A perspectiva de que o ministro Alexandre de Moraes venha a assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2027 traz novo elemento de tensão ao cenário político, além de engajar ainda mais a defesa do pedido de impeachment contra ele, que será protocolado no Senado nesta segunda-feira (9) por parlamentares de direita com apoio de cidadãos. A possível ascensão de Moraes ao topo do Judiciário, prevista para ocorrer em pouco mais de dois anos, se deve à tradição do plenário do STF eleger, por voto secreto, o ministro mais antigo que ainda não foi seu presidente.
Com o término do mandato de dois anos de Luís Roberto Barroso, o próximo na linha sucessória será o seu vice Edson Fachin, que comandará o STF em 2025 até janeiro de 2027. A regra informal aponta Moraes para sucedê-lo na sequência.
À frente de um inquérito instaurado de ofício há mais de cinco anos e de outros processos controversos, Moraes tomou uma série de decisões que, segundo juristas e parlamentares de oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), são inconstitucionais e agridem direitos fundamentais.
Por essa razão, a possibilidade de sua eleição para presidir o STF alimenta especulações sobre uma intensificação desse cenário de desarranjos institucionais. A sua posse coincidiria com o início dos novos mandatos no Executivo e no Congresso, o que amplia a relevância da discussão de seu impeachment.
“Moraes presidindo a Corte é algo que sequer conseguimos imaginar. Antes disso, temos esperança de que o Senado cumpra sua missão constitucional de afastá-lo ainda em 2024”, afirmou o senador Eduardo Girão (Novo-CE), líder da campanha nacional pelo impeachment de Moraes.
Girão, juntamente com um grupo de parlamentares e representantes da sociedade civil, pretende entregar pessoalmente ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), nesta segunda-feira (9), o pedido de impeachment, que conta com o apoio de mais de 1,5 milhão de assinaturas de cidadãos.
Chamado de ditador pela oposição, Moraes tem apoio explícito do governo
O ato convocado no sábado (7), na Avenida Paulista, em São Paulo, por defensores do impeachment de Moraes reuniu uma multidão que lotou ao menos oito quarteirões da Avenida Paulista.
Os discursos da manifestação criticaram duramente o ministro do STF, a quem Bolsonaro chamou de “ditador”, acusando-o de agir com parcialidade nas eleições de 2022. Outro destaque da manifestação foram os pedidos de anistia para os presos do 8 de Janeiro.
Mais cedo, os efusivos cumprimentos entre Lula e Moraes durante a cerimônia de celebração do 7 de setembro na Esplanada dos Ministérios foram vistos pela oposição como gesto de desagravo ao magistrado e de de sua parceria com o governo.
Em relação à derrubada ao X (antigo Twitter), em retaliação ao dono da rede social, Elon Musk, Lula saiu em defesa de Moraes e criticou o empresário em pronunciamento na última sexta-feira. "Nenhum país é de fato independente quando tolera ameaças à sua soberania. Seremos sempre intolerantes com qualquer pessoa, tenha a fortuna que tiver, que desafie a legislação brasileira. Nossa soberania não está à venda", disse o petista em pronunciamento transmitido nas cadeias de rádio e televisão ao falar sobre o Dia da Independência.
Em resposta à Gazeta do Povo, o ministro Alexandre de Moraes afirmou por meio de sua assessoria que não comentaria movimentações a favor de seu impeachment nem as alegações de manifestantes na Avenida Paulista de que sua atuação para bloquear perfis em redes sociais e derrubar plataformas seriam agressões à liberdade de expressão.
Resultado da eleição de 2026 e Moraes ao topo do Judiciário podem escalar tensões
Luiz Filipe Freitas, cientista político e assessor na Malta Advogados, avalia que o cenário nacional após uma possível ascensão de Moraes à presidência do STF dependerá basicamente do resultado das eleições presidenciais de 2026, seguido da composição das maiorias nas duas casas do Congresso, sobretudo do Senado.
“A oposição conservadora tem plena consciência da importância de conquistar a maioria das 54 cadeiras de senadores em disputa na próxima eleição. Não por acaso, Bolsonaro deverá acionar os três filhos mais velhos, além da esposa, para essa tarefa, numa estratégia que visa, inclusive, a chance de promover impeachments de ministros”, destacou.
Segundo o analista, esse quadro será decisivo para definir as relações entre os poderes a partir de 2027. Caso o grupo de Lula saia vitorioso, a tendência é de a relação entre Executivo e Judiciário seguir cooperativa. “Por outro lado, uma vitória da direita pode resultar em confrontos intensos, ainda mais se o Senado ganhar perfil conservador, frente a um STF majoritariamente composto por indicados do PT”, acrescentou.
Especulação sobre poderes ampliados de Moraes despertam temores de mais abusos
O consultor eleitoral e cientista político Paulo Kramer observa que a ascensão de Moraes ao comando do Judiciário em 2027 torna a arena política ainda mais parecida com um complexo jogo de xadrez, onde cada jogador precisa planejar movimentos com antecedência. Ele destaca que, além da estratégia meticulosa, há momentos que se assemelham a um jogo de cartas, envolvendo apostas arriscadas e até blefes.
A preocupação de ambos os lados da polarização política do país com o cenário de 2027 é facilmente justificada na visão de Kramer. “A principal razão é que, mesmo sem estar à frente do STF, Moraes já exerce influência significativa ao proferir decisões de grande impacto. Assim, é natural se especular que, uma vez no comando da Corte, sua atuação pode ser mais decisiva e transformadora, gerando apreensões. Com histórico de decisões enérgicas, teme-se como Moraes lidaria com o poder ampliado”, sublinhou.
Moraes já proferiu mais de 6 mil decisões apenas nos inquéritos do 8 de janeiro
Moraes, que completou sete anos como ministro do STF em 22 de março de 2023, construiu uma trajetória na Corte marcada pelo seu papel como relator do inquérito das fake news e das investigações de atos chamados de antidemocráticos. Em janeiro último, o seu gabinete divulgou que ele já havia proferido mais de seis mil decisões relacionadas apenas ao 8 de Janeiro, autorizando, entre outras medidas, buscas e apreensões e quebras de sigilo bancário.
Mais de 100 pessoas foram condenadas pelo plenário do STF nesse caso e outras 40 fecharam acordos com o Ministério Público admitindo os crimes. Tais iniciativas seguem dentro da chamada Operação Lesa-Pátria e outros inquéritos.
Outro destaque de Moraes como juiz da Suprema Corte foi o seu mandato como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no qual coordenou as eleições presidenciais de 2022 mediante várias decisões controversas. O ministro é o atual presidente da Primeira Turma do STF, tendo sido eleito em setembro de 2023. Ele substituiu o posto deixado por Luís Roberto Barroso, que assumiu a Presidência do STF no dia 28 daquele mês.
Alexandre de Moraes foi indicado à mais alta Corte do país pelo então presidente da República Michel Temer (MDB) em fevereiro de 2017, para a vaga aberta pelo falecimento do ministro Teori Zavascki. Especializado em Direito Constitucional, Moraes exerceu os cargos de promotor de Justiça, secretário estadual da Segurança Pública de São Paulo no governo de Geraldo Alckmin e ministro da Justiça na gestão Temer. Indicado pela Câmara para a vaga de jurista, integrou a primeira composição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2005 a 2007.
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