O relator da PEC do voto impresso auditável, deputado Filipe Barros (PSL-PR), redigiu seu parecer de forma a sugerir a adoção de uma tecnologia de impressão de voto já criticada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas, segundo ele, o texto também foi construído para não impedir o Brasil de adotar futuramente tecnologias mais avançadas que mitiguem as críticas da Justiça Eleitoral.
Em seu relatório, Barros prevê que, no processo de votação, "os registros impressos de voto serão conferidos pelo eleitor e depositados, de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis".
As especificações previstas na PEC têm as características de uma urna de segunda geração, segundo os critérios adotados pelo professor Mário Gazziro, do departamento de Engenharia da Informação da Universidade Federal do ABC (UFABC), que trabalha com a construção e programação de urnas eletrônicas de voto impresso. A urna de primeira geração é a que o país usa atualmente – todos os votos são eletrônicos e não são impressos para posterior auditagem dos resultados.
Membro do subcomitê de tecnologias eleitorais da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), Gazziro e outros acadêmicos defendem a adoção de uma urna de terceira geração, que unifica os registros digital e impresso do voto em uma cédula impressa e depositada manualmente após checagem do próprio eleitor.
Na montagem de seu relatório, Barros se mostrou sensível à terceira geração, mas entendeu que concebê-la atualmente poderia ampliar as resistências políticas e jurídicas à adoção do voto impresso auditável. Mas ele deixou em seu texto as condições legislativas para que, se aprovado como está, o Brasil possa, um dia, avançar sua tecnologia eleitoral.
O relatório de Filipe Barros dever ser votado nesta quinta-feira (8) na comissão especial da Câmara criada para discutir a PEC do voto impresso.
Quais os pontos fortes da terceira geração do voto impresso
No conceito de urna de terceira geração usada por Gazziro, o eleitor tem o acesso à impressão do voto. Nessa cédula, são impressas informações sobre os candidatos escolhidos e um código QR – que reforça a segurança do registro digital do voto.
O eleitor confere as informações na própria cédula. Se estiver tudo certo, ele deposita o papel na urna física. Caso detecte alguma divergência com relação à escolha de candidatos, poderá descartar a cédula impressa e retornar ao primeiro passo, na urna eletrônica.
Na prática, a terceira geração de urnas eletrônicas oferece mais segurança ao processo eleitoral. Dentro do QR code impresso, existe uma assinatura digital criptografada que evita inserção de votos externos fraudados.
Existe, ainda, um identificador único de cada voto embutido digitalmente no QR code, que o eleitor não pode ver a olho nu. Esse identificador evita que uma fotocópia (xerox) do voto seja contabilizada, caso inserida dentro da urna por fraudadores. Isso impede que um mesmo voto seja apurado mais de uma vez.
O código QR na impressão contém o chamado registro digital do voto (RDV) e o registro textual legível que garante ao eleitor a checagem do voto. É justamente a criptografia nessa tecnologia que, segundo seus defensores, evita quaisquer chances de ataques hackers ao RDV e, assim, possíveis fraudes. Isso acontece porque o voto não ficará registrado eletronicamente na urna, como acontece atualmente nas urnas de primeira geração.
Na própria urna onde o eleitor digita as teclas e escolhe seus candidatos há a opção de o votante verificar através de um leitor laser de barras QR se o conteúdo do registro impresso corresponde ao digital, o que possibilita ao próprio eleitor auditar o voto.
Como a terceira geração evita a principal crítica do TSE ao voto impresso
A terceira geração das urnas eleitorais é vista como um antídoto contra uma das principais críticas do TSE ao voto impresso: a possibilidade de que a urna imprima mais registros de voto do que o número de eleitores da sessão eleitoral.
Como na segunda geração o registro impresso é depositado automaticamente na urna, um ataque hacker ao software da máquina pode fazê-la imprimir votos sem que o mesário perceba. O professor Mário Gazziro concorda que isso é uma possibilidade na tecnologia de segunda geração, embora alerte que existem formas tecnológicas de combater isso, como um aviso sonoro elétrico a cada voto depositado na urna física.
"O advento do voto impresso surgiu a partir da desconfiança sobre o software da urna. Então, o TSE alega que esse mesmo software seria capaz de imprimir votos nos intervalos entre os eleitores, de forma que esses votos caíssem direto na urna de cédulas. Isso é, sim, possível. Por isso, a recomendação da academia era a de não ser esse um processo automatizado", diz.
Por esse motivo, Gazziro defende que a terceira geração é a mais eficaz contra fraudes eleitorais, seja pela possibilidade de uma invasão hacker ao software da urna ou por ação externa de um mesário. "Depender do próprio eleitor conferir o voto em suas mãos e, então, introduzi-lo na urna de cédulas, com a chave criptografada [código QR], é o mais seguro."
Contagem e auditagem manual: o ponto fraco da terceira geração
Com a urna de terceira geração, o processo de apuração e auditagem dos votos ocorre na mesma etapa, em processo manual, pelos mesários de cada sessão eleitoral. Cada impressão tem o código QR lido pelo leitor laser na urna de votação e a auditagem é feita pelo registro textual, dos candidatos votados.
Ou seja, a terceira geração tem como ponto fraco a lentidão do processo de contagem. Com essa tecnologia, será preciso apurar 100% dos votos manualmente – o que, em um país de dimensões continentais como o Brasil, pode levar dias.
Por outro lado, especialistas e o próprio deputado Filipe Barros ponderam que a apuração em 100% das urnas aumenta a confiança de todos os eleitores. A avaliação é de que uma amostragem pequena de auditagem das urnas poderia gerar desconfiança ao eleitor com menos noção de estatística.
Como a PEC possibilita a migração da segunda para a terceira geração
A contagem manual dos registros impressos dos votos já está prevista no relatório do deputado Filipe Barros. Seu relatório prevê que, até 2024, o TSE precisará providenciar as urnas de voto impresso em todas as sessões eleitorais.
À Gazeta do Povo, o relator diz que esse é um dos trechos em que ele procurou pavimentar a possibilidade de o sistema eleitoral brasileiro migrar da segunda para a terceira geração. "Vários parlamentares ainda são resistentes a essa ideia. Mas, se fazemos [a auditagem] por amostragem, na prática, estaremos postergando um problema, porque a gente vai apurar, por exemplo, 10% dos votos nas sessões eleitorais, mas os outros 90% terão que ser transportados", diz.
Para o relator, a contagem presencial ajuda, inclusive, a evitar fraudes na contagem e mitiga a judicialização por pedidos de recontagem. Outro movimento adotado por Barros a fim de preparar "terreno" para a terceira geração é prever que, "nas seções eleitorais com registro impresso de voto, a apuração será realizada exclusivamente com base nesses registros".
Ou seja, diferentemente de uma segunda geração "padrão" da urna de voto impresso, Barros tenta criar, por meio de seu relatório, a cultura de a apuração ser feita somente sobre os votos impressos. O relator destaca, ainda, que seu texto permite o próprio TSE implementar o código QR na impressão do voto por meio de uma resolução.
Outro trecho onde Barros procurou criar uma brecha para a transição de tecnologia é onde ele prevê os registros impressos serão depositados "separadamente para cada cargo" ou "de alguma forma que se garanta o sigilo do voto". Nesse "de alguma forma", Barros entende que o uso de uma chave de criptografia com o código QR resolveria o impasse.
Outra brecha para a terceira geração se dá na previsão de que a apuração dos registros impressos utilizará "processos automatizados com programas de computador independentes dos programas carregados nos equipamentos de votação eletrônica". Especialistas recomendam que a contagem seja feita por meio de uma segunda urna, com tecnologia para a auditagem dos códigos QR nas impressões do voto.
Por que Filipe Barros não optou pela terceira geração no relatório
Mesmo tendo deixado brechas para a adoção da terceira geração, Barros explica que não a estabeleceu por uma questão cultural. O próprio ato do eleitor pegar o voto na mão poderia gerar mais resistência no Congresso, no TSE e até no Supremo Tribunal Federal (STF).
"Eu acho que é importante a gente mudar o modelo, esclarecer e dizer que o papel não representa um retrocesso; é um avanço. As urnas de segunda geração apresentam avanço e as de terceira um avanço maior ainda", diz.
"A evolução tecnológica da terceira geração é o correto, mas isso vai ser uma coisa cultural para daqui a 20 anos. Não precisamos, por ora, ter uma geração tão longe. Poucos países do mundo chegaram a isso", acrescenta o relator.
A possibilidade de adoção das urnas de terceira geração foi questionada, inclusive, pela autora da PEC, a deputada Bia Kicis (PSL-DF). Para ela, não há tempo hábil para discutir e convencer a sociedade da terceira geração.
"Não tem a menor condição de termos a terceira geração agora, porque não temos tempo hábil para chegar nessa tecnologia", diz Bia. Para ela, o relatório acerta ao prever regras como a contagem e auditagem dos votos pela segunda geração. "Não dá tempo de fazer mais nada. É aprovar a PEC e implementar [o voto impresso", reforça.
Quais os pontos fortes e fracos da segunda geração do voto impresso
A segunda geração de urnas do voto impresso são um meio termo entre a terceira e a primeira geração. Essa tecnologia armazena o registro digital do voto (RDV) na urna, como a primeira geração, mas imprime o voto para checagem, como a terceira geração. A impressão pode ou não ter um código de barras QR.
A segunda geração tem como ponto forte a auditagem que oferece ao eleitor, uma vez que ele próprio poderá checar o voto antes de a impressão cair automaticamente na urna. E também garante a auditagem pela autoridade eleitoral.
"O ponto forte é que o papel pode ser observado a olho nu. O eleitor não consegue ver os elétrons correndo no fio até chegar na memória interna da urna. Mas a maioria dos eleitores consegue olhar para um papel e conferir se o que está escrito foi o que digitou mesmo ou não", afirma o professor Paulo Matias, do departamento de Computação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), coordenador do subcomitê de tecnologias eleitorais da Sociedade Brasileira de Computação (SBC).
Entretanto, a segunda geração traz menos segurança ao processo de votação. O motivo é justamente o fato de armazenar o RDV eletronicamente, ou seja, carrega as mesmas críticas que levaram as urnas eletrônicas de primeira geração a ser questionadas.
É justamente nesse ponto que estão as principais críticas do TSE. Técnicos da Corte – que sempre negam as chances de invasão e o comprometimento de um RDV na urna eletrônica – colocam em xeque a possibilidade de fraude no voto impresso da segunda geração, seja na adulteração do RDV, que fica registrado na urna, ou na subtração ou acréscimo de uma impressão depositada.
"Como se resolve? Será que essa sessão seria anulada, prejudicando uma votação legítima e um candidato que, efetivamente, venceu?", questionou o secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Júlio Valente, em reunião com deputados da comissão especial da PEC 135/19 em 21 de junho.
Segundo Matias, além de ser uma tecnologia com potencial de fraude, como a primeira geração, a segunda geração tem outros pontos fracos. "Vai dar trabalho e demorar alguns anos implementar da forma correta", diz. "Mas se não compensasse o esforço, não veríamos tantos países abandonando as urnas do tipo DRE [de primeira geração]", complementa.
A urna de segunda geração proposta para o sistema eleitoral brasileiro no relatório de Barros, contudo, não prevê a contagem do RDV registrado na urna. Pelo relatório, a apuração será feita pelo registro impresso.
Quais os pontos fortes e fracos da primeira geração
A primeira geração das tecnologias eleitorais, utilizada no Brasil e em outros 24 países – segundo o Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (Idea Internacional) –, é questionada por especialistas pela fragilidade quanto ao processo de verificação do voto pela população e pela vulnerabilidade de ataques externos.
Os pontos fortes são conhecidos: a rapidez na votação e apuração. Mas Matias diz que os pontos fracos naturalmente se sobrepõem aos pontos fortes no que se refere à auditagem. "O TSE consegue auditar de acordo com os requisitos de auditoria que a própria Corte define. Os partidos conseguem auditar até os limites impostos pelo TSE. O eleitor comum consegue auditar? Eu diria que não", destaca.
O processo de auditagem em uma urna de primeira geração depende do software que, se for adulterado, pode comprometer a checagem dos votos. O TSE refuta a tese de invasões externas e argumenta que o próprio registro digital de voto (RDV) garante a segurança dos votos. Cada registro é criptografado e armazenado em ordem aleatória.
Acadêmicos alertam, contudo, que o RDV, que é constituído em software, pode ser adulterado e, consequentemente, compromete a segurança do processo eleitoral.
"Todo software está sujeito a vulnerabilidades, e isso não deveria ser uma surpresa. Minha equipe invadiu as urnas em testes públicos de segurança promovidos pelo TSE em 2017", afirma Matias. "Fizemos execução arbitrária de código, que é literalmente o termo técnico que utilizamos para descrever a invasão a um sistema computacional", complementa.
O professor do departamento de Computação da Universidade Federal de São Carlos ressalta que, em todas as outras edições dos testes promovidos pelo TSE, alguma equipe sempre conseguiu quebrar alguma propriedade de segurança da urna. "É óbvio que isso não significa que ocorram fraudes, afinal, as falhas encontradas nos testes são mitigadas antes das eleições", destaca.
"Esperar ocorrer uma fraude para acrescentar um mecanismo de segurança que é consenso da comunidade científica é equivalente a esperar ser assaltado para colocar uma fechadura na porta da frente de casa. Mesmo que você seja mestre em artes marciais e acredite que possa lidar com qualquer bandido que venha a entrar na sua casa, colocar a fechadura é o senso comum e as pessoas geralmente não costumam deixar de fazê-lo por 'achar desnecessário'", conclui Matias.
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