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Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados| Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados

O recente acordo firmado entre os Três Poderes para encontrar uma solução para o impasse criado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) - que suspendeu e determinou maior transparência das emendas parlamentares - pode dificultar a vida de Arthur Lira, do Progressistas, para emplacar um sucessor na presidência da Câmara dos Deputados.

Isso porque o presidente da Casa enfrentará uma perda significativa de poder de influência a partir do acordo firmado entre os poderes para aumentar a transparência das emendas parlamentares, especialmente as emendas de comissão.

Antes desse acordo, Lira mantinha um controle estratégico sobre a distribuição dessas emendas, que são uma forma de direcionar recursos públicos para estados e municípios, fortalecendo sua base de apoio entre os deputados.

No entanto, com o aumento da transparência, as emendas de comissão – que tradicionalmente têm menos visibilidade e controle público – passam a ser monitoradas mais de perto, reduzindo a capacidade de Lira de utilizá-las como moeda de troca política. O acordo deve gerar ainda uma burocracia para a emissão de emendas que pode na prática diminuir o fluxo de dinheiro que os deputados mandam para seus redutos eleitorais.

Esse novo cenário gera insatisfação entre deputados que, até então, contavam com a discricionariedade das emendas para atender às suas bases eleitorais. Pelo acordo, o Executivo também tenta forçar para que as emendas sejam destinadas a projetos do governo na área de infraestrutura.

A redução do controle sobre a destinação desses recursos públicos enfraquece a posição de Lira, que dependia desse mecanismo para assegurar apoio político dentro da Câmara.

Agora, Lira terá que redobrar seus esforços para manter sua base de aliados coesa e garantir que um sucessor de sua confiança seja eleito para a presidência da Câmara em fevereiro do próximo ano.

Principalmente sem a alavanca das emendas de comissão para influenciar votos e fidelidade, ele precisará encontrar outras formas de manter sua influência, o que pode incluir negociações políticas mais intensas e concessões adicionais a grupos internos da Casa. Esse cenário coloca em risco não só a sua capacidade de controlar a agenda legislativa, mas também a viabilidade de manter seu grupo político no comando da Câmara.

Emendas de comissão são principais afetadas por "acordão", com redução de poder de barganha

De acordo com uma fonte ligada ao Orçamento na Câmara dos Deputados, ouvida pela Gazeta do Povo em caráter reservado, a maior dificuldade em relação às emendas está naquelas destinadas às comissões temáticas, que, embora não sejam impositivas (de pagamento obrigatório), costumam ser definidas pelos presidentes dos colegiados para diferentes áreas, sendo assim mais suscetíveis a interferências e poder político.

Segundo essa fonte, o acordo prévio entre os poderes para as emendas de comissão deixaria as aplicações mais definidas previamente e teria menos discricionariedade para os presidentes da Câmara e do Senado, o que pode implicar em redução de poder para distribuir esse dinheiro entre os parlamentares.

Emendas de comissão foram turbinadas após fim do orçamento secreto

De uns tempos para cá, especialmente depois que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucionais as antigas emendas de relator, conhecidas como RP9, as de comissão, chamadas de RP8, foram "turbinadas", segundo disse à Gazeta do Povo uma fonte ligada ao Orçamento.

Em 2022, o valor autorizado para essas emendas foi de R$ 329,4 milhões. Em 2023, chegou a R$ 6,9 bilhões. Já em 2024, de acordo com dados do Siga Brasil, sistema de informações sobre orçamento público federal, o Orçamento previa originalmente um total de R$ 16,6 bilhões para as emendas de comissão, mas o presidente Lula vetou, no final do ano passado, R$ 5,6 bilhões, gerando mais um conflito entre Planalto e Congresso, que derrubou o veto posteriormente.

Com a recomposição de parte desses valores, o total destinado às emendas das comissões permanentes para este ano ficou em R$ 15,2 bilhões, próximo ao inicialmente definido pelos parlamentares.

Até o início de julho, de acordo com os dados oficiais, e antes da determinação do Supremo Tribunal Federal para suspensão das emendas, já havia sido liberado aos parlamentares um total de R$ 8,19 bilhões em emendas de comissão. Esse valor, segundo alguns parlamentares, é basicamente controlado pelo presidente da Câmara, a partir da influência de Lira sobre os presidentes desses colegiados.

Hoje, muitos deputados reclamam que não são consultados sobre os montantes destinados a seus estados, por exemplo, e que não têm oportunidade de opinar sobre essas emendas se não forem "amigos" dos presidentes dos colegiados ou até mesmo dos presidentes da Câmara e do Senado, que exercem influência sobre quem está no comando das comissões.

Atualmente, a comissão define um objeto ou projeto para elaborar a emenda e, no momento da execução, pode indicar para quem vai o dinheiro. E essas emendas não têm um "dono" específico, o que, no entendimento do Supremo Tribunal Federal, vão contra as regras de transparência no uso de verbas públicas.

Segundo o que ficou previamente definido na reunião entre os presidentes do STF, Luís Roberto Barroso; da Câmara, Arthur Lira; e do Senado, Rodrigo Pacheco, as novas regras para emendas de comissão deverão ser definidas em comum acordo entre Executivo e Legislativo, dando prioridade a "projetos de interesse nacional ou regional".

Lira poderá ter que fazer concessões para fazer sucessor, avalia analista

Com toda a polêmica em torno do acordo firmado entre os poderes para garantir maior transparência e rastreabilidade às emendas parlamentares, Arthur Lira poderá se ver obrigado a fazer concessões para manter o apoio político na Casa. Dessa forma poderá fazer um sucessor, que também deverá lutar para manter a autonomia do Congresso sobre o dinheiro do orçamento da União, avalia o cientista político Adriano Cerqueira.

Na opinião do professor do IBMEC de Belo Horizonte, o controle sobre as emendas, que era muito favorável a Lira, foi superado, e agora há uma forte pressão, principalmente por parte da oposição, para que Lira avance em medidas que limitem os poderes dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Esse processo foi deflagrado, pelo menos em parte, com o envio de propostas de emenda à Constituição que tratam desse tema à Comissão de Constituição e Justiça.

Na semana passada, o presidente da Câmara desengavetou duas propostas de emenda à Constituição para acabar com decisões monocráticas do STF (elaboradas por apenas um ministro do colegiado) e dar poder ao Congresso para suspender decisões do Supremo. Elas devem ser analisadas na próxima semana na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

"Se de fato isso vai à frente, vai depender da condução dele [Arthur Lira]. Isso pode ser para ele uma moeda de troca, no sentido de tentar gerir as frustrações com essa relativa perda de controle sobre o orçamento. Por outro lado, ele vai tentar defender a ideia de que conseguiu garantir a liberação desses recursos mediante algumas medidas visando maior transparência", pontua o analista.

No entendimento de Cerqueira, Lira pode tentar manter apoio e influência sobre os parlamentares, especialmente os do centrão, alegando ter atuado em favor dos interesses dos parlamentares ao aceitar negociar as emendas com os três Poderes.

"Acredito que o interesse dele [Lira] seja ainda ser influente para decidir a nova presidência da Câmara, então, para tal, ou ele vai buscar apoio no governo, que me parece um cálculo ainda ruim, ou vai tentar fortalecer ainda mais a sua liderança sobre a base do Congresso que não seja governista", diz o cientista político.

"Nesse sentido, a moeda de troca que ele tem para eles é o andamento da PEC sobre as decisões monocráticas dos ministros do Supremo Tribunal Federal", completa Adriano Cerqueira.

Sucessor terá que se comprometer com autonomia do Congresso sobre emendas

Enquanto o Congresso tenta definir qual será a solução para manter, pelo menos em parte, o controle sobre o dinheiro do orçamento e a melhor forma de garantir a transparência tanto das emendas, os postulantes à sucessão de Arthur Lira já precisam começar a pensar na melhor forma de garantir a autonomia do Congresso sobre as verbas do orçamento.

Hoje o Congresso controla cerca de um quarto das despesas não obrigatórias da União (cerca de R$ 49 bilhões) por meio de emendas. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está agindo para tentar diminuir esse percentual.

Essa disputa sobre o Orçamento, certamente, será um dos principais temas na campanha para a sucessão de Lira, cuja eleição será em fevereiro de 2025. Mas a campanha já está ganhando força pelos corredores da Câmara e tende a ficar mais acirrada a partir dos próximos dias, em função do anúncio do próprio Arthur Lira de que deverá dizer ainda este mês o nome que vai apoiar para comandar a Casa.

Na opinião do deputado José Nelto (PP-GO), é importante ter na presidência um parlamentar que preze pela independência da Câmara Federal. "A Câmara, o Congresso Nacional, não podem ser um apêndice do poder Executivo, nem cumprir ordens e não fazer as reformas do Judiciário", afirma.

Elmar Nascimento, líder do maior bloco parlamentar de centro na Casa, amigo pessoal de Lira; o presidente do Republicanos, e atual vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira; e o líder do PSD, Antônio Brito, são os três principais candidatos hoje à sucessão.

Nos bastidores, circula a informação de que Lira gostaria que apenas um desses três se lançasse à sucessão e de que vai apoiar quem tiver mais chances.

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