Um levantamento mostrou que 65,1% dos brasileiros concordam, totalmente ou em parte, que o governo possa ignorar leis, o Congresso e outras instituições em um cenário de crise, como a ocasionada pela pandemia do novo coronavírus, se o objetivo for resolver os problemas e melhorar a vida da população. Os resultados indicam, ainda, que 76,8% das pessoas aceitariam relativizar a democracia em alguma medida caso o cenário de crise se agrave. Apesar disso, 79,7% acreditam totalmente ou em parte que a democracia é a melhor forma de governo para o Brasil.
É o que aponta a segunda etapa da pesquisa “Valores em Crise”, idealizada por pesquisadores da World Values Survey Association e aplicado no Brasil em meio à pandemia pelo Instituto Sivis em parceria com o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP). De acordo com Diego Moraes, pesquisador do Instituto Sivis, o objetivo do estudo, que terá ao final quatro fases, é mensurar como a crise sanitária provocada pela Covid-19 pode ter provocado mudanças na cultura política dos brasileiros.
A alta adesão a um processo de relativização da democracia e das leis em vigor é reflexo da desconfiança dos brasileiros em relação às instituições. O índice de confiança medido pela pesquisa até revela uma melhoria, embora os patamares de desconfiança sigam altos: na primeira fase do estudo, 65,9% responderam que confiam pouco ou não têm nenhuma confiança nas instituições, enquanto que na segunda fase esse índice foi de 62,1%. Já 37,9% têm muita ou alguma confiança.
A pesquisa mostra, também, que a gravidade da pandemia e os desafios originados por ela apontam para uma preocupação latente da população com a ocorrência de distúrbios políticos e sociais e o risco de uma nova crise econômica.
Perguntados sobre qual deveria ser a prioridade máxima do país nos próximos dez anos, 40,8% dos brasileiros responderam “manutenção da ordem”. Outros 29,6% assinalaram a opção "combater a inflação". O Instituto Sivis verificou aqui uma oscilação em relação à primeira fase do estudo, realizada em maio do ano passado, quando 47,1% falavam em "manter a ordem" e 22,9% tinham preocupação com a alta de preços.
Nesta fase, 44,5% dos respondentes disseram concordar totalmente que, “apesar de ter alguns problemas, a democracia é preferível a qualquer forma de governo”. Na primeira etapa, o índice foi de 45,4%. Do total dos respondentes, 5,6% discordaram totalmente, indicando não defender a democracia. Na primeira etapa, esse percentual ficou em 5%.
Houve, ainda, uma pequena variação nos extremos da avaliação sobre o governo no enfrentamento da pandemia: o percentual de indivíduos que avalia o governo muito bem passou de 6,4% para 7,8%, enquanto o de indivíduos que o avalia muito mal foi de 35,8% para 38%. “Um dado como esse parece reverberar a politização da pandemia e o aumento da polarização no Brasil, levando cidadãos a preferir posições mais extremadas em detrimento daquelas mais equilibradas. A proporção de indivíduos que avalia o governo negativamente, contudo, ainda é predominante”, afirmou Moraes.
Segundo o pesquisador, democracias que tiveram outro perfil em relação à Covid-19 se saíram melhores. “O regime democrático depende muito da entrega que é feita pelos governantes para sociedade. Nesse momento tão conturbado de crise políticas, vemos certa deterioração da democracia no Brasil. Como aqui a pandemia está demorando e não está sendo endereçada, surgiram crises econômicas e políticas. Temos observado internacionalmente que, países com democracias mais consolidadas estão sendo mais eficazes nas medidas de contenção da pandemia. Lá eles conseguiram criar um cinturão protetor da democracia”, explica o pesquisador do Sivis.
Credibilidade da mídia tradicional cresceu
Outro ponto levantado pela pesquisa foi que, apenas 5,4% dos respondentes disseram ter “muita confiança” nas instituições e outras 17,9% revelaram não sentir nenhuma. Na contramão houve um aumento na credibilidade por parte da mídia tradicional, que vinha perdendo confiança.
Enquanto na primeira fase da pesquisa 30,3% dos respondentes disseram que “as mídias tradicionais são mais confiáveis”, na segunda fase o número aumentou para 32,7%. A confiança nas mídias sociais, entretanto, apesar de ter reduzido um pouco, ainda continua alta. 18,7% das pessoas disseram, na primeira fase, acreditar que “as mídias sociais são mais confiáveis”. Na segunda, o número ficou em 18,4%.
A terceira e última fase da pesquisa deve ocorrer no segundo semestre de 2021. “Esperamos obter pelo menos mil respostas válidas na terceira onda, garantindo uma amostra substancial para extrair conclusões significativas”, diz Diego Moraes.
Na primeira etapa foram 3,5 mil pessoas entrevistadas. Na segunda fase foram 1.929 pessoas. “Pouco mais de 3,5 mil pessoas responderam à primeira pesquisa, em maio e junho de 2020, mas a taxa de retenção de indivíduos no painel entre uma onda e outra ficou em cerca de 55%, o que é bastante razoável dado o longo intervalo de cerca de sete meses entre a aplicação das duas ondas”, explicou o pesquisador.
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