O inquérito da Polícia Federal que baseou a operação deflagrada na manhã desta quinta (8) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados no âmbito das investigações dos atos de 8 de janeiro alega que ele teria tido acesso à minuta de um decreto que supostamente levaria a um golpe de Estado no país após a eleição presidencial de 2022. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto foi detido durante a operação desta quinta-feira (8) depois que a PF encontrou uma arma supostamente irregular em um endereço ligado a ele.
De acordo com as informações do documento sigiloso e que a Gazeta do Povo teve acesso, assinado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o suposto decreto de intervenção previa a prisão de diversas autoridades, como do próprio magistrado e de Gilmar Mendes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O documento diz que haveria um núcleo de inteligência ligado a Bolsonaro que teria monitorado o deslocamento de autoridades, inclusive o próprio Alexandre de Moraes, que seria preso no dia 18 de dezembro de 2022 em sua residência em São Paulo.
Apesar de figurar como possível vítima da trama, o próprio Moraes conduz as investigações e assina a decisão.
Segundo decisão que embasou a operação da PF, houve ainda a “possível arregimentação de militares com formação em forças especiais para atuarem no cenário de interesse, ou seja, nas manifestações golpistas” e a manutenção de acampamentos de manifestantes em frente a quarteis brasileiros após o segundo turno da eleição presidencial de 2022.
O documento aponta que as supostas tratativas para desacreditar o sistema eleitoral e efetuar um golpe de Estado em caso de derrota de Bolsonaro começaram ainda em 2019 e se intensificaram a partir do início do segundo semestre de 2022 e após a proclamação do resultado do segundo turno da eleição presidencial.
A PF aponta que o grupo se dividia em núcleos com dois eixos de atuação, sendo o primeiro na "construção e propagação da versão de fraude nas eleições de 2022, por meio da disseminação falaciosa de vulnerabilidades do sistema eletrônico de votação".
Já o segundo eixo atuava na prática de "atos para subsidiar a abolição do Estado Democrático de Direito, através de um golpe de Estado, com apoio de militares com conhecimentos e táticas de forças especiais no ambiente politicamente sensível".
O movimento, no entanto, foi frustrado após por circunstâncias alheias à vontade dos agentes. "Identificou-se que diversos investigados passaram a sair do país, sob as mais variadas justificativas", diz o texto do documento do Supremo que embasou a operação.
Presidente do PL é detido por suposta posse ilegal de arma
Durante os desdobramentos da operação de hoje o presidente do PL, Valdemar Costa Neto foi detido para averiguação pela Polícia Federal. Isso porque uma arma alegadamente irregular foi encontrada em um endereço ligado a ele.
Valdemar e seus advogados estariam tratando com policiais federais sobre o assunto dentro de seu apartamento em Brasília.
Argumentos de Moraes seriam baseados em depoimento de Mauro Cid
A Polícia Federal aponta que a investigação que levou a essa operação foi baseada nas informações colhidas nos depoimentos do ex-ajudante de ordens do ex-presidente, Mauro Cid, dentro do acordo de delação premiada. Entre esses diálogos, há mensagens com militares de alta patente, como o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, que comandava o Comando de Operações Especiais e que seria o responsável pela tropa que prenderia os membros dos poderes Legislativo e Judiciário.
“Os elementos informativos colhidos revelaram que Jair Bolsonaro recebeu uma minuta de decreto apresentado por Filipe Martins e Amauri Feres Saad para executar um Golpe de Estado, detalhando supostas interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo e ao final decretava a prisão de diversas autoridades, entre as quais os ministros do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do Presidente do Senado Rodrigo Pacheco, e por fim determinava a realização de novas eleições”, disse a PF no inquérito.
Martins foi assessor especial internacional do ex-presidente, enquanto que Saad é o advogado apontado como suposto autor da minuta de decreto. Segundo o inquérito, Bolsonaro teria pedido alterações no texto para manter a prisão apenas de Moraes em caso de intervenção, retirando Gilmar Mendes e Rodrigo Pacheco.
A autoridade afirma que “o referido documento teria sido objeto de reuniões convocadas pelo então Presidente Jair Messias Bolsonaro, que envolveram tanto integrantes civis do governo como militares da ativa. Quanto ao ponto, a autoridade policial destaca a ocorrência de monitoramento de diversas autoridades, inclusive do relator da presente investigação [Alexandre de Moraes], no sentido de assegurar o cumprimento da ordem de prisão, em caso de consumação das providências golpistas”.
O documento aponta que o general Theophilo se reuniu com Bolsonaro no dia 9 de dezembro de 2022, no Palácio do Planalto, para apresentar o plano de prisão de Moraes pelas Forças Especiais do Exército caso o ex-presidente “assinasse a medida” – o suposto decreto de golpe de Estado.
"A autoridade policial traz elementos indicativos da real expectativa que permeava o grupo quanto à permanência no poder, discorrendo ainda sobre a relação entre os todos os cinco eixos de atuação da organização criminosa que, embora ostentem finalidades específicas, foram utilizados como suporte para verdadeira execução de um golpe de Estado no Brasil", escreveu Moraes.
O inquérito aponta, no entanto, que a suposta tentativa de golpe de Estado foi frustrada por “circunstâncias alheias à vontade dos agentes”, o que levou Bolsonaro a viajar aos Estados Unidos no final de 2022, levando consigo outras pessoas.
"Frustrada a consumação do Golpe de Estado por circunstâncias alheias à vontade dos agentes, identificou-se que diversos investigados passaram a sair do país, sob as mais variadas justificativas (férias ou descanso) como no caso do ex-presidente Jair Bolsonaro e do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. Outros investigados viajaram para missões no exterior, como é o caso do Coronel do Exército Bernardo Romão Correia Neto, designado em 30.12.2022 para missão em Washington, D.C. até junho de 2015. Alguns investigados não mais regressaram ao Brasil desde então, como é o caso do ex-assessor para assuntos internacionais Filipe Garcia Martins, que viajou a bordo do avião presencial em 30.12.2022 com destino a cidade de Orlando/EUA sem realizar o procedimento de saída com o passaporte em território nacional, não havendo até o presente momento registro de retorno", diz o inquérito.
Militares foram pressionados a aderir a movimento
Ainda de acordo com o inquérito da Polícia Federal, o núcleo formado por militares como os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil) e Paulo Nogueira de Oliveira (Defesa), o almirante Almir Garnier dos Santos (ex-comandante-geral da Marinha), Mario Fernandes, Estevam Theóphilo e Laércio Vergílio (General de Brigada reformado) teria “se utilizado da alta patente militar por eles detida para influenciar e incitar o apoio aos demais núcleos de atuação”.
A pressão sobre os militares acontecia principalmente por conta da recusa do general Freire Gomes, então comandante do Exército, de aderir ao movimento. "Está dificultando a vida do PR [Presidente da República] ao se colocar contra", diz um diálogo.
“Houve, inclusive, por parte do grupo criminoso, organização de encontro específico na tentativa de arregimentar militares com curso de Forças Especiais que, segundo a Polícia Federal, coadunados com os intentos golpistas, dariam suporte às medidas necessárias para tentar impedir a posse do governo eleito e restringir o exercício do Poder Judiciário, e do qual teriam também participado Cleverson Ney Magalhães (Coronel de Infantaria lotado no COTER), assistente do Comandante do COTER Estevam Teophilo Gaspar de Oliveira, unidade cuja adesão seria fundamental pois seria a unidade militar que tem, sob sua administração, o maior contingente de tropas do Exército”, diz a decisão enfatizando que esse movimento ocorria enquanto os acampamentos de manifestantes cresciam “financiados por empresários”.
A investigação da PF mostra diálogos entre alguns militares “supostamente golpistas” que sinalizavam a expectativa de que “medidas radicais” tivessem que ser adotadas para “reverter o resultado do pleito”, “emergindo, inclusive, a tática de investir contra militares não alinhados às iniciativas de golpe, também por meio de disseminação de notícias falsas, tudo com o objetivo de incitar os integrantes do meio militar a se voltarem contra os comandantes que se posicionam contra o intento criminoso”.
O inquérito aponta também que o então ministro Braga Netto tinha uma "forte atuação inclusive nas providências voltadas à incitação contra membros das Forças Armadas que não estavam coadunadas aos intentos golpistas". Mensagens reproduzidas a partir do WhatsApp dele apontam uma forte pressão sobre Freire Gomes, como a ameaça de protestos em frente a casa dele.
Outro trecho do inquérito aponta a participação do ex-ministro general Augusto Heleno (GSI) e dos ex-ajudantes de ordens Marcelo Câmara e Mauro Cid em um "núcleo de inteligência paralela" que era responsável pela "coleta de dados e informações que pudessem auxiliar a tomada de decisões e Bolsonaro na consumação do golpe de Estado".
Este núcleo teria monitorado os ministros do STF e outras autoridades utilizando ferramentas para "garantir sua captura e detenção nas primeiras horas do início daquele plano".
À Gazeta do Povo, o Exército informou que acompanha a operação deflagrada pela Polícia Federal "prestando todas as informações necessárias às investigações conduzidas por aquele órgão".
Diferente do que foi publicado anteriormente, a decisão do Supremo que embasou a operação Tempos Veritatis não afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro frustrou movimento baseado em uma "minuta de golpe”. O texto diz que o alegado movimento foi frustrado por circunstâncias alheias à vontade dos agentes.
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