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Alexandre de Moraes
Alexandre de Moraes é acusado de três crimes de responsabilidade no novo pedido de impeachment| Foto: Gustavo Moreno/STF

O mais novo pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentado nesta segunda-feira (09) por parlamentares da oposição, inclui um requerimento para que uma comissão especial de senadores determine busca e apreensão nos “telefones, computadores, tablets e outros aparelhos eletrônicos pessoais e funcionais” do magistrado.

A medida também seria executada sobre os equipamentos dos juízes Airton Vieira, que auxilia Moraes no Supremo, e Marco Antônio Vargas, que o auxiliava no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e também do perito Eduardo Tagliaferro, que chefiava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE.

O objetivo é quebrar o sigilo dos aparelhos, de modo a colher provas que possam confirmar as acusações feitas a Moraes no pedido de impeachment. A comissão especial de senadores, que executaria a medida, só será instalada caso o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), aceite iniciar o processo contra Moraes, algo que os próprios parlamentares duvidam, em razão de sua proximidade com o ministro.

Caberia a esse colegiado, que ainda seria formado, em caso de abertura do processo, uma análise aprofundada das acusações, para comprová-las ou refutá-las - daí a necessidade de provas. É o que ocorre em todos os processos de impeachment, e o que foi feito, por exemplo, em relação à ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

No caso de Moraes, a denúncia imputa a ele três crimes de responsabilidade, previstos na Lei do Impeachment (1.079/1950):

  • proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;
  • ser patentemente desidioso (negligente) no cumprimento dos deveres do cargo;
  • proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decôro de suas funções.

O interesse pelo conteúdo dos celulares e computadores de Airton Vieira, Marco Antônio Vargas e Eduardo Tagliaferro tem relação com mensagens de WhatsApp, reveladas no mês passado pelo jornal Folha de S. Paulo, que mostram como Moraes encomendava ao TSE, fora do período eleitoral, relatórios sobre alvos específicos, para embasar medidas criminais no Supremo, como bloqueios de perfis em redes sociais, retenção de passaportes e interrogatórios. O pedido também requer que esses auxiliares deponham como testemunhas e que o TSE forneça todos os documentos produzidos pela AEED que embasaram as decisões de Moraes no STF.

O caso foi explorado na nova denúncia contra Moraes (leia aqui a íntegra do documento, que foi oficialmente protocolado nesta terça e posteriormente divulgado pelos parlamentares).

O pedido de impeachment ainda aponta outras condutas do ministro que, segundo os parlamentares, violaram a liberdade de expressão de cidadãos comuns, jornalistas e veículos de imprensa; feriram a imunidade parlamentar de deputados e senadores para proferir opiniões; demonstraram parcialidade e interesse pessoal na condução dos inquéritos; configuraram abusos de autoridade, coação e ameaça à vida e saúde de investigados; além de afrontarem a prerrogativa de advogados e, assim, a ampla defesa dos alvos dos inquéritos.

Todas essas imputações vêm acompanhadas de relatos de casos recentes envolvendo a atuação do ministro, noticiadas na imprensa e com repercussão internacional.

“As situações narradas ao longo desta peça que, apesar de longa, é ainda muito concisa em face do número já incontável de crimes de responsabilidade cometidos pelo denunciado, ministro Alexandre de Moraes, demonstram que suas ações solapam, no mínimo, três dos maiores fundamentos de uma democracia: o direito à existência de oposição sem censura; o funcionamento regular do Congresso Nacional sem que haja interferências indevidas no trabalho da representação parlamentar eleita pelo voto popular; e o respeito irrestrito à Constituição e às leis para a preservação do Estado de Direito”, diz o pedido de impeachment.

A Gazeta do Povo consultou o ministro, por meio de e-mail à assessoria de imprensa do STF, sobre o interesse em defender-se das acusações do pedido de impeachment, e recebeu a resposta de que não haveria comentários. O espaço permanece aberto à manifestação.

O pedido de impeachment foi escrito pelo ex-desembargador Sebastião Coelho, e pelos deputados federais Marcel Van Hattem (Novo-RS), Bia Kicis (PL-DF), Caroline de Toni (PL-SC) e pelo senador Rogério Marinho (PL-RN). Conta com apoio de cerca de 150 deputados e 31 senadores.

Abaixo, estão os principais fatos e acusações do documento, que contém 53 páginas.

Moraes acusado de “perseguição a um grupo político conservador”

Na parte em que narra como Moraes encomendava relatórios de seus auxiliares no STF e TSE, o pedido de impeachment destaca que as mensagens de WhatsApp “evidenciam um fluxo de solicitações informais para a produção de relatórios específicos contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro”. Além da informalidade, o documento aponta, com base na reportagem da Folha, a produção de “denúncias anônimas forjadas, sem que houvesse uma clara indicação da origem ou da finalidade especifica das investigações”.

“As mensagens mostram pedidos de monitoramento e produção de relatórios sobre postagens de figuras públicas como o jornalista Rodrigo Constantino e o ex-apresentador da Jovem Pan Paulo Figueiredo. Tais solicitações ocorreram, inclusive, após o término do período eleitoral quando o TSE já não deveria atuar em tais investigações. Tal situação fática comprova uma manifesta perseguição a um grupo político conservador”, diz ainda o pedido de impeachment.

Em outro trecho, o pedido diz que “a troca de mensagens sugere ainda que houve adulteração de documentos, prática de pesca probatória, abuso de autoridade e possíveis fraudes de provas”. Os parlamentares lembram que a Constituição proíbe a existência de “juízo ou tribunal de exceção” e que a maneira de comunicação do ministros com os auxiliares seria “forma de contornar os procedimentos legais e formais estabelecidos, comprometendo a imparcialidade do julgamento e a legitimidade das decisões tomadas”.

“Essa ação orquestrada comandada pelo Denunciado, quando era presidente do TSE, para embasar medidas restritivas de direitos, como o cancelamento de passaportes e o bloqueio de redes sociais, configura uma violação aos direitos fundamentais e às liberdades individuais previstas na Constituição Federal. O artigo 5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à liberdade e à segurança, e qualquer restrição a esses direitos deve ser feita mediante o devido processo legal e com base em provas lícitas e formalmente obtidas”, diz o pedido de impeachment contra Moraes.

Moraes responsabilizado pela morte de Clezão e outras prisões prolongadas

Um capítulo da denúncia listou casos em que Moraes ignorou pedidos de soltura e alertas de advogados de defesa e da Procuradoria-Geral da República (PGR) em favor de pessoas que mandou prender. O primeiro e mais grave exemplo é do comerciante de Brasília Cleriston Pereira da Cunha, o Clezão, preso no dia 9 de janeiro de 2023 por acompanhar a manifestação que resultou na invasão das sedes dos Poderes.

Ele morreu de infarto no presídio da Papuda, em Brasília, após vários pedidos de soltura comprovando problemas cardíacos e recomendação da PGR pela liberdade com uso de tornozeleira. “Alexandre de Moraes nem chegou a analisar o pedido”, registra o pedido de impeachment, lembrando ainda que Clezão, sem antecedentes, era pai de família e tinha duas filhas jovens.

“A fatídica e plenamente evitável morte de Cleriston Pereira da Cunha é apenas um exemplo das infindáveis injustiças e de rupturas do Estado Democrático de Direito com o objetivo de impor uma falsa narrativa de golpe de estado, no qual foram tornados réus diversos pais, mães, avôs e avós. Esses, na sua enorme maioria, foram vítimas dos acontecimentos, tendo sido pegos em pleno domingo (08/01/2023) num turbilhão de fatos lamentavelmente violentos. Cidadãos dignos sem nenhum antecedente criminal, muitos portando apenas uma Bandeira do Brasil e uma Bíblia sendo tratados como perigosos terroristas”, diz o pedido.

O pedido ainda lembra o caso da cabeleireira Débora dos Santos, de 38 anos, acusada de atentar contra o Estado Democrático de Direito por escrever com batom a expressão “perdeu, mané” na estátua da Justiça em frente ao STF no 8 de Janeiro – era uma referência à fala do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso a eleitores de Bolsonaro, em novembro 2022, em Nova York.

“Débora, mulher humilde e religiosa, é mãe de duas crianças pequenas, uma com 6 anos e outra com 9 anos, e está presa desde 17 de março de 2023, tendo sido denunciada tão somente 15 meses após sua prisão, mesmo com todos os apelos da família e do seu advogado de defesa (oito pedidos de prisão domiciliar)”, diz o pedido de impeachment. O documento cita em seguida diversas decisões do STF que concederam liberdade a mães de crianças acusadas de crimes sem violência.

Outro caso mencionado é o de Karina Rosa dos Reis, que teve negado pedido para tirar a tornezeleira eletrônica a fim de realizar exames e procedimentos para tratamento contra um câncer com metástase no fígado.

A peça destaca ainda os casos do ex-assessor internacional de Bolsonaro Filipe G. Martins, do ex-diretor da Polícia Rodoviária Federa Silvinei Marques, que ficaram presos por vários meses sem denúncia, e do ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid. O primeiro provou que nunca havia deixado o Brasil, suspeita usada pelo ministro para decretar sua prisão preventiva. Moraes ainda o proibiu de dar entrevista à imprensa após a soltura. Cid, por sua vez, só foi solto após assinar um acordo de delação premiada. Após a revista Veja divulgar áudios em que ele falava na pressão indevida da PF para incriminar Bolsonaro, ele foi preso novamente.

“Há graves indícios de que vários direitos e garantias fundamentais foram ultrajados, o que nos remete a uma espécie de prisão com motivação política e não derivada dos dispositivos legais que fundamentam a matéria”, diz o pedido, lembrando que a PGR foi contra o acordo.

O impedimento e suspeição de Moraes são apontados numa decisão em que ele mesmo afastou-se da relatoria de investigações sobre dois homens que ele mandou prender por supostas ameaças à sua família, neste ano. Ele manteve as prisões e uma parte do caso sob o argumento de que eles teriam atentado contra o Estado Democrático de Direito.

Moraes e a censura no pedido de impeachment

A censura de Moraes na determinação de bloqueio de perfis em redes sociais e depois, na suspensão da plataforma X em todo o país, também é destacada no pedido de impeachment. A série de reportagens conhecida como “Twitter Files” – que revelou e-mails de executivos da empresa relatando espanto com as ordens de Moraes – é mencionada para demonstrar a pressão para monitorar, censurar e captar dados de políticos, jornalistas e ativistas de direita.

A peça diz que Elon Musk, como responsável pela rede, não teria sido intimado de maneira correta para cumprir as determinações do ministro, que acabou postando a ordem na própria plataforma. Multas que chegaram a R$ 200 mil foram criticadas no pedido, bem como a suspensão da plataforma, “igualando-nos assim a países com regimes ditatoriais e totalitários como China, Irã, Coreia do Norte, Rússia, Turcomenistão e Mianmar”.

O bloqueio dos bens da Starlink - empresa de internet por satélite que, apesar de ter Elon Musk como acionista, não tem relação com o X -, bem como a multa diária de R$ 50 mil para quem usasse VPN para acessar a plataforma no Brasil também foram elencados como fatos que revelariam desproporcionalidade, falta de razoabilidade e insegurança jurídica.

A possibilidade de a Starlink interromper seus serviços, por razões financeiras, prejudicaria empresas, populações isoladas e operações militares que dependem de seus equipamentos.

“A atuação do Ministro Alexandre de Moraes, ao adotar medidas que afetam diretamente a economia, a liberdade de expressão e a segurança jurídica, tem gerado um clima de instabilidade e incerteza. Empresas e cidadãos ficam a mercê de decisões que parecem desconsiderar os princípios basilares do Estado de Direito. A confiança nas instituições e no sistema Judiciário é fundamental para o desenvolvimento de um ambiente de negócios saudável e para a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos”, diz a denúncia.

Pedido de impeachment de Moraes lista abusos de poder

A última parte do pedido de impeachment acusa Moraes de crimes comuns, de abuso de autoridade, na condução de inquéritos. São apontados os seguintes delitos:

  • empregar provas manifestamente ilícitas;
  • requisitar investigação sem indício da prática de crime;
  • estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado;
  • negar ao investigado ou advogado o acesso aos autos da investigação;
  • determinar prisão sem amparo legal;
  • dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente;
  • exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal.

“O Ministro Alexandre de Moraes no alto do seu pedestal, ao impor medidas que estendam injustificadamente as investigações de inquéritos sem objeto determinado e sem prazo para sua conclusão, nega ao investigado e/ou ao advogado o acesso aos autos da investigação; determina prisões sem amparo legal; cala a voz, num ato claro de censura, de inúmeros brasileiros e de meios de comunicação; bloqueia contas bancárias de empresários, políticos e empresas; desmonetiza canais via rede mundial de computadores e viola o nosso ordenamento jurídico, o princípio do contraditório, da ampla defesa e do sistema acusatório, entre outras ações temerárias”, diz o documento.

Ainda acusa o ministro, de prejudicar a campanha de Bolsonaro à reeleição e perseguir seus apoiadores, “inclusive acarretando um esgarçamento do tecido político, o qual quase provocou uma ruptura da harmonia entre os Poderes Judiciário e Executivo”.

Parlamentares defendem abertura do processo de impeachment de Moraes

Nesta segunda, após entregarem o pedido a Pacheco, parlamentares de oposição disseram que o pedido tem todos os requisitos para a abertura do processo. Próximo de Moraes, o presidente do Senado sempre rejeitou denúncias contra ele e não dá sinais de que agora iria mudar essa postura.

“Os elementos técnicos e jurídicos dos últimos anos são provas mais que suficientes para apresentação desse pedido de impeachment, assinado e apoiado por mais de 150 deputados, 1 milhão de brasileiros e 32 senadores”, disse, em entrevista à imprensa, a deputada federal Caroline de Toni (PL-SC), uma das autoras do pedido.

“O pedido que está sendo protocolado tem todas os requisitos para ser admitido, processado e julgado procedente. Estamos tratando sobre liberdade, separação de poderes e sobre abuso de poder, que tem que ser parado imediatamente”, afirmou o desembargador aposentado Sebastião Coelho, outro autor do documento.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que até alguns meses atrás era contrário ao impeachment de Moraes, mudou de posição e defendeu a abertura do processo. “Não dá para alguém em sã consciência, em especial aqui dentro do Senado, achar que está tudo normal, que nada aconteceu, em especial depois das denúncias trazidas pela Folha de S.Paulo. É importante diferenciar esse pedido de impeachment de tantos outros que já aconteceram, também bem fundamentados”, afirmou, lembrando que o atual pedido aponta apenas atos e condutas individuais de Moraes, não decisões colegiadas do STF.

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