Em meio a tantos projetos que serão analisados pelo Legislativo nesse segundo semestre, uma proposta de emenda constitucional (PEC) que estava dormitando na Câmara dos Deputados ganhou força e deve passar pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) até a próxima semana. A PEC 187/2016 libera a atividade agropecuária em terras indígenas e tramita junto com outra PEC, a 343/2017, que prevê a parceria entre quem quiser fazer essa exploração e a Fundação Nacional do Índio (Funai).
Os dois projetos já têm parecer pela admissibilidade na CCJ, de acordo com relatório do deputado Alceu Moreira (MDB-RS). O deputado Felipe Francischini (PSL-PR), presidente da comissão, quer votar a PEC até a próxima terça-feira, dia 27 de agosto. “Votaremos, na próxima terça. O índio quer produzir, não morrer de fome”, afirmou. Ele ainda disse não conseguir entender os deputados que são contrários e disse que lutará pela aprovação da proposta.
A PEC da agropecuária tem apoio de integrantes do PSL e da bancada ruralista, além de confirmar o discurso do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre a questão indígena. Desde antes de tomar posse, o capitão costuma reforçar que os índios não querem ser tratados como “animais de zoológico” e já disse que não vai realizar demarcações de terra em seu mandato. Por outro lado, ele se manifesta favorável a alterações na lei que permitam atividades como garimpo e mineração nos territórios indígenas, assim como agropecuária.
Apesar da posição favorável do governo, as PECs vêm sofrendo resistência interna na CCJ. O projeto foi desarquivado em fevereiro e de lá para cá já foram dois os pedidos de retirada de pauta, junto da apresentação de dois votos em separado, das deputadas Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Joenia Wapichana (REDE-RR), que pedem a inadmissibilidade das propostas. De fato, não há consenso sobre as alterações na Constituição, tanto que o Ministério Público Federal (MPF) se manifestou contrário às duas propostas.
O que dizem as PECs que afetam terras indígenas
As duas propostas de emenda à constituição não são as únicas que tratam da produção agropecuária em terras indígenas a tramitar na Câmara, mas são as mais recentes sobre o assunto e se complementam.
A PEC 187/2016 foi proposta pelo deputado Vicentinho Júnior (PL/TO) e acrescenta um parágrafo ao artigo 231 da Constituição, que trata dos direitos reconhecidos aos índios. O texto permite que as comunidades indígenas possam praticar atividades agropecuárias e florestais em suas terras, comercializar a produção e gerenciar essa renda.
Na justificativa, o deputado argumenta que não pode ser imposto ao indígena que viva exclusivamente nos moldes tradicionais, porque “sob o manto de uma falsa proteção, estamos retirando dos indígenas condições de vida digna”.
Já a PEC 343/2017, de autoria do deputado Nelson Padovani (PSDB-PR), propõe uma nova redação ao artigo 231 da Constituição. O objetivo é permitir a implantação de parcerias agrícolas e pecuárias entre a Funai e brasileiros que queiram explorar as atividades nas terras indígenas.
Padovani argumenta que o Brasil mantém muitas terras ociosas, o que prejudica os nativos, que deixam de arrecadar por arrendamento, e empreendedores, que não podem produzir. “Enquanto a Funai e as ONGs, que se dizem preocupadas com as questões indígenas, cuidam apenas de seus interesses políticos, a vida financeira dos índios se deteriora cada vez mais. A miséria, as doenças, a drogadição/alcoolismo e o tráfico de drogas avançam em terras indígenas”, argumenta, em um discurso alinhado com o do atual governo.
Posições contrárias
O Ministério Público Federal, por meio da Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), já produziu duas notas técnicas se opondo às PECs. A argumentação é de que as propostas são inconstitucionais, porque violam a autonomia dos povos indígenas, desconsidera a peculiaridade de suas atividades produtivas e contraria normas internacionais, que podem responsabilizar o país.
No caso da PEC 187/2016, a argumentação do MPF é de que não há avanços ou benefícios aos índios com essa proposta. “A interação constante dos povos ocorre sem a necessidade de interferência ou medidas como a ora proposta, sob pena de se reestabelecer o viés integracionista, fundado em interesse de terceiros, e não no fluxo natural de interculturalidade e dentro da própria organização social do grupo”, argumenta o órgão na nota técnica.
Além disso, a PEC contraria uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e também não considera que as terras indígenas já “geram lucro”, considerando os valores obtidos pela redução das emissões de CO².
Já sobre a PEC 343/2017, o argumento da nota técnica é de que políticas voltadas aos povos indígenas não podem obrigá-los a adotarem padrões produtivos como modo de promover a integração do índio à sociedade. "A PEC procura diluir os direitos constitucionais indígenas atacando seus modos de vida e subsistência. A política agrícola é uma coisa e o direito indígena à terra é outra, e ambos não devem ser confundidos", declarou o coordenador da 6CCR, Antonio Bigonha, em registro do MPF.
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