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O ex-presidente da República Jair Bolsonaro| Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil

O pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao ministro Alexandre de Moraes para obter dados de identificação de todos os usuários de redes sociais que seguem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se afasta de um entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre como órgãos públicos devem tratar dados pessoais.

Em setembro do ano passado, a Corte decidiu que o acesso a dados do tipo deve ter “propósitos legítimos, específicos e explícitos” e ser limitada a informações “indispensáveis ao atendimento do interesse público”.

No julgamento, os ministros ainda afirmaram que a obtenção dos dados deve ter compatibilidade com as finalidades buscadas, limitação ao “mínimo necessário para o atendimento da finalidade informada”, além de cumprimento integral dos requisitos, garantias e procedimentos estabelecidos na Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD, aprovada em 2018 para resguardar a privacidade no ambiente digital.

Essa decisão ajustava decretos do governo sobre o compartilhamento de dados pessoais entre diferentes órgãos, mas acabou servindo como baliza para tratamento dessas informações pelo setor público, especialmente porque até hoje não foi aprovada uma lei para disciplinar a coleta para investigações criminais. Em 2020, uma comissão de juristas apresentou ao Congresso um anteprojeto de lei sobre a questão, mas até hoje nada foi aprovado pelos parlamentares.

As ações julgadas pelo STF, apresentadas pela OAB e pelo PSB, apontavam risco de vigilância massiva por parte do Estado sobre cidadãos, que poderiam ficar vulneráveis a ações abusivas.

O problema do pedido da PGR, segundo analistas consultados pela reportagem, é o fato de ser genérico, não ter uma motivação clara e ainda ser desnecessário para o objetivo informado pelo órgão. São requisitos não só inscritos na LGPD, mas também exigidos pelo STF e que ainda fazem parte da proposta elaborada por juristas no Congresso em 2020.

O pedido da PGR foi feito no âmbito da investigação, conduzida por Moraes, sobre os supostos incitadores da manifestação que invadiu e depredou as sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro. Bolsonaro passou a ser investigado porque compartilhou, dias depois do fato, e depois apagou, um vídeo que dizia que Lula não teria sido eleito pelo povo brasileiro, mas “escolhido pelo serviço eleitoral, pelos ministros do STF e pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral”.

Em depoimento, Bolsonaro disse que a postagem foi “acidental” e negou que o objetivo fosse estimular novas manifestações contra a eleição de Lula.

Pedido da PGR

Para apurar a influência do ex-presidente sobre as manifestações, a PGR também pediu que as empresas de tecnologia forneçam ao STF todas as postagens dele sobre eleições, urnas eletrônicas, Tribunal Superior Eleitoral, Supremo Tribunal Federal, e Forças Armadas.

Um detalhe chamou a atenção de analistas: no pedido, a PGR não especifica exatamente todas as plataformas que devem prestar as informações. Fala que devem ser requisitadas essas informações das empresas “provedoras de redes sociais” e, entre parêntesis, dá alguns exemplos, seguida de um “etc.”: “Instagram, LinkedIn, Tik Tok, Facebook, Twitter, YouTube etc.”

Um advogado de uma grande plataforma, que pediu para não se identificar, estranhou a falta de precisão, algo considerado essencial nesse tipo de pedido. Além disso, afirmou que a LGPD não obriga as empresas a guardar as informações da maneira como foi pedida pela PGR.

“A PGR quer que as empresas produzam dados que elas não têm obrigação legal de guardar. Ao contrário. A LGPD determina que se retenham apenas as informações necessárias para a execução do aplicativo”, disse o advogado.

Além disso, para ele, o pedido é desnecessário. Para obter o número de seguidores de Bolsonaro, bastaria consultar diretamente as próprias plataformas, que costumam divulgar publicamente essas informações. A obtenção de dados de todos os usuários iria além do necessário para dimensionar o alcance potencial das postagens do ex-presidente.

Outro problema é o formato: a PGR pediu que a lista com os usuários fosse fornecida em arquivos digitais PDF, um tipo de documento que permite baixa operação dos dados, especialmente para uma grande quantidade de informações, uma vez que Bolsonaro tem milhões de seguidores nas redes.

O pedido também foi visto como heterodoxo por integrantes do próprio Ministério Público. Um deles, que também pediu reserva, afirmou que não faz sentido obter dados de todos os seguidores para aferir o alcance. “Eu sigo Bolsonaro. Você segue Bolsonaro”, disse.

Doutor em Direito Penal, o advogado Acacio Miranda diz que, sem a devida fundamentação, justifica-se a apreensão das pessoas com o pedido da PGR. “Impõe um certo estado de temor”, afirma.

Para ele, ainda que não esteja aprovada uma lei para regulamentar como informações digitais podem ser obtidas para investigações, a Constituição e as leis atualmente existentes já exigem que um pedido seja bem justificado. “Mecanismos já temos muitos. Mas a gente vive fase complexa, que as pessoas pensam no que têm que fazer e depois criam fundamentação. Talvez seja esse o problema”, comenta.

Por causa das críticas e desconfianças em relação ao pedido, a PGR informou, em comunicado oficial, que os seguidores de Bolsonaro não serão investigados. “Impõe-se dimensionar o impacto das publicações e o respectivo alcance. Jamais iria investigar milhões de pessoas, seria até impossível fazer isso”, afirmou Carlos Frederico Santos, responsável pela condução das investigações no órgão. A PGR reconheceu que há pessoas que seguem o ex-presidente “por curiosidade, informação, motivação profissional, acadêmica ou interesses diversos”.

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