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Placas solares no terraço de um prédio.
Painéis solares instalados na cobertura do prédio do antigo Ministério de Minas e Energia, em 2016.| Foto: José Cruz/Agência Brasil

O incentivo à chamada Geração Distribuída (GD) – que permite aos consumidores produzirem energia solar em suas residências, por exemplo – se tornou motivo de debate desde que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu rever as regras para a modalidade.

O tema acabou se transformando no centro de uma guerra de versões. De um lado, estão os que dizem que o subsídio acaba penalizando os demais consumidores – e que, por isso, precisa ser revisto. De outro, estão aqueles que defendem que, por envolver energias limpas, a GD precisa continuar a ser incentivada, nos moldes do que acontece atualmente.

Quer entender quem é quem nesse debate? Veja a lista preparada pela Gazeta do Povo:

Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)

A autarquia, responsável por regular o setor elétrico, foi quem estabeleceu a permissão e o incentivo à GD. Em 2012, a Aneel publicou uma resolução criando o sistema de créditos de energia (chamado de net metering no jargão do setor).

O mecanismo permite que os consumidores de GD injetem energia no sistema da distribuidora e, depois, descontem o montante do que usaram da rede. Assim, em um dia muito ensolarado, por exemplo, o consumidor pode ceder parte da energia produzida em seus painéis solares para a rede. Depois, pode usar a mesma quantidade em energia da distribuidora, sem pagar nada por isso.

A tarifa da conta de luz, porém, não é composta somente pelo custo da energia – e inclui, também, os custos da transmissão e da distribuição, além de perdas e encargos. No modelo atual, portanto, o crédito compensa toda a tarifa, mesmo que o consumidor utilize a rede da distribuidora para trocar energia com o sistema.

Revisão já estava prevista pela Aneel

Inicialmente, o benefício valia, apenas, para consumidores de GD local – como os que possuem painéis solares em residências. Depois, em 2015, a resolução foi revista e passou a incluir, também, a modalidade remota, em que a geração ocorre em local distinto do consumo.

Em 2015, a Agência já previa que as regras seriam revistas em 2019. A proposta da Aneel, agora, é passar a cobrar dos consumidores de GD os valores referentes ao uso do sistema de distribuição e também os encargos que, hoje, representam 60% da tarifa e acabam divididos pelos demais consumidores. Assim, no lugar de 100%, o crédito passaria a ser de 40%.

A cobrança seria implementada de forma escalonada, começando em 2020 para os novos clientes de GD, e em 2031 para os já inseridos na modalidade.

De acordo com a Agência, essa mudança trará mais equilíbrio ao setor elétrico, permitindo que "a modalidade se desenvolva ainda mais e de forma sustentável, sem impactar a tarifa de energia dos consumidores que não possuem o sistema".

O pressuposto é de que, após esses anos de subsídio, o setor já atingiu maturidade suficiente para que a inserção dos custos não provoque um retrocesso. Assim, de acordo com a Aneel, a alteração seria uma forma de promover justiça tarifária.

Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee)

A Associação que representa as distribuidoras está alinhada à proposta da Aneel. Em nota enviada à reportagem, a Abradee argumenta que o subsídio representa gasto de cerca de R$ 650 milhões por ano e que, se nada for alterado, chegará a R$ 2,5 bilhões anuais. A Associação salienta que este é o mesmo valor do desconto dado na tarifa social a consumidores de baixa renda.

"As distribuidoras de energia elétrica são a favor do incremento das fontes renováveis na matriz energética brasileira. (...) Entretanto, da forma como está regulamentada hoje, a GD cria condições artificiais de mercado que podem acabar onerando as tarifas dos demais consumidores", completa a nota.

Outro argumento da Abradee é de que não há obrigação do consumidor de GD em se conectar à rede. "Basta tornar-se auto suficiente e pedir a desconexão da rede, sem custo algum".

Os sistemas de energia solar que têm baterias para armazenamento – e que permitiriam a desconexão da rede –, porém, têm custo muito alto em relação aos que fazem trocas com as distribuidoras. Hoje, esse tipo de sistema é considerado inviável para o consumidor médio.

Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar)

A representante das empresas de energia solar, por outro lado, afirma que a proposta da Aneel pode inviabilizar algumas modalidades de GD.

"O tempo de recuperação do investimento varia muito, mas na modalidade remota é mais longo. Nesse primeiro caso, o retorno financeiro poderia vir só em 25 anos – período que é maior do que a própria vida útil do equipamento. A alteração acabaria com essa modalidade", afirma Guilherme Susteras, coordenador do grupo técnico da Absolar.

De acordo com a Associação, os cálculos da Aneel estão superestimados por desconsiderar benefícios da energia solar, como a redução no uso de termoelétricas e a postergação dos investimentos no setor.

Por isso, ao invés de 60%, segundo a Absolar o correto seria passar a cobrar dos consumidores de GD o equivalente a 15% da tarifa. "Esse valor seria introduzido de forma paulatina, para não haver um choque. Se a implementação for imediata, o mercado vai se retrair e vamos ter de seis meses a um ano sem nenhuma unidade nova", completa Susteras.

Jair Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro também entrou no assunto, afirmando, em um post nas redes sociais, que era contra a "taxação do Sol". "No que depender de nós, não haverá taxação da energia solar, e ponto final. Não me interessam pareceres", disse, apesar de afirmar que a decisão é de competência da Aneel.

Nos dias seguintes, Bolsonaro chegou a dizer que demitiria quem tocasse no assunto dentro do governo. Depois, fez uma reunião com um dos diretores da Agência, Rodrigo Limp, e afirmou que a autarquia havia desistido de fazer a alteração.

A decisão, porém, deve ser tomada no próximo dia 21, em reunião da diretoria da Aneel.

Ministério da Economia

Apesar do posicionamento de Bolsonaro, um relatório produzido pelo Ministério da Economia aponta que a pasta comandada por Paulo Guedes é a favor do fim do subsídio.

De acordo com o documento, o aumento na potência instalada de painéis solares em 2019 aponta que "os subsídios cruzados identificados já alcançaram padrões bem mais altos, o que demandaria uma revisão da norma pelo viés econômico".

O ministério cobra, ainda, que sejam realizados cálculos que demonstrem quais são, de fato, os benefícios da modalidade. Segundo o relatório, "os consumidores optam por gerar a própria energia buscando redução nos valores da conta de luz", muitas vezes bancados por outros usuários ou pelo governo.

O que dizem especialistas

O assunto também divide especialistas do setor elétrico. A Gazeta do Povo conversou com três deles para colher opiniões. Confira os posicionamentos:

Roberto D'Araujo - diretor do Instituto do Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina)

"Não podemos tratar a questão da energia solar somente olhando para o fio da distribuidora. Quando um consumidor gera energia fotovoltaica para o sistema, é como se estivesse reduzindo o seu próprio consumo. Em um sistema que está toda hora acionando bandeiras tarifárias, qualquer redução de consumo ajuda.

Na minha opinião, fazer essa alteração agora é criar um problema, cortar uma planta pela raiz e ir na contramão do planeta. Há vários subsídios no setor elétrico. O que precisamos saber é exatamente qual cortar. Acho que a Aneel deveria estar preocupada com os subsídios no mercado livre de energia".

Joisa Dutra – diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas. Foi diretora da Aneel entre 2005 e 2009

"Existem evidências de outros lugares do mundo que apontam as consequências desse tipo de política. É um efeito perverso, porque acaba onerando relativamente mais, e de modo crescente, as pessoas de renda mais baixa.

Desde 2016 existe um esforço da Aneel e do então Ministério de Minas e Energia para fazer uma reforma do setor, e diminuir o volume de subsídios que distorcem a tarifa. Quando o governo contesta esse processo, acaba se contraponto ao esforço de aumento da competitividade. Se o presidente e o Congresso acham que o incentivo é meritório, por que não usam recursos do Tesouro para isso? Não dá simplesmente para embarcar no argumento do benefício ambiental para justificar custos que transcendem o âmbito particular".

Luciano Losekann – professor de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em energia

"Existe um problema. O mecanismo utilizado para promover a GD não é sustentável no longo prazo. É algo que precisa ser rediscutido, mas sem essas paixões. Por um lado, existe um subsídio mas, por outro, o estímulo se justifica pela característica desse tipo de energia. Minha posição é de que a rediscussão é legítima, mas com a premissa e o reconhecimento de que a energia solar merece incentivo.

Porém, é preciso reconhecer que a solução do net metering provoca um impacto para os demais consumidores e para as distribuidoras. É preciso buscar uma alternativa que estimule a energia solar sem penalizar a rede. Retirar o incentivo sem colocar outro no lugar não é razoável. A promoção das energias renováveis deveria ser incentivada não pelo regulador, mas sim como política de estado".

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