O retorno das atividades normais das comissões, que permaneceram paralisadas em 2020 em virtude da pandemia de coronavírus, deve destravar a discussão de temas importantes na Câmara dos Deputados. Entre eles, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que determina a prisão de condenados pela Justiça em segundo grau. A comissão temporária que estuda a PEC da segunda instância agora volta aos trabalhos e alguns parlamentares creem na aprovação do projeto ainda em 2021.
A confiança de defensores da iniciativa se dá pela postura do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que desde sua campanha pelo comando da Casa enfatizou que teria como meta promover um número elevado de votações. Lira declarou que, como presidente, não daria sua opinião sobre o mérito das propostas, mas estimularia o debate e a apreciação de projetos em plenário.
Na mão oposta, parlamentares temem que outras prioridades inibam a votação do projeto. Um fato que foi citado como uma "ducha de água fria" sobre a iniciativa foi o fato de o presidente Jair Bolsonaro não ter incluído o tema na lista de 35 prioridades que o governo vê no Congresso Nacional em 2021. "Lógico que isso tem impacto [negativo]. O governo tem uma ascensão sobre a Câmara, uma influência", declarou o deputado Aliel Machado (PSB-PR).
O parlamentar é o atual presidente interino da comissão da Câmara que discute a PEC da segunda instância e quer permanecer no cargo ao longo do ano. O antigo comandante era Marcelo Ramos (PL-AM), que deixou o posto por ter sido eleito vice-presidente da Câmara.
Segundo Machado, a comissão tem em mãos um relatório sobre a PEC que é "muito bem elaborado", produzido pelo deputado Fábio Trad (PSD-MS). Em seu texto, Trad estende os efeitos da proposta para além do campo penal — assim, determina que os efeitos de uma condenação em segunda instância sejam imediatos também para outros campos do direito, como o tributário e o trabalhista.
"Por esse motivo, não gosto de falar 'PEC da prisão em segunda instância', e sim da 'condenação em segunda instância', porque estamos abordando mais do que prisão", disse Machado. O relatório de Trad foi concluído ainda em setembro.
Barreiras da economia e da política para votar a PEC da segunda instância
"Não se preocupe. A PEC da segunda instância estará votada até final de dezembro. Pode gravar. Eu me comprometi. Antes de terminar o meu mandato. As votações acabam em 17 de dezembro".
A declaração é do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e foi dada por ele em setembro durante entrevista ao portal O Antagonista. A PEC, como se sabe, não foi votada. O projeto foi vítima de uma série de fatores que travaram a apreciação: a inatividade das comissões, as eleições municipais, as disputas internas na Câmara e no Senado, e a necessidade de se atender a outras prioridades, em especial as da economia.
Este último aspecto é o que faz a líder do Psol na Câmara, Talíria Petrone (RJ), ver pouca possibilidade de o tema entrar no radar dos parlamentares nos próximos meses. "Essa é uma demanda do campo bolsonarista e de setores liberais, então acho que possa ser novamente pautada. Mas me parece mais que as pautas econômicas e de austeridade, como as privatizações e a reforma administrativa, estão na ordem do dia do presidente Lira e do governo", declarou.
A deputada afirmou que seu partido é contrário à iniciativa por entender que o projeto é "punitivista" e que existe uma "seletividade no Judiciário penal brasileiro". Petrone colocou que ela e o Psol planejam mobilizar setores da sociedade para angariar apoio contra a iniciativa.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), mostrou posicionamentos distintos sobre a PEC da segunda instância. Ele já disse considerar que a melhor maneira de contemplar o assunto seria com uma modificação no Código de Processo Penal, e não na Constituição. Dias antes de ser eleito presidente da casa, declarou, em entrevista à Folha de S. Paulo, que aguarda a decisão da Câmara sobre o tema para pensar em um encaminhamento sobre o assunto.
Como o projeto em discussão é uma emenda à Constituição, é necessário que tanto deputados quanto senadores aprovem a medida. São necessárias votações em dois turnos, na Câmara e no Senado, e o voto favorável de três quintos de membros de cada casa, em cada uma das rodadas de votação.
Esquerda e centrão: pedras no caminho?
Um senador que não apoiou Pacheco na disputa pelo comando do Senado disse de modo reservado à Gazeta do Povo não acreditar que o presidente da Casa faça o assunto avançar. O motivo, segundo este parlamentar, é o compromisso que Pacheco fez com o PT durante o período eleitoral.
O PT é, de fato, uma das maiores forças contra o projeto, tanto na Câmara quanto no Senado. Isso porque o debate sobre a segunda instância reacendeu no Brasil no fim de 2019, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou a cadeia. O petista foi solto após o Supremo Tribunal Federal (STF) mudar seu entendimento sobre o tema e determinar que não era mais válida a prisão de condenados "apenas" em segunda instância, caso de Lula.
A partir dali, o assunto se instalou no Congresso, com discussões sobre modificações na Constituição ou no Código de Processo Penal. A ideia de mudar a carta magna foi a que encontrou mais respaldo, e levou a discussão até o estágio atual.
Mas não são apenas setores da esquerda que se opõem à proposta. Líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) declarou recentemente que viu a prisão em segunda instância como um "casuísmo" para tirar Lula das eleições de 2018, vencidas por Jair Bolsonaro. O PP, partido do parlamentar, tem muitos integrantes sob acusação de crimes de corrupção, investigados na Lava Jato e em outras operações.
Reportagem do jornal O Globo do último dia 7 revelou que integrantes do chamado Centrão da Câmara articulam uma pauta que suavizaria punições por crimes de corrupção, como lavagem de dinheiro. O presidente da Câmara, Arthur Lira, era o principal líder do Centrão até chegar ao comando da Casa.
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