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A Polícia Federal (PF) fará uma varredura em materiais apreendidos com o coronel Flávio Peregrino — quase 40 pen drives, quatro notebooks, dois HDs externos e dois celulares — e em um celular do general Walter Braga Netto. O objetivo é buscar indícios que possam relacionar os investigados à articulação de um suposto golpe de Estado e a uma suposta obstrução de Justiça atribuída a Braga Netto, além de tentar encontrar possíveis conexões com outros envolvidos, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Os dispositivos eletrônicos foram apreendidos no sábado (14), data em que Braga Netto foi preso. Seu assessor, o coronel Flávio Peregrino, foi alvo apenas de busca e apreensão e até agora não foi indiciado no caso.
A defesa de Braga Netto nega envolvimento com os fatos, nega que tenha obstruído as investigações e disse que vai provar nos autos sua inocência. O general está preso no Comando da 1ª Divisão de Exército, no Rio de Janeiro, por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A reportagem não conseguiu fazer contato com Peregrino.
A expectativa da PF é que conteúdos considerados importantes à investigação sejam extraídos dos diversos dispositivos e equipamentos eletrônicos apreendidos, especialmente os de Peregrino. Não há um prazo estimado para conclusão das análises, mas se espera que até a segunda quinzena de janeiro as informações tenham sido apuradas.
Para fazer a checagem dos equipamentos, a PF não descarta a utilização do software de tecnologia israelense que ajudou a recuperar uma série de mensagens e informações de aparelhos que pertencem ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Os dados encontrados pela investigação estavam em nuvem ou tinham sido apagados dos aparelhos de Cid e teriam revelado, segundo a PF, informações que não constavam em sua delação premiada. Isso fez com que Cid fosse chamado a prestar novos depoimentos à PF e ao STF.
Entre os dados que teriam sido recuperados estavam conversas com interlocutores suspeitos de integrar núcleos que planejavam o suposto golpe de Estado, incluindo o suposto atentado contra autoridades no fim de 2022, que ficou conhecido como plano Punhal Verde e Amarelo.
A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) criticou a prisão de Braga Netto em entrevista à CNN e disse que as autoridades usam a prática da pesca probatória - quando um celular ou aparelho eletrônico é apreendido sem uma justificativa e sem que os investigadores saibam o que vão encontrar nele, com o objetivo único de criar indícios ou provas de novos crimes.
"Agora vão ficar fazendo 'Fishing Expedition' (pesca probatória, em inglês), pegando celular das pessoas para ficar procurando provas para sustentar uma narrativa absurda", disse a deputada.
Os investigadores acreditam que Braga Netto participou ativamente do grupo e era um líder no planejamento da suposta trama para evitar que o então presidente e vice eleitos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSB), assumissem o poder em janeiro de 2023. A prisão do general, porém, foi justificada por uma suposta tentativa de obstrução de Justiça. A PF afirmou que em 2023 Braga Netto tentou obter dados sobre a delação premiada de Cid e que isso teria comprometido o andamento da investigação. A medida cautelar foi criticada por juristas, que apontaram ausência de fatos contemporâneos que justificassem a prisão preventiva.
Braga Netto foi ministro da Defesa de Bolsonaro e candidato a vice na chapa do ex-presidente nas eleições de 2022. Para a PF, Bolsonaro sabia do suposto esquema e operava como “líder de uma organização criminosa”, que tinha como objetivo a “abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado”. Os investigadores, porém, ainda não apresentaram provas robustas sobre a participação de Bolsonaro, tendo alegado, até agora, que ele seria beneficiado com o suposto golpe e que teria fomentado críticas ao sistema eleitoral.
O ex-presidente nega envolvimento com os fatos e diz que nunca planejou qualquer ato que levasse a um golpe. Em 21 de novembro Bolsonaro, Braga Netto e outras 35 pessoas foram indiciadas pela PF. Na semana passada mais três entraram na lista e a relação deve aumentar, segundo os investigadores.
Militares da cúpula das Forças Armadas afirmam nos bastidores que a prisão de Braga Netto pode ser uma forma do STF tentar fazê-lo se voltar contra Bolsonaro. A Gazeta do Povo apurou que uma possível delação premiada de Braga Netto ainda está fora dos planos da PF, ao menos por enquanto. A expectativa dos investigadores é a de colher o máximo de informações nos aparelhos e documentos apreendidos no sábado para só então analisar a necessidade de uma colaboração.
Mandados de prisão e busca e apreensão por suposta obstrução de Justiça
No parecer que confirmou o mandado de prisão contra Braga Netto, datado de 10 de dezembro mas que só foi cumprido no sábado, Moraes afirma que a Polícia Federal detalhou “elementos de prova que Braga Netto atuou, dolosamente, para impedir a elucidação dos fatos, notadamente por meio de atuação concreta para a obtenção de dados fornecidos pelo colaborador Mauro César Barbosa Cid, em sua colaboração premiada”.
Segundo Moraes, isso ocorreu “com o objetivo de controlar as informações fornecidas [por Mauro Cid em sua delação premiada], alterar a realidade dos fatos apurados, além de consolidar o alinhamento de versões entre os investigados”.
O ministro disse que Braga Netto fez contato com familiares de Cid para saber o conteúdo de sua delação e afirma que os fatos ficaram novamente evidenciados no novo depoimento prestado por Mauro Cid em 21 de novembro ao STF, quando o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro teria reforçado a participação do general como um líder no planejamento do suposto golpe.
Na ocasião Cid disse que o general entregou a militares suspeitos de integrar o núcleo uma sacola de vinho com dinheiro que seria usado para financiar as ações preparatórias e que os recursos teriam vindo do “pessoal do agro”, sem especificar nomes. Agora a PF tenta identificar quem seriam os financiadores.
Ao pedir autorização para a busca e apreensão contra Braga Netto e Peregrino, a PF buscou um meio de obtenção de provas e informações para tentar compreender completamente os fatos.
“Essa elucidação só será possível com o avanço da apuração e com a realização de ações céleres, adequadas e proporcionais, direcionadas à busca e apreensão de elementos informativos hábeis a individualizar a conduta de todos os investigados, a identificação da possível participação de outras pessoas que aderiram, de forma livre e consciente, às práticas criminosas ora investigadas, além de esclarecer os vínculos subjetivos”, descreve a PF.
Chamou atenção dos investigadores, no entanto, o número elevado de pen drives supostamente localizados com Peregrino. Neles e nos outros equipamentos, a corporação espera também identificar se houve elementos relacionados a uma possível obstrução ou interferência da investigação.
Segundo o despacho judicial, essas buscas e apreensões possibilitarão o avanço das investigações, “que podem se beneficiar do achado de documentos, anotações, registros, mídias, aparelhos eletrônicos e demais dispositivos de armazenamento de dados reveladores de circunstâncias delituosas, da eventual participação de outros agentes, propiciando uma mais completa compreensão de condutas relevantes”.
Na mesma decisão, Alexandre de Moraes concedeu quebra de sigilo de eventuais dados/materiais, bancários, fiscais, telefônicos e telemáticos dos investigados. “As medidas de busca e apreensão pessoal e residencial são imprescindíveis para as investigações, pois necessárias para evitar o desaparecimento das provas dos supostos crimes e possibilitar o esclarecimento dos fatos”.
A quebra de sigilo envolve acesso e análise de dados, arquivos eletrônicos, mensagens eletrônicas e e-mails armazenados em computadores, servidores, redes e serviços de armazenamento em nuvem, além de dispositivos eletrônicos de qualquer natureza, incluindo aparelhos de telefonia celular, discos rígidos, DVDs e CDs.