O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ensaia mais uma tentativa de aproximação com o agro, enquanto as invasões de terra e ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) geram mais empecilhos nesta relação. Falas do petista durante a campanha, como quando se referiu a integrantes do setor como “fascistas”, ainda reverberam e a falta de ações consistentes relacionadas ao agro faz com que a barreira cresça.
Em alusão ao Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, o MST realizou atos em 23 estados e no Distrito Federal. Na ocasião foram invadidas quatro sedes de superintendências estaduais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), uma fazenda em Minas Gerais e uma área da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), em Juazeiro, na Bahia.
Lula e seus ministros não comentaram as ações do MST neste mês de março. Para marcar oposição, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Congresso lançou uma campanha contra invasões em propriedades públicas e privadas.
A possibilidade de mais invasões é considerada devido à insatisfação do movimento com o andamento da reforma agrária no governo Lula e à proximidade do "Abril Vermelho", quando os militantes do MST realizam vários atos pelo país para reforçar as reivindicações do grupo.
Além dos atritos desencadeados pelo apoio do governo ao MST, a bancada do agro, liderada pelo deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), também diz que não tem encontrado suporte do governo Lula para combater os efeitos da crise que o setor deve enfrentar neste ano, com previsão de quebra de safra e perspectivas de preços baixos para comercialização da produção. Sem maior atenção do governo, o agro deve encontrar dificuldades para estruturar a próxima safra.
Em meio às tensões, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, tem articulado encontros com produtores rurais e mencionado anúncios que ainda não feitos. Os encontros de Lula com fruticultores, marcado para a quinta-feira (21) deve abrir uma sequência de reuniões, seguidas de churrascos, para tentar amenizar a crise com o setor.
Tentativa de aproximação inclui visitas de Lula aos estados e anúncios para o agro
Lula deve participar de eventos ligados ao agronegócio como estratégia para se aproximar do setor. No dia 12 de março, o presidente foi à inauguração de um complexo industrial de produção de fertilizantes na Serra do Salitre, no Triângulo Mineiro, onde elogiou o agronegócio brasileiro. "O Brasil é país agrícola com potencial extraordinário quase imbatível hoje pelo alto grau em ciência, tecnologia e genética", afirmou.
No começo da semana passada, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, mencionou que o governo faria anúncios relacionados ao agro nos estados visitados por Lula, mas em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul isso não ocorreu.
Na sexta-feira (15), Lula esteve no Rio Grande do Sul, onde a expectativa era que fossem anunciados recursos para os agricultores que sofreram com as chuvas no ano passado. Contudo, o governo focou em anúncios de investimentos em educação e no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Para o agro, somente os créditos para retomada da produção foram mencionados na passagem de Lula pelo estado. De acordo com o governo, foram disponibilizados R$ 175,6 milhões para o médio produtor rural (Pronamp, via Caixa e BB) e R$ 138,7 milhões para a agricultura familiar (Pronaf, via Caixa e BB). Os valores, no entanto, fazem parte de anúncios feitos ainda em 2023, como parte das medidas emergenciais do governo federal.
O presidente deve viajar nos próximos dias a mais estados de vocação agropecuária, como Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins e Goiás.
A visita de Lula ao Rio Grande do Sul, no entanto, foi recebida com críticas pelo ex-presidente da CPI do MST, deputado Luciano Zucco (PL-RS). “O presidente Lula não tem consideração pela região Sul do Brasil. Se tivesse não teria demorado seis meses para visitar o Rio Grande do Sul, onde mais de 50 pessoas morreram no ano passado em virtude das fortes chuvas. Preferiu passear pelo mundo ao lado da primeira-dama. Agora ele vai para tirar foto e entregar meia dúzia de casas como se isso resolvesse o problema das cidades afetadas”, disse o parlamentar da oposição.
A demora no repasse de recursos para os municípios foi outro ponto de crítica ao governo que demonstra o tamanho do problema que Lula tem para se aproximar do agro. Sem recursos para subsidiar programas como o que garante o seguro rural, o distanciamento do setor fica ainda mais evidente.
Além das visitas nos estados, o ministro Fávaro vem tentando aproximar Lula do setor por meio de reuniões com empresários, para que possam apresentar suas demandas. Em fevereiro, o ministro chegou a anunciar que o presidente queria fazer "churrasquinhos" para se aproximar de empresários do agro.
“Ele [Lula] quer que marque lá na Granja do Torto [residência oficial da Presidência da República], para que, ao final da reunião de trabalho, possa ter um churrasquinho, ele se aproximar [dos empresários]”, disse Fávaro em entrevista após conversar com Lula.
Na última quinta-feira (14), o ministro mencionou que as reuniões seguidas de churrascos com Lula iniciarão nesta semana e alguns dos setores que podem estar presentes são o da fruticultura, da cafeicultura, do algodão e da pecuária. A agenda oficial do presidente, divulgada pela assessoria de imprensa do Palácio do Planalto, para a quinta-feira (21) indica que o primeiro encontro será com os fruticultores.
Cargos e afagos ao MST
Ao assumir a presidência da República, Lula distribuiu cargos a integrantes do MST em diversos ministérios e autarquias do governo federal. Lideranças de esquerda ligadas ao movimento também passaram a ocupar pastas que têm relação com as pautas do MST.
O comando da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ficou a cargo de Edegar Pretto, que é filho de um dos fundadores do MST, Adão Pretto. No Incra, a responsável pela Diretoria de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamentos, Maria Rosilene Bezerra Rodrigues, é militante do movimento. Além dela, a ex-dirigente do MST Kelli Mafort está no governo desde janeiro de 2023 e assumiu como número dois da Secretaria-Geral da Presidência no começo deste ano.
Além dos cargos, o governo de Lula tem dialogado com frequência com o MST. Os integrantes do movimento têm participado de reuniões em diversos ministérios e ganharam inclusive um “caderno de respostas” sobre todas as demandas apresentadas ao governo.
Apesar dos afagos, a reforma agrária em si, principal pauta de reivindicação do MST, tem caminhado a passos lentos, após sucessivas postergações e um anúncio tímido que tem gerado críticas.
Para além das ações do MST já realizadas em março, as críticas já chegaram aos microfones da Câmara dos Deputados. “É preciso que o governo Lula dê devida atenção à resolução da questão da reforma agrária, que é fundamental para as pessoas que estão debaixo da lona preta, a fim de desapropriar terras e liberar crédito”, disse o deputado Valmir Assunção (PT-BA) em pronunciamento na tribuna no começo do março.
Quebra da safra pode afastar ainda mais Lula do agro
Enquanto isso, a relação com o agro segue estremecida. Os sucessivos ataques de Lula e de integrantes do governo ao setor e os afagos no MST aumentam o distanciamento. Além disso, no Congresso, o imbróglio em torno do marco temporal para demarcação de terras indígenas, foi considerado um desrespeito de Lula com a bancada. A perspectiva de quebra de safra surge agora como um novo fator de afastamento.
O presidente da FPA, Pedro Lupion, destacou que serão necessárias várias medidas como a ampliação de prazos para pagamento de dívidas dos produtores, financiamento para custeio, redução de juros e securitização.
“Cabe ao governo agora nos demonstrar de onde sairão os recursos, para que a gente dê algum alento aos produtores. A grande verdade é que boa parte dos produtores do Brasil saem dessa safra endividados, sem condições de arcar com os seus compromissos”, pontuou.
Além dos prejuízos com a redução na produção, a queda de valores dos produtos agrícolas e pecuários deve gerar grandes volumes de recuperações judiciais a partir de abril. "A situação do endividamento do setor agro não pode ser resolvida no curto prazo. As instituições financeiras e fornecedores de insumos na mesma cadeia de valores não têm saúde financeira suficiente para conceder as condições necessárias de reperfilamento", afirma o economista especialista em reestruturação financeira de empresas, Luís Alberto de Paiva.
Agro estuda montar ofensiva legislativa contra MST para coibir Abril Vermelho
Os anúncios de invasões previstas para o chamado “Abril Vermelho” do MST também preocupam a bancada do agro. O deputado Valmir Assunção chegou a mencionar a possibilidade de mais invasões dos movimentos sociais a propriedades privadas.
“Do jeito que está, a minha preocupação é que os movimentos sociais voltem a fazer ocupações de terra. E fazendo as ocupações de terra, não vai caber nem a esta Casa, nem ao governo criticá-lo, porque já se passou mais de um ano na expectativa e na espera da reforma agrária, dos assentamentos, dos investimentos. E ainda não temos nada”, afirmou Assunção na tribuna da Câmara ao reclamar sobre a condução do governo Lula sobre a reforma agrária.
Para tentar coibir invasões de terras e ações diversas que o grupo promove todos os anos em abril, a bancada do agro deve contar com aliados recém-empossados presidentes de importantes comissões na Câmara dos Deputados.
A presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), deputada Caroline De Toni (PL-SC) já afirmou, em entrevista para a Gazeta do Povo, que deve priorizar pautas ligadas ao tema. "Embora o relatório [da CPI do MST] não tenha sido apreciado, as provas [sobre os atos do MST] agora são públicas e a CCJ, no que lhe compete, pode ser parte da resposta que as pessoas esperam por parte do Parlamento”, disse Caroline.
Em coletiva de imprensa na sede da FPA, Lupion destacou que a eleição de parlamentares alinhados ao setor na presidência de comissões estratégicas pode ajudar na aprovação do chamado “Pacote Invasão Zero”, de combate às invasões e ações do MST.
“Temos um pacote de anti-invasões com quatro projetos que precisam da CCJ, da Comissão de Segurança Pública e da Comissão de Agricultura. Vamos trabalhar rapidamente todas elas para que a gente consiga avançar”, pontuou.
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