A Polícia Federal (PF) atribuiu a Andreia Munarão, mulher do empresário Roberto Mantovani, o início da confusão ocorrida em julho, no aeroporto de Roma, envolvendo o ministro Alexandre de Moraes e sua família. Um relatório da investigação, divulgado nesta quarta (4) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), narra que “desde que vira o ministro [na porta de uma sala VIP no aeroporto], [Andreia] passou a apresentar uma postura visivelmente hostil, com gestos, projeções corporais e expressões faciais, com aparentes gritos, que levam a concluir ter sido ela a provocadora de toda a confusão”.
O relatório, assinado pelo agente da PF Clésio Leão de Carvalho, é baseado nas gravações fornecidas pelas autoridades italianas ao Brasil, a pedido do Ministério da Justiça. Os vídeos são mantidos em sigilo pelo ministro Dias Toffoli, relator da investigação no STF, mas “frames” com a sequência das imagens captadas por câmeras de segurança, foram colados ao documento para tentar elucidar o que aconteceu na ocasião.
Ao longo de todo o relatório, de 51 páginas, o agente da PF adota expressões imprecisas, como “parece” e “aparentemente”, para contar o que teria ocorrido – os vídeos não contêm áudio, o que impossibilitou a PF de confirmar se supostos xingamentos que teriam sido proferidos contra o ministro e seu filho, Alexandre Barci, e deste para Andreia, de fato ocorreram.
Ao interpretar o vídeo, a PF considerou que o entrevero começou depois que Roberto Mantovani, ao passar pela porta da sala VIP, indicou à mulher, Andreia, que Alexandre de Moraes estava dentro do recinto. Ela então, segundo a narrativa da PF, teria começado a xingar o ministro – em depoimento, Andreia relatou ter ficado “indignada”, passando a questionar motivo pelo qual “políticos podem entrar nas salas e a declarante e suas netas não”.
Como ocorreu a confusão, segundo a PF
Minutos antes, por volta das 18h35, no horário local, o genro de Andreia, Alex Zanatta Bignotto, a filha dela, Bruna, e duas netas, de 4 e 2 anos, sentadas em carrinhos de bebês, teriam tentado entrar na sala VIP, mas não conseguiram. As cenas mostram que no momento em que o casal deixa a porta da sala VIP, a mulher de Moraes, a advogada Viviane Barci, se aproxima do local, e no corredor, chama o ministro e o restante da família, que se dirigem, às 18h37, para a fila de entrada, onde seriam então atendidos.
No minuto seguinte, Mantovani, Andreia e o filho, Giovanni, aparecem, passando pelo corredor, antes da fila. “Às 18:38:02 ROBERTO MANTOVANI FILHO percebeu a presença do ministro do STF ALEXANDRE DE MORAES na entrada da sala de espera VIP. MANTOVANI esticou o braço e chamou sua esposa, ANDREIA MUNARÃO, que caminhava logo à sua frente, para mostrá-la que o ministro estava logo a direita do casal”, narra o relatório da PF.
“Tendo sido chamada, ANDREIA volta o seu rosto para o marido. ANDREIA olha para a direção onde estava o ministro, na entrada da sala VIP. Em seguida ela olha na direção de ROBERTO MANTOVANI e seu filho. ANDREIA recua, puxando o carrinho de bebê que empurrava, e começa a observar na direção do ministro ALEXANDRE DE MORAES, que estava sendo atendido. ROBERTO MANTOVANI e seu filho permanecem a certa distância, enquanto ANDREIA observa a entrada da sala. Enquanto ANDREIA recuava para observar a entrada da sala, ela parece dizer algo em voz alta, pois desperta até mesmo a atenção de ALEXANDRE BARCI DE MORAES, filho do ministro, que olha para ela de relance. Ela parece continuar a dizer algo em voz alta, pois desperta até mesmo a atenção de GIOVANNI MANTOVANI, que estava um pouco à frente dela”, narra a PF em seguida, mostrando imagens do vídeo quadro a quadro.
Nesse momento, segundo a narrativa do agente, Andreia, posicionada na porta da sala VIP, falava em voz alta com o filho e o marido, posicionado a cerca de 3 metros de distância, no corredor. Roberto Mantovani, de acordo com o relatório, caminhava para deixar o local.
“ANDREIA começa a manusear seu celular. ROBERTO vira as costas para ela e segue comendo sua salada de frutas”, narra a PF. “ROBERTO segue seu caminho, deixando ANDREIA para trás. Ela permanece ao lado da sala VIP, onde estavam o ministro ALEXANDRE DE MORAES e sua família. ROBERTO continua a tomar a sua salada de frutas, tranquilamente, seguindo seu caminho após passar pela sala VIP”, continua o relatório.
O documento registra que Andreia olhava para o interior da sala. Logo depois, Alexandre Barci, filho do ministro, deixa a fila, e os dois passam a discutir à distância. “ALEXANDRE BARCI parece dizer algo voltado para a direção de ANDREIA. Pela posição corporal de ANDREIA, ela aparenta gritar com BARCI, momento em que ROBERTO MANTOVANI aponta o dedo para o filho do ministro, que se vira e olha para ROBERTO. Ambos, ANDREIA e ROBERTO, parecem gritar com BARCI, pois quase todas as pessoas próximas olham na direção do casal. ANDREIA aponta para BARCI e as pessoas em volta continuam a olhar para ela. Aparentemente, ambos [Roberto e Andreia] gritam com o filho do ministro”, descreve ainda o agente da PF.
Nesse momento, Andreia se afastou e Roberto se aproximou de Alexandre Barci. O bate-boca, pela lógica da narrativa, se intensifica. “Pela posição corporal de ANDREIA, inclinada na direção de BARCI, ela parece gritar algo com ele. BARCI parece responder algo, pois algumas pessoas próximas olham para ele naquele momento. ROBERTO vai então em direção ao filho do ministro”. Nas descrições, o agente da PF destaca em várias imagens que a discussão chama a atenção das pessoas ao redor.
É no momento seguinte, perto de Barci, que Roberto Mantovani, segundo a PF, “parece afrontar e desafiar o filho do ministro, confrontando-lhe, enquanto ANDREIA, aparentemente, continua a gritar, apontando o dedo indicador para ele ou para alguém próximo. ROBERTO possui uma estatura mais alta que BARCI. Por isso, dada a tensão naquele momento, ROBERTO parece se impor perante BARCI e afrontá-lo de forma intimidativa, ‘peitando-o’ como demonstra sua postura corporal aparentemente hostil e agressiva vista na imagem”, continua o relatório.
A discussão continua e, no momento seguinte, Roberto Mantovani, sempre segundo a PF, teria atingido Barci no rosto. “ROBERTO MANTOVANI parece bater as costas de sua mão direita no rosto de ALEXANDRE BARCI, vindo a atingir os óculos deste e, aparentemente, deslocá-los. Os óculos não chegam a cair ao chão devido a uma discreta esquivada da vítima”, relata a PF.
Alexandre Barci, de acordo com as imagens, recoloca os óculos no lugar e um terceiro homem, não identificado, se coloca entre ele e Roberto Mantovani para apartar a briga, conversando com os dois. Andreia teria continuado a gritar, à distância, na direção de Barci e de outros membros da família de Moraes. Depois, Mantovani se afasta e segue em direção a ela para deixar o local. “BARCI adentra a sala VIP e ROBERTO sai em direção contrária, comendo tranquilamente sua salada de frutas. O casal MANTOVANI segue direção contrária, com ROBERTO comendo sua salada de frutas e sua esposa ANDREIA sorrindo”.
Andreia ainda teria tentado tirar fotos do local com seu celular, e “visivelmente sorrindo”, deixou o local, segundo a PF.
Cerca de 7 minutos depois, Roberto Mantovani e Alex Zanatta voltaram para a porta da sala VIP para discutir com Alexandre Barci. Andreia permanece a alguns metros de distância, observando, com o carrinho de bebê à frente. É nesse momento que Alexandre de Moraes aparece em cena, e se aproxima do filho para retirá-lo do local – um vídeo deste momento, gravado por Alex Zanatta, veio à tona nesta quinta-feira (5); a defesa da família pediu ao STF que a gravação fosse anexada ao inquérito.
Na gravação, Barci diz: “tão com medo agora, né? Vocês vão ser tudo identificados!”. Alex responde: “o senhor está nos ameaçando?”. Moraes, então, chama um deles de “bandido”.
Veja o vídeo:
O que disseram os envolvidos em depoimento
Em depoimento à PF, no Brasil, Andreia e Roberto Mantovani disseram que, no momento do bate-boca, Barci teria a ofendido com palavrões e provocações de cunho sexual. “Nesse momento o homem (que posteriormente tomou conhecimento ser o filho do Ministro ALEXANDRE DE MORAES) começou a ‘mandar beijos’ para a declarante inclusive com inclinação do corpo; QUE o referido homem começou a falar para a Declarante ‘cincão pela sua bundinha’, ‘pu*****’, ‘vou comer o seu c******’, ‘vou beijar seus peitinhos’”.
“A declarante afirma que se sentiu extremamente humilhada, enquanto pessoa e mulher; QUE depois parou e chegou a comentar o ocorrido com seus familiares; QUE em seguida seu filho (GIOVANNI) ficou em estado de choque e tristeza, em virtude das palavras proferidas contra a declarante; QUE como não conseguiram acesso a nenhuma outra sala VIP, tiveram que retornar pelo único caminho existente até os restaurantes”, diz o termo de seu interrogatório.
Em depoimento, Roberto Mantovani confirmou essas supostas ofensas de Barci à sua mulher, relatando ter pedido a ele “que parasse de falar daquele jeito com sua esposa”. “Nesse momento chegou a afastar com o braço referido homem; QUE o homem [Barci] perguntou se o Declarante [Roberto] queria briga, tendo a resposta sido negativa, bem como solicitado que parasse com tais dizeres”, diz o depoimento do empresário.
Alexandre Barci negou ter proferido qualquer ofensa sexual para Andreia. Acusou a mulher de xingar o pai dele de “bandido”, “comunista”, “ladrão” e “fraudador das eleições” no momento em que a família estava na fila para entrar na sala VIP. Segundo o filho do ministro, Andreia “tentava instigar outras pessoas a hostilizar” Moraes, mas não conseguiu. Também teria, segundo ele, realizado uma gravação para expor o ministro.
Roberto Mantovani, segundo Barci, também teria o ofendido, chamando-o de “filho do ministro que roubou as eleições”, e ainda teria dado um tapa em seu rosto. Depois, quando o empresário retornou ao local com o genro, Alex, este teria chamado Moraes de “bandido”.
Em seu depoimento, Alexandre de Moraes disse que chamou Alex dessa maneira “em tom jocoso”, pois estaria repetindo a ofensa que lhe foi dirigida. “Ao longo dessa discussão, os agressores reiteravam as ofensas e realizavam gravações esperando uma reação agressiva por parte do declarante, de modo a utilizar tal reação em desfavor do declarante”.
Investigação ainda vai durar mais dois meses
Nesta quarta (4), ao divulgar o inquérito, Dias Toffoli também prorrogou as investigações por mais dois meses. O caso foi trazido ao Brasil pelo próprio Alexandre de Moraes. Em julho, quando a história veio à tona, o ministro da Justiça, Flávio Dino, chegou a cogitar crimes contra o Estado Democrático de Direito, mobilizando a PF para apurar a fundo o episódio.
Nos interrogatórios, a corporação perguntou a Roberto Mantovani se ele teria financiado a manifestação de 8 de janeiro, que resultou na invasão e depredação das sedes dos Poderes, bem como se compartilhava, pelo WhatsApp ou redes sociais, conteúdos críticos às urnas eletrônicas. Ele negou e destacou que já foi candidato em 2004 a vice-prefeito de sua cidade, Santa Bárbara D’Oeste, pelo Partido Liberal (PL), com apoio do PT.
O que diz a PF
Para o agente que compôs o relatório, a narrativa da família Mantovani de que Andréia teria sido ofendida sexualmente por Barci é inverossímil. “Tais declarações de ZANATTA levantam a suspeita de que essa foi uma narrativa inventada pela família para tentar eximir a verdadeira responsável pelo desencadeamento de toda a confusão e ulterior agressão por parte de ROBERTO MANTOVANI contra ALEXANDRE BARCI, que foi ANDREIA MUNARÃO”.
“Não e possível afirmar que houve ‘graves ofensas direcionadas a ANDREIA , pois, aparentemente, ela teria iniciado as provocações ao deixar de seguir o seu rumo no saguão do aeroporto para se prostrar [sic] perto da família do ministro ALEXANDRE DE MORAES e iniciar gestos e possíveis falas que revelaram estar aquela senhora inconformada com alguma coisa relacionada à presença do ministro no local”, escreveu ainda o agente Clésio Carvalho.
“As imagens do Aeroporto Internacional de Roma permitem concluir que ROBERTO MANTOVANI FILHO e ANDREIA MUNARÃO provocaram, deram e, possivelmente, por suas expressões corporais mostradas nas imagens, podem ter ofendido, injuriado ou mesmo caluniado o ministro ALEXANDRE DE MORAES e seu filho ALEXANDRE BARCI DE MORAES no Aeroporto Internacional de Roma, vindo a desencadear uma agressão por parte de ROBERTO MANTOVANI em desfavor de ALEXANDRE BARCI, que foi atingido no rosto com um aparente tapa, com as costas da mão direita, dado por MANTOVANI durante a discussão”, concluiu o policial.
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