Abin era comandada pelo atual deputado federal Alexandre Ramagem contra opositores de Bolsonaro, diz a PF.| Foto: José Cruz/Agência Brasil
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O inquérito da Polícia Federal que autorizou a quarta fase da Operação Última Milha, desencadeada na manhã desta quinta (11), aponta que membros dos Três Poderes da República e jornalistas foram espionados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), e que o órgão foi usado para proteger os filhos do ex-presidente em investigações.

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A investigação apura, desde outubro do ano passado, um suposto esquema de espionagem ilegal de pessoas públicas que eram consideradas opositoras a Bolsonaro, no período em que a agência era dirigida por Alexandre Ramagem (PL-RJ), então diretor-geral e agora deputado federal pré-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro.

De acordo com as informações do inquérito, tornadas públicas no final da manhã pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o esquema buscava “obter vantagens políticas”.

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“A continuidade das investigações também evidenciou a utilização dos recursos da Abin para monitorar autoridades dos Poderes Judiciário (ministros desta Corte e seus familiares) e Legislativo (Senadores da República e Deputados Federais), com o objetivo de obter vantagens políticas”, diz o despacho de Moraes a que a Gazeta do Povo teve acesso (veja na íntegra).

Segundo a petição, o esquema de espionagem que ficou conhecido como “Abin paralela” monitorou:

  • Judiciário: ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luis Roberto Barroso e Luiz Fux.
  • Legislativo: deputados Arthur Lira (PP-AL, presidente da Câmara), Rodrigo Maia (PSDB-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Joice Hasselmann (PSDB-SP), e os senadores Alessandro Vieira (MDB-RS), Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
  • Executivo: ex-governador de São Paulo, João Doria; os servidores do Ibama Hugo Ferreira Neto Loss e Roberto Cabral Borges; os auditores da Receita Federal Christiano José Paes Leme Botelho, Cleber Homem da Silva e José Pereira de Barros Neto.
  • Jornalistas: Mônica Bergamo, Vera Magalhães, Luiza Alves Bandeira e Pedro Cesar Batista.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, afirmou na petição ao STF que “a representação se escora em elementos indicativos de que, etre os anos de 2019 e 2022, integrantes do grupo investigado teriam instalado estrutura paralela no órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência – a Abin, destinada à implementação com viés político, em grave desacordo com os limites impostos pelas balizas do Estado democrático de Direito”.

“O somatório dos elementos informativos colhidos até o momento permitiu a identificação de inúmeras outras ações clandestinas que contaram com a participação de, ao menos, um dos dois agentes (Giancarlo e Bormevet), ou de ambos, em completo desvio da finalidade institucional da Abin”, completa a petição.

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O policial federal Marcelo Araújo Bormevet, foi segurança de Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018 e depois nomeado por Ramagem para comandar o Centro de Inteligência Nacional (CIN), da Abin. Já Giancarlo Gomes Rodrigues é um militar então cedido pelo Exército para assessorar Ramagem -- ele teria monitorado o advogado Roberto Bertholdo, próximo dos ex-deputados federais Rodrigo Maia (PSDB-RJ) e Joice Hasselmann (PSDB-SP na época).

Alvos do monitoramento

A PF também aponta no material que encontrou provas de monitoramento e vigilância dos ex-deputados Jean Willys e familiares, Rodrigo Maia e Joice Hasselmann, servidores do Ibama, jornalistas, e pessoas ligadas à “ação clandestina” de investigações de Renan Bolsonaro (filho 04 do ex-presidente), caso Marielle Franco, caso Adélio Bispo (autor da facada contra Bolsonaro em 2018).

Também “ações clandestinas contra Alexandre de Moraes, evento ‘caçar podre’ do deputado federal Kim Kataguiri e Arthur Lira, ação clandestina Sleeping Giants, [...] Instituto Sou da Paz, exposed funcionários do Twitter, jornalista Monica Bergamo e ex-governador João Doria, ação clandestina agência de checagem: ‘Aos Fatos’ e ‘Lupa’”, entre outras.

“Ação clandestina – Diretor da Polícia Federal Ministro Toffoli", "ações clandestinas: Senadores Renan Calheiros, Omar Aziz e Randolfe Rodrigues"; "Senador Alessandro Vieira"; "ação clandestina: Ministro Barroso vinculação Itaú e Positivo"”, completa o documento.

Reação de espionados

Entre os alvos do esquema, Kim Kataguiri era aliado de Bolsonaro e foi espionado. À Gazeta do Povo, ele contou que ficou sabendo da espionagem pela imprensa, e foi defendido pelo Movimento Brasil Livre (MBL), que era aliado.

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“Bolsonaristas vivem falando da perseguição do Judiciário, mas quando são eles com o poder na mão, fazem pior. Buscaram informações de assessores do Kim apenas para fazer ataques políticos”, disse o movimento.

Um dos coordenadores do MBL, Renan Santos, afirmou que "espionaram ilegalmente o Kim. Tentaram me prender. Tentaram prender e censurar o [Danilo] Gentili. São gente da pior espécie. Autoritários". "Irretocável a mensagem dele", completou Kataguiri à reportagem.

Já o ex-deputado Rodrigo Maia afirmou que “espionagem utilizando aparato estatal a pessoas consideradas adversárias do antigo presidente é comportamento de governo totalitário e criminoso, típico das piores ditaduras”, em entrevista à GloboNews.

Ramagem agiu para proteger filhos de Bolsonaro

Segundo a investigação da Polícia Federal, o então diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, também agiu para proteger três dos filhos de Bolsonaro.

Na apuração específica sobre um suposto tráfico de influência envolvendo Jair Renan Bolsonaro, o filho 04 do ex-presidente, a PF diz que os policiais federais sob a direção de Ramagem “utilizaram-se das ferramentas e serviços da Abin para serviços e contrainteligência ilícitos e para interferir em diversas investigações da Polícia Federal”.

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“No ano de 2021, foi instaurado pela Polícia Federal inquérito Policial Federal para apurar suposto tráfico de influência perpetrado pelo sr. Renan Bolsonaro. Entre as circunstâncias, havia a premissa do recebimento pelo investigado de veículo elétrico para beneficiar empresários do ramo de exploração minerária”, pontuou.

Em outra apuração, a PF aponta o uso da estrutura da Abin para o monitoramento de auditores da Receita Federal responsáveis pelo chamado RIF (Relatório de Inteligência Fiscal) que deu origem à investigação de 2020 que apurava o desvio de parte dos salários de funcionários da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – que ficou conhecido como “caso da rachadinha” – pelo senador Flávio Bolsonaro, com o objetivo de “’encontrar podres’ sobre os mencionados auditores’”.

“A diligência sobre os auditores responsáveis pela confecção do Relatório de Inteligência Fiscal que substanciou investigação criminal envolvendo o Senador Flávio Bolsonaro ao que indicam os vestígios encontrados foi determinada pelo Del. Alexandre Ramagem. Os fatos envolvendo diligências realizadas para supostamente beneficiarem o Senador Flávio Bolsonaro resultaram na sindicância n° 10/2020”, apontou a PF.

A investigação aponta ainda que “o Diretor da Abin, Alexandre Ramagem, parece ter faltado com a verdade em seu depoimento na condição de testemunha, pois não considerou a diligência de ‘achar podres e relações políticas’ com a confecção de dossiês dos servidores da Receita Federal”.

“A premissa investigativa ainda é corroborada pelo áudio de 01:08 (uma hora e oito minutos) possivelmente gravado pelo Del. Alexandre Ramagem no qual o então presidente Jair Bolsonaro, GSI General [Augusto] Heleno e possivelmente advogada do Senador Flávio Bolsonaro tratam sobre as supostas irregularidades cometidas pelos auditores da receita federal na confecção do Relatório de Inteligência Fiscal que deu causa à investigação”, aponta a PF indicando que seria necessário instaurar um procedimento administrativo contra os auditores para anular a investigação, além de retirá-los dos seus respectivos cargos.

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Outro filho do ex-presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), também foi beneficiado pelo esquema paralelo da Abin. A apuração da PF aponta que, quando foi determinada a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático e depoimento à CPI da Covid-19, a rede montou um esquema de desinformação contra o senador Alessandro Vieira (MDB-RS), autor dos requerimentos.

“Somente lixos [em referência ao senador]. Vamos difundir isto, Pede para marcar o CB [Carlos Bolsonaro]”, disse o policial Bormevet ao militar Giancarlo Gomes que respondeu “já estou municiando o pessoal”.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]