Uma anistia bilionária que agradaria ao agronegócio virou uma preocupação no horizonte do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Ainda candidato, o capitão buscou apoio do poderoso setor e sinalizou apoio a um perdão de dívidas de produtores rurais e agroindústrias com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), que é a contribuição previdenciária feita pelo agronegócio. A Receita Federal estima que essa renúncia fiscal pode atingir o montante de R$ 15,8 bilhões.
Com a penúria das contas públicas, a anistia a essa dívida pode complicar o presidente, tanto que áreas técnicas do Planalto recomendam que o governo não apoie a tramitação de um projeto de lei que perdoa essas dívidas. O temor é que isso possa configurar crime de responsabilidade, que eventualmente levaria a um pedido de impeachment.
A confusão com o Funrural começou em 2010. Naquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu uma liminar a um frigorífico e abriu um precedente de não recolhimento dessa contribuição. Mas, em 2017, o tribunal mudou seu entendimento sobre a questão e concluiu que a cobrança era constitucional. Isso transformou os produtores - que, amparados em liminares, deixaram de recolher o Funrural - em devedores. O governo de Michel Temer (MDB) criou um programa de regularização tributária, que oferece condições especiais de renegociação dessas dívidas. Mas ele teve pouca adesão, pois muitos devedores preferiram esperar por uma anistia geral. E a bancada ruralista apresentou um projeto de lei que, na prática, perdoa todas essas dívidas.
Ainda candidato, Bolsonaro demonstrou seu apoio ao PL 9.252/2017, do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS). “Não entendemos porque o Supremo tomou aquela decisão (...), mas o Funrural estava fora do radar do homem do campo. E com a decisão do Supremo, a Câmara, no meu entender, faltou uma articulação com uma bancada ruralista que, para alguns deixa a desejar e eu concordo em parte com eles, e nós devemos agora rever essa lei. Como? Não pagando o retroativo num primeiro momento”, declarou em 1.º de maio de 2018 ao programa Sucesso no Campo.
Na ocasião, Bolsonaro estava ao lado de Luiz Antônio Nabhan Garcia, que atualmente é secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura e um dos principais conselheiros do presidente. Ainda pré-candidato na época, Bolsonaro foi questionado sobre o apoio ao PL 9.252. “Eu não sou um homem de ponta nesse setor, eu sou um homem do Exército, mas nessas questões nós temos trabalhado com o Jerônimo [Goergen, autor do projeto] que quer realmente revogar isso aí. Não é fácil você botar algo em votação em Brasília. Requer primeiro um requerimento de urgência urgentíssima e tem que ter 257 votando sim e depois metade mais um votando favorável. Agora, se o governo federal tivesse interesse ele teria como pedir a urgência constitucional e acionar todas as bancadas para que votasse favorável”, declarou.
Nabhan Garcia, em dezembro de 2018, declarou ao jornal Valor Econômico que havia conversado com Bolsonaro sobre o tema e que o presidente garantiu que “faria tudo para resolver o problema do Funrural”, explicando que o objetivo não é o de acabar com o fundo, mas isentar a cobrança do retroativo, “que é impagável”. Após a posse, o próprio secretário amenizou o discurso, como registra o Valor, em matéria de 28 de março deste ano. “O presidente não vai se precipitar para agradar o setor e incorrer numa situação que pode até implicar pedido de impeachment”, afirmou ao jornal. Ele ainda declarou que “uma coisa é a campanha”, mas que no comando do Planalto, Bolsonaro precisa ouvir órgãos como a Advocacia-Geral da União (AGU), Receita Federal e o Ministério da Economia. Essas áreas técnicas condenam o perdão dessa dívida e a cobrança do passivo do Funrural agora é vista por outro prisma no governo, que considera a anistia ilegal.
Projeto de lei parado na Câmara
O PL 9.252/17 está parado na Câmara dos Deputados. A proposta começou a tramitar em dezembro de 2017 e passou por diversas comissões. A justificativa de Goergen fala de insegurança jurídica e ainda pondera que o plano de regularização das dívidas “coloca em risco milhões de empregos e pode levar a uma quebradeira generalizada entre os pequenos e médios produtores rurais empregadores e adquirentes”.
Um ano depois do início da tramitação, em dezembro de 2018, o plenário da Casa aprovou um requerimento de urgência para a votação do projeto, mas ele acabou apensado a um outro projeto, de 2011 e não foi sequer colocado na ordem do dia. Na época, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Casa, explicou que a urgência do texto foi aprovada de maneira simbólica e que não colocaria o assunto em pauta.
“Isso não vai ser votado. O que o setor espera é que o governo possa prorrogar mais um pouquinho o prazo para adesão já que o STF tinha uma interpretação em relação a essas dívidas, inverteu durante o ano passado e precisa arranjar uma solução porque impactou o caixa dos produtores rurais. A gente aprovou a urgência apenas como simbolismo para que os produtores possam negociar com o governo esse prazo para adesão", explicou Rodrigo Maia na ocasião, em registro da Agência Câmara Notícias.
O projeto foi arquivado pela Mesa Diretora da Câmara em janeiro de 2019. No mês seguinte, foi desarquivado após um pedido do próprio Goergen, mas não avançou desde então.
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