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Apuração em andamento
O comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal, coronel Klepter Rosa Gonçalves, foi preso na manhã desta sexta (18) pela Polícia Federal por envolvimento e suposta omissão na contenção aos protestos do dia 8 de janeiro, que levaram à invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.
A prisão faz parte da Operação Incúria, que cumpre sete mandados de prisão preventiva e cinco de busca e apreensão.
Klepter assumiu o cargo de comandante-geral da PM-DF após a exoneração e prisão do então comandante, Fabio Augusto Vieira, nomeado pelo interventor Ricardo Capelli em decorrência da decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de decretar intervenção federal na segurança pública por conta dos atos de 8 de janeiro.
Na operação desta sexta (18), além do comandante-geral da PM-DF, também foram presos o ex-comandante Vieira; o ex-comandante de operações (DOP), Jorge Eduardo Naime Barreto; o ex-chefe interino do DOP, Paulo Ferreira de Souza Bezerra; Marcelo Casimiro Rodrigues, ex-comandante do 1º Comando de Policiamento Regional; major Flávio Silvestre de Alencar e tenente Rafael Pereira Martins, que atuaram na operação do dia 8 de janeiro, de acordo com a petição a que a Gazeta do Povo teve acesso. A PF não detalha oficialmente os alvos da operação.
Naime, Alencar e Martins já estão detidos desde o dia 7 de fevereiro, quando foram alvos da quinta fase da Operação Lesa Pátria, e tiveram a manutenção da prisão pedida pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Os mandados foram pedidos pelo Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos da PGR, coordenado pelo subprocurador Carlos Frederico dos Santos, e aceitos pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A PM-DF informou que a Corregedoria da corporação acompanha o andamento do caso. Os alvos da operação desta sexta (18) negaram as acusações (veja mais abaixo).
O governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), disse que foi pego de surpresa pela prisão de Kepler, e afirmou que não foi ele quem escolheu o comandante-geral, em referência à nomeação feita por Capelli em Janeiro. Ainda de acordo com ele, "determinação judicial a gente não comenta, tem de entender. Essa foi uma decisão do Alexandre de Moraes que nos pegou de surpresa".
"Vou acionar o secretário de Segurança [Pública do DF]. Ele vai me indicar um nome, e vamos nomear. As coisas estão andando de forma natural”, comentou durante uma cerimônia em Brasília pela manhã, em registro do Metrópoles.
Já o ministro Flávio Dino, da Justiça, ainda não se pronunciou sobre a operação. Os ministérios da Justiça e da Defesa também não se pronunciaram.
Se comprovadas as acusações, os citados podem responder por crimes como omissão; abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima; deterioração de patrimônio tombado; entre outros relativos ao não cumprimento dos próprios deveres do ofício.
PM-DF teria se omitido de conter invasões, diz PGR
Segundo a PGR, as provas já identificadas e reunidas durante os últimos oito meses de investigações "apontam para a omissão dos envolvidos". Os militares da PM-DF "concorreram para a prática das condutas criminosas [invasão e depredação] abstendo-se de cumprir os deveres de proteção e vigilância que lhes são impostos [pela legislação], diz a petição com 196 páginas.
"Houve clara sabotagem dos altos oficiais da PMDF, que poderiam ter concebido, facilmente, um plano eficaz de defesa dos edifícios públicos", ressaltou o subprocurador.
O relatório de Santos aponta que o efetivo policial escalado para a operação por Klepter e Bezerra era de "200 homens e mulheres sem qualquer experiência policial, postos de maneira covarde pelos mais altos oficiais da PMDF para conter milhares de insurgentes dispostos a confrontos físicos".
Ainda de acordo com o subprocurador, em comunicado da PGR, foi constatada uma "profunda contaminação ideológica de parte dos oficiais da Polícia Militar do DF 'que se mostrou adepta de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais e de teorias golpistas'. Há ainda menção a provas de que os agentes - que ocupavam cargos de comando da corporação - receberam, antes de 8 de janeiro de 2023, diversas informações de inteligência que indicavam as intenções golpistas do movimento e o risco iminente da efetiva invasão às sedes dos Três Poderes".
A procuradoria aponta que os denunciados conheciam previamente os riscos e "aderiram de forma dolosa ao resultado criminoso previsível, omitindo-se no cumprimento do dever funcional de agir".
Em outro trecho da petição, a PGR aponta que a PM-DF tinha agentes de inteligência infiltrados no grupo de manifestantes que estava acampado em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, informando "com dias de antecedência, sobre os atos preparatórios para invasões aos edifícios-sedes dos Três Poderes e sobre as intenções golpistas do movimento".
"Detinham capacidade de contenção do curso causal que se dirigia aos resultados lesivos [protesto que resultou na invasão aos prédios públicos], mas, dolosamente, deixaram de exercer seus deveres legais", continuou a PGR na petição.
A capacidade de conter as invasões é expressa em outro trecho, que cita que o tenente Rafael Pereira Martins e o efetivo que comandava "permaneceram inertes" durante a tomada do prédio do STF, "permitindo a concretização do ataque ao órgão da cúpula do Poder Judiciário brasileiro".
Ainda segundo a procuradoria, foi descoberta uma troca de mensagens ao longo de sete meses entre os alvos da operação, com teor supostamente antidemocrático, com a difusão de informações sobre o segundo turno das eleições presidenciais de 2022, antes e depois do resultado. "Os mais altos oficiais da PM-DF trocaram arquivos com conteúdo inverídico sobre fraudes eleitorais, e trataram de possíveis meios ilegais de assegurar a permanência de Jair Bolsonaro na Presidência da República", completou.
Os documentos e as trocas de mensagens obtidas pela PGR contrariam a versão apresentada pelos integrantes da cúpula da PM-DF, de que o sistema de inteligência do DF falhou ao não avisar a corporação sobre o risco de invasão dos prédios dos Três Poderes.
Defesas negam acusações contra os militares
Ao Metrópoles, a defesa do coronel Vieira disse que recebeu “com estranheza” a prisão do militar, “em especial o pedido de prisão preventiva, que não encontra suporte nos fatos e não tem justificativa jurídica idônea possível”.
A defesa de Naime afirmou que “discorda do posicionamento do órgão acusador e provará, em resposta à acusação, a inexistência de qualquer conduta omissiva ou ato de conivência praticado em 8 de janeiro de 2023”.
“Pelo contrário, apesar de estar no gozo de uma dispensa-recompensa, o coronel foi convocado para se dirigir à Praça dos Três Poderes, quando o tumulto estava em estágio bastante avançado, ocasião na qual atuou nos estritos termos legais, objetivando não só proteger e zelar o patrimônio público, como também efetuou diversas prisões de vândalos”, disse em comunicado.
Já a defesa de Bezerra informou que o coronel “tem colaborado com as investigações” e que ele “sempre se colocou à disposição das autoridades para todos os esclarecimentos necessários”.
“[O coronel] havia assumido o departamento operacional interinamente e a apenas cinco dias da manifestação, tempo insuficiente para se inteirar de tudo o que se passava no Distrito Federal naquele momento. Não participou de qualquer reunião de alinhamento para planejamento tampouco teve acesso aos relatórios de inteligência e às análises de risco sobre as manifestações”, completou em nota.
Os demais militares mencionados nesta reportagem e alvos da denúncia da PGR também foram procurados, mas não se manifestaram.
Mais informações em breve.