Na investigação sobre a falsificação do cartão de vacina do ex-presidente Jair Bolsonaro, a Polícia Federal (PF) obteve a imagem de uma mensagem de WhatsApp na qual o advogado e ex-militar Ailton Barros tenta comunicar a ele, em fevereiro do ano passado, que grupos de apoiadores estavam se mobilizando para montar um acampamento em Brasília, no dia 31 de março de 2022, para tentar forçar a saída dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Policiais federais responsáveis pela investigação tentam usar a mensagem para ligar o ex-presidente à preparação do ato. Em depoimento na PF, Bolsonaro disse que a informação não chegou a ele e garantiu que “nunca repassou qualquer orientação sobre as referidas pautas a Ailton e/ou qualquer outro grupo”.
O inquérito dá a entender que o ex-militar tentou fazer contato com Bolsonaro, mas não traz evidências concretas de que tenha tido sucesso.
Preso no último dia 3 de maio, Ailton Gonçalves Moraes Barros é um major da reserva que, segundo as investigações da PF, teria auxiliado o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, a inserir dados falsos no sistema do Ministério da Saúde que registra a aplicação de doses contra a Covid. A PF captou mensagens que Ailton teria enviado ao próprio Bolsonaro, em fevereiro de 2022.
“outra coisa PR! As lideranças destes grupos Abrapas e outros, ou seja, os Grupos que organizaram o 7 de setembro. Ficam tentando me sondar qual a postura do PR em relação ao movimento que eles querem fazer para o 31 de março (não querem fazer nada que possa prejudicar o PR). Não dei recibo, mas, disse a eles que o PR não se mete ou opina nessas questões e que respeita a vontade popular. E que o Presdiente [sic], como vocês já sabem, normalmente quando existe uma manifestação popular sadia ele normalmente cumprimenta o povo como tem feito. Aí eu perguntei quais seriam as pautas de vocês? A primeira pauta: ‘vamos acampar em Brasília até os 11 ministros do STF saírem de suas cadeiras! Essa é a primeira ...kkk...dei uma desculpa e encerrei a ligação (...)”
Essa mensagem, reproduzida nesta reportagem da forma como foi transcrita pela Polícia Federal, teria sido enviada por Ailton e a imagem dela foi encontrada no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, suspeito de falsificar cartões de vacina contra a Covid para o ex-presidente e sua filha.
Data de 31 de março foi escolhida em referência ao regime militar
O dia 31 de março é uma data comemorada por defensores do regime militar, pois foi o dia, em 1964, em que tropas militares começaram a se movimentar pelo país para forçar a deposição do ex-presidente João Goulart.
Os “Abrapas”, mencionados por Ailton Barros na mensagem são grupos de WhatsApp espalhados pelo país que reúnem apoiadores de Bolsonaro. Abrapa é sigla de Associação Brasileira dos Patriotas. Embora não seja instituído formalmente, o movimento tem forte presença no Sul e Centro-Oeste e ligação com segmentos que apoiam o ex-presidente, sobretudo caminhoneiros e produtores rurais, que organizavam atos de rua de apoio ao governo passado e contra a atuação do STF nos últimos anos.
Camisas confeccionadas pelos integrantes, nas cores verde e amarela, com a bandeira do Brasil, trazem inscrições como “exoneração dos 11 ministros” e “contagem pública dos votos”, uma referência à defesa do voto impresso, como defende Bolsonaro. Ao menos um protesto contra o STF foi registrado na data em março de 2022.
No print da mensagem de Ailton a Bolsonaro, a PF ainda destacou o seguinte recado:
“Dá pra operar nesses Gp(s) para as pautas deles serem do meu interesse. Ex:
- pau no Côrno do Xandão sempre;
- bicha velha pelancuda na questão das urnas eletrônicas;
Impeachment do Côrno do Xandão que está engavetado no Senado. Coloco nas nossas pautas. Se quiser dou uma esticada aí acerto essas pautas e libero... ”
Xandão é o apelido com que ficou conhecido o ministro Alexandre de Moraes, maior desafeto de Bolsonaro no STF e que foi o relator de uma série de inquéritos contra o ex-presidente e seus apoiadores. A mensagem sobre as urnas eletrônicas possivelmente faz referência ao ministro Luís Roberto Barroso, que na época presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e defendia, junto ao Congresso, a rejeição do voto impresso, o que indignou a base aliada de Bolsonaro na época.
Em outro print, captado pela PF no celular de Mauro Cid, Ailton escreve ao contato gravado como “PR 01” as seguintes mensagens:
“Bom dia! PR quer que eu ligue ou já safou?”
“Apaguei pq já peguei orientação com o Cidinho”
Essas mensagens foram apresentadas a Bolsonaro na última terça (18) durante seu interrogatório na Polícia Federal, no âmbito do inquérito sobre os cartões de vacina.
Bolsonaro diz que Barros se aproximou para tentar obter apoio para se candidatar
No início do depoimento, Bolsonaro disse que conhece Ailton Barros há cerca de 20 anos e que o conheceu em eventos ligados à Brigada Paraquedista do Rio de Janeiro, à qual o ex-presidente pertencia quando estava na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), do Exército, no final dos anos 70. À PF, Bolsonaro disse ainda que Ailton Barros se aproximava dele “como forma de promover sua candidatura” quando se candidatava a cargos políticos.
Questionado sobre o motivo de Ailton ter enviado essas mensagens a ele, Bolsonaro respondeu que “não participou ou orientou qualquer ato de insurreição ou subversão contra o Estado de Direito. O delegado do caso ainda indagou Bolsonaro sobre que “orientação” Mauro Cid teria dado a Ailton, na mensagem em que diz que apagou algo (possivelmente a própria mensagem que havia enviado). Bolsonaro disse desconhecer e defendeu o ex-ajudante.
“Respondeu que não tem conhecimento, mas duvida que Mauro Cid teria dado reforço para as referidas pautas; que Mauro Cid é um militar altamente qualificado, primeiro lugar em todos os concursos militares em que é graduado, sendo portanto um militar disciplinado e que jamais compactuaria com atos subversivos”, diz o termo de depoimento, documento que registra as respostas do ex-presidente durante o interrogatório.
A PF ainda indagou Bolsonaro se ele tem conhecimento de tratativas de Ailton Barros para “executar um Golpe de Estado após o resultado das eleições de 2022, para manter o declarante [Bolsonaro] no poder”. Ele respondeu que não e que Ailton “não possui liderança para arregimentar pessoas para qualquer ato”. Depois, ressaltou que “não concorda com qualquer tratativa nesse sentido”. Bolsonaro ainda negou que Ailton tivesse lhe pedido orientação, por meio de Mauro Cid, para influenciar a pauta das manifestações a seu favor e contra o STF e do TSE.
A PF ainda apresentou a ele mensagens de áudio que teriam sido enviadas por Ailton Barros a Mauro Cid, nos dias 4 e 5 de fevereiro do ano passado.
“CID, boa noite! CID, só pra, só pra eu confirmar, só... Me posicionar em algumas coisas. CID, esses movimentos desses grupos, negócio de 31 de março não sei o quê...”
“CID, bom dia! CID, depois que você entender que é o caso. É primeira oportunidade, comenta com o PR que esses grupos aí de esses grupos forte [sic], aí esses que organizaram é o Sete de Setembro, né? Pessoal do ABRAPA e companhia limitada. Que eles estavam que eles estão me sondando aí tentando pegar alguma coisa comigo. Se o presidente é favorável, se não é favorável, eu estou dando recibo de nada, hein? Só dou se me der na direção (...)Eles estão querendo acampar em Brasília. O grupo dele está dividido (...) Mas o que eles estão querendo fazer é ir para Brasília em trinta e um de março, acampar aí até os onze ministros meterem o pé. Essa a ideia deles. Acampar até os os onze ministros manter meteu [sic] o pé. É isso”
“CID, bom dia! CID, na primeira oportunidade que tiver com o PR, tu comenta com ele que esses grupos ABRAPAs da vida, né? Acho que o mais forte é o ABRAPA de Goiânia, de Goiânia (...) Se que que, por que que o presidente, se o presidente era, era favorável ao pessoal fazer um movimento 31 de março, uma marcha para Brasília, uma vez que tem uma parte do grupo que quer e outra parte do grupo que não quer”
Ex-presidente diz que não recebeu mensagens sobre preparação de protesto
No depoimento, Bolsonaro disse que essas pautas não chegaram a ele e que “nunca repassou qualquer orientação sobre as referidas pautas a Ailton e/ou qualquer outro grupo”. Questionado ainda se mantinha contato com Ailton Barros, Bolsonaro respondeu que sim, “por conversas esporádicas em aplicativos de mensagens”. Em seguida, ressaltou que “não mantinha relacionamento pessoal com Ailton; que as aproximações de Ailton se davam principalmente em momentos eleitorais”.
Ailton Barros se candidatou a deputado estadual do Rio nas eleições do ano passado pelo PL, mas não conseguiu votos suficientes e hoje é suplente. Ele também integrou a Brigada Paraquedista da Aman, onde foi colega de Mauro Cid. Em 2006, Ailton foi expulso do Exército por desacato, tornando-se depois advogado.
Em entrevista à revista Veja, Bolsonaro afirmou que tinha contato com Ailton Barros apenas duas vezes por ano em reuniões de paraquedistas. Ele disse ainda: “O Ailton não mobiliza meia dúzia de jogadores de dominó. Se conversar com ele, vai ver isso. É um coitado”.
A investigação sobre o cartão de vacina foi assumida por Alexandre Moraes porque ele também investiga o ato de 8 de janeiro, quando apoiadores de Bolsonaro saíram do acampamento em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, rumo à Esplanada dos Ministérios e que resultou na invasão e depredação das sedes dos Poderes.
Mauro Cid foi chamado a depor nesta quinta-feira (18) à PF, mas optou pelo silêncio, porque sua defesa ainda não teve acesso à toda investigação – os investigadores ainda analisam o que foi encontrado em seu celular, apreendido no dia de sua prisão, no início deste mês.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF