsa Família é um programa muito bem direcionado e eficaz: gasta “pouco” em comparação aos outros benefícios e traz retornos mais concretos para a economia.

“Uma alternativa seria fundir os três programas em um único programa, com as características do Bolsa Família e benefícios mais altos. Neste sentido, caso seja feita a fusão da aposentadoria rural, BPC e Bolsa Família em um único benefício de R$ 572,40 (60% do Salário Mínimo), seria possível reduzir a despesa em R$ 9,1 bilhões no primeiro ano de implementação e R$ 13,4 bilhões no segundo ano”, aponta o documento da Fazenda.

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