A Polícia Federal encontrou documentos que apontam que, em 2019, sob a direção do atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) realizou uma operação para tentar vincular os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes ao Primeiro Comando da Capital (PCC), maior facção criminosa do país.
O plano descoberto pela PF consta na decisão do ministro Alexandre de Moraes que autorizou a operação de busca e apreensão contra Ramagem nesta quinta-feira (25), batizada de Operação Vigilância Aproximada. As investigações, porém, começaram no ano passado, com a deflagração da Operação Última Milha, também autorizada por Moraes, para averiguar o uso supostamente irregular, na Abin, da ferramenta tecnológica FirstMile, para fins políticos e de interesse do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Com base em documentos apreendidos e depoimentos, a PF apurou que, a pedido de Ramagem, um policial federal usou essa tecnologia – de origem israelense e capaz de localizar onde uma pessoa está de acordo com dados de seu celular – para monitorar o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia e a ex-deputada Joice Hasselmann; os dois se tornaram, a partir de 2020, políticos incômodos ao governo Bolsonaro dentro do Legislativo.
As investigações da PF ainda apontam uma tentativa de monitorar, durante o governo passado, o ex-governador do Ceará e atual ministro da Educação, Camilo Santana, do PT; e ainda o uso da estrutura da Abin para produção de informações que pudessem auxiliar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e de Renan Bolsonaro, ambos filhos do ex-presidente, em inquéritos, relacionados, respectivamente, à prática de “rachadinha” e a tráfico de influência.
Outro monitoramento teria sido realizado sobre a promotora de Justiça do Rio de Janeiro que chefiava as investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, ocorrido em março de 2018.
A PF ainda diz que Ramagem teria forjado uma fiscalização interna na Abin, em 2021, para encobrir e apagar os rastros do uso supostamente irregular do FirstMile.
O deputado ainda não se manifestou sobre a operação desta quinta-feira (25). Em outubro, ele se defendeu dizendo que a operação Última Milha era resultado do “trabalho de austeridade” realizado em sua gestão, rechaçando “falsas narrativas e especulações”.
Operação para vincular Moraes e Gilmar ao PCC
Nas investigações sobre a Abin, a PF diz ter encontrado “anotações” que remetem a uma tentativa de associar Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e deputados federais (não identificados) ao PCC. A “Operação Portaria 157” teria como objetivo colher informações sobre a ONG Anjos da Liberdade, que atua em favor de presidiários, e que denunciou à Corte Interamericana de Direitos Humanos violações nas penitenciárias federais. A Abin apontava “risco” da uma decisão da Corte influenciar decisão do STF sobre detentos.
A operação da Abin identificou, segundo a PF, uma reunião da presidente da ONG com o ministro Edson Fachin, em maio de 2019, e depois uma visita dela ao Senado, em agosto.
Num arquivo denominado “Prévia Nini.docx”, a PF identificou anotações “cujo conteúdo remete à tentativa de associar Deputados Federais, bem como Exmo. Ministro Relator Alexandre de Moraes e outros parlamentares à organização criminosa PCC [...] Não somente o ministro relator, mas também com o Exmo. Ministro Gilmar Mendes houve a tentativa de vinculação com organização criminosa”.
A corporação tratou essa tentativa como “desvirtuamento da diligência” sobre a ONG Anjos da Liberdade. “A ação transparece, dessa forma, o desvio da finalidade das operações de inteligência do campo técnico para o campo político servindo para interesse não republicano, diverso da produção de inteligência de Estado”, diz a PF.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) também condenou a operação, dizendo tratar-se de uma “distorção, para fins políticos”, “alimentando a difusão de fake news contra os magistrados da Suprema Corte”.
No pedido de busca e apreensão, a PF relacionou cinco servidores envolvidos na trama, mas considerou haver necessidade de “ampliação do acervo probatório para a escorreita individualização das condutas”. “Os resquícios de prova apresentam elevado grau de volatilidade ainda mais se tratando de Oficiais de Inteligência de alta qualificação e expertise.”
Monitoramento de Maia, Joice e Camilo Santana
No pedido de busca a Moraes, a PF ainda indicou que, “sob as ordens” de Ramagem, um policial federal que o auxiliava na Abin teria utilizado o FirstMile para monitorar o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia e a deputada Joice Hasselmann que, segundo a PGR, eram “à época tidos como adversários políticos do governo”.
“Foi possível observar que a estrutura paralela instalada na ABIN monitorou o ‘proprietário’ da Pajero Full PAS 5756 tão somente em razão de determinado encontro (jantar) em que estavam presentes o Presidente da Câmara dos Deputados - Deputado Federal RODRIGO MAIA, Deputada Federal JOICE HASSELMANN e advogado ANTÔNIO RUEDA (f. 211), tendo comparecido ao evento o Del. ANDERSON TORRES, mas tendo sido propositalmente omitida a sua presença”, diz a PF.
Antônio Rueda é vice-presidente do União Brasil e Anderson Torres foi ministro da Justiça do governo Bolsonaro. A PF não detalhou o motivo da operação de monitoramento. A PGR, por sua vez, disse que havia “uma Abin paralela, utilizada para colher dados sensíveis sobre autoridades e agentes políticos relevantes”.
Na decisão que autorizou a operação desta quinta, Moraes reproduz um relatório da PF segundo o qual um gestor do FirstMile, na Abin, “teria sido flagrado pilotando um drone nas proximidades da residência do então Governador do Ceará Camilo Santana”. Novamente, não há mais detalhes sobre o motivo e de quem teria partido a ordem para esse monitoramento.
Monitoramento de promotora do caso Marielle
Em outro trecho da decisão, igualmente sem muitos detalhes, Moraes diz que a PF teria descoberto um monitoramento da promotora do Rio de Janeiro que coordenava a força-tarefa de investigação do assassinato de Marielle Franco – o nome dela não consta no documento.
“A CGU identificou no servidor de impressão resumo do currículo da Promotora de Justiça do Rio de Janeiro coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora MARIELLE FRANCO e o motorista que lhe acompanhava ANDERSON GOMES. O documento tem a mesma ausência de identidade visual nos moldes dos Relatórios apócrifos da estrutura paralela”, diz relatório da PF.
Nesta quarta-feira (24) o site The Intercept Brasil informou que o ex-policial militar Ronnie Lessa, apontado pelas investigações como executor do homicídio, apontou, em delação premiada, que o mandante do crime seria o ex-deputado e conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Domingos Brazão – ele nega estar por trás do assassinato.
Apuração direcionada
Segundo Moraes, a PF ainda apontou um suposto direcionamento de uma apuração interna sobre o FirstMile para tentar “dar uma aparência de legalidade na sua utilização, bem como impedir a apuração correicional sobre condutas ilícitas”.
Segundo essa suspeita, Ramagem teria anulado um procedimento administrativo disciplinar que apurava o uso supostamente irregular da tecnologia.
“A possibilidade de fatos relacionados as irregularidades no uso do FIRST MILE serem expostas foi suficiente para que os Dirigentes Del. ALEXANDRE RAMAGEM E Del. CARLOS AFONSO realizassem a anulação do PAD nº 03/2019 sob a denominação ‘conversão de julgamento em diligência’ inclusive nomeado comissão processante distinta da comissão natural em potencial nulidade deliberadamente plantada”, diz a PF.
A investigação aponta que o FirstMile foi utilizado entre 06/02/2019 e 27/04/2021, mas que a ‘legalidade’ na aquisição e uso da ferramenta foi declarada em momento posterior ao uso e o entendimento, sem motivação declarada, foi alterado em 16/08/2021”. “A alteração do entendimento, em verdade, se deu em razão da inevitável exposição do uso irregular do sistema”, diz ainda a PF.
Para a PF, dirigentes atuais da agência ainda estariam tentando evitar a investigação. A PF cita declarações de março de 2023, do atual diretor adjunto da Abin, Alessandro Moretti, de que a investigação sobre o uso do FirstMile teria “fundo político e iria passar”.
“O alegado temor de exposição de dados sensíveis, em verdade, se mostrou, até a presente quadra investigativa, como subterfúgio para evitar a devida apuração dos fatos. A preocupação de ‘exposição de documentos’ para segurança das operações de ‘inteligência’, em verdade, é o temor da progressão das investigações com a exposição das verdadeiras ações praticadas na estrutura paralela, anteriormente, existente na Abin”, diz a PF.
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