O ataque a instalações petrolíferas da Arábia Saudita, no Oriente Médio, pode criar um problema político para o presidente Jair Bolsonaro (PSL). Os atentados atingiram em cheio a atividade no país árabe, interrompendo a produção de 5,7 milhões de barris do óleo, o que corresponde a 5% da produção global diária de petróleo. A preocupação com o abastecimento provocou forte alta no preço do barril, o que pressiona o preço dos combustíveis no mundo todo, inclusive no Brasil.
Apesar de produzir óleo no Brasil, a Petrobras precisa importar petróleo de outros países do mundo para misturar ao produto que segue para as refinarias. Com isso, se a alta persistir, a empresa deve se ver obrigada a reajustar os preços – o que fatalmente atingirá o valor pago pelo consumidor final e toda a cadeia produtiva.
Um possível aumento no preço dos combustíveis não desagradaria somente ao cidadão médio, mas atingiria, também, uma das categorias mais aguerridas no apoio ao presidente e com alta capacidade de pressão: a dos caminhoneiros. Por isso, Bolsonaro pode se ver em uma encruzilhada: interfere na Petrobras para conter o aumento dos preços (e agrada o eleitorado, mas contraria o mercado) ou mantém a independência da estatal (atendendo ao mercado mas contrariando o eleitorado)?
Categoria deve responder a aumento, diz liderança
Plínio Dias, caminhoneiro de São José dos Pinhais, no Paraná – que foi uma das lideranças da greve dos motoristas no ano passado –, afirma que um aumento no preço do diesel, combinado com outras insatisfações da categoria, pode resultar em paralisações. "Por enquanto, não há mobilização. Mas, se o preço começar a subir, vamos ter uma resposta dos caminhoneiros nas pistas", disse.
A principal insatisfação da categoria, que pode resultar em greve se combinada ao aumento no diesel, diz respeito à tabela de frete. Segundo os caminhoneiros, o preço mínimo não vem sendo respeitado pelas transportadoras. A atualização dos valores em 2019, além disso, continua em suspenso, depois do próprio governo revogar as novas normas publicadas, por causa da pressão dos caminhoneiros.
A questão também está em espera no Judiciário: em agosto, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o julgamento, pela Corte, de uma ação que questiona a criação do preço mínimo.
Na prática, tabela atrelada ao preço do diesel não vigora
A existência de um preço mínimo para o frete foi instituída em 2018, em medida provisória editada pelo então presidente Michel Temer (MDB). O texto, que foi posteriormente aprovado no Congresso Nacional, prevê que o preço do frete seja reajustado se houver aumento no valor do diesel em valor superior a 10%.
"A tabela em si já está defasada, então essa lei praticamente não tem efeito se o preço do combustível aumentar. Os caminhoneiros foram a favor do governo, mas não estamos sendo reconhecidos. Estamos decepcionados", afirma Dias.
Um possível aumento no preço do combustível também deve pressionar outros insumos para os caminhoneiros, como a manutenção dos veículos.
O que diz o governo
Em entrevista à TV Record na segunda-feira (16), o presidente Jair Bolsonaro disse que a "tendência natural" é de que a Petrobras siga o preço internacional, mas fez ressalvas. "Conversei agora há pouco com o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. Como é algo atípico, não deve mexer no preço dos combustíveis", garantiu.
Em nota publicada também na segunda-feira (16), a Petrobras informou que está monitorando o mercado internacional. "Reconhecendo que o mercado de preços de petróleo apresenta volatilidade e que a reação súbita dos preços ao evento ocorrido pode ser atenuada na medida em que maiores esclarecimentos sobre o impacto na produção mundial sejam conhecidos, a Petrobras decidiu por acompanhar a variação do mercado nos próximos dias e não fazer um ajuste de forma imediata", diz o texto.
A Agência Internacional de Energia também se manifestou a respeito do assunto, dizendo que, por enquanto, os mercados estão bem abastecidos por conta dos estoques de petróleo.
Bolsonaro já tentou interferir uma vez
Na opinião de André Suriane, economista da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), é difícil ter uma previsão a respeito de quando a situação será normalizada. "Em menos de seis meses é pouco provável", avalia.
Ainda de acordo com o economista, se a alta persistir, mais cedo ou mais tarde a Petrobras terá que repassar os custos ao consumidor. "Como é uma estatal e o mercado é monopolizado, é natural que o governo tente controlar os preços, mas é claro que isso afeta as contas. Em um cenário ideal, existiria concorrência para negociar com as refinarias. Com a natureza da Petrobras hoje em dia, uma administração 100% afastada de influências políticas é impossível", afirma.
Em abril, o presidente chegou a impedir a aplicação de um aumento de 5,7% no preço do óleo diesel por parte da estatal. Com a interferência, as ações da empresa sofreram forte queda no mercado financeiro. Dias depois, a estatal acabou reajustando os preços.
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