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Alexandre de Moraes e Jair Bolsonaro
Alexandre de Moraes e Jair Bolsonaro se cumprimentam, durante posse no TST, em 2022; anistia livraria ex-presidente das mãos do ministro| Foto: Anderson Riedel/PR

O projeto de lei que propõe a anistia para os manifestantes envolvidos no 8 de janeiro poderá, se aprovado, livrar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de uma denúncia e condenação por suposta autoria intelectual do ato, que resultou na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes. Além disso, corta pela raiz o modo de atuação do ministro Alexandre de Moraes nos inquéritos ligados ao caso no Supremo Tribunal Federal (STF).

O texto da proposta, apresentado na terça (10) pelo deputado Rodrigo Valadares (União-SE), diz que será concedido o perdão judicial “a todos que participaram de eventos subsequentes ou eventos anteriores aos fatos acontecidos em 08 de janeiro de 2023, desde que mantenham correlação com os eventos acima citados”. Bolsonaro estava nos Estados Unidos no dia do protesto, mas passou a ser investigado por publicar no dia 10 de janeiro, e depois apagar, um vídeo que questionava a isenção do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na eleição de 2022.

Com isso, os policiais federais encarregados da investigação, que se reportam a Moraes, passaram a ligar seus questionamentos às urnas eletrônicas e ao TSE a uma suposta trama para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência. A tese é de que o 8 de janeiro teria sido uma última tentativa, frustrada, de chamar as Forças Armadas para tirar Lula do poder e rever o processo eleitoral. Advogados do ex-presidente e de outros investigados consideram essas suposições absurdas, uma vez que não havia disposição da cúpula militar para ruptura.

A investigação juntou provas de reuniões de Bolsonaro com auxiliares para discutir o processo eleitoral, além da chamada “minuta do golpe”, documento encontrado com auxiliares de Bolsonaro no qual estava esboçado o texto de um decreto para instalar um estado de defesa no TSE, com o intuito de revisar a apuração dos votos na disputa presidencial.

A previsão é de que o relatório com o indiciamento de Bolsonaro seja finalizado neste mês pela Polícia Federal. Depois disso, Moraes enviará o material para a Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem cabe denunciar formalmente o ex-presidente junto ao STF, que abre o processo e julga a ação.

O projeto de lei acaba de vez com a possibilidade de punição ao ex-presidente, pois “compreende os crimes com motivação política e/ou eleitoral” ligados ao caso. Além de imunizar Bolsonaro, também beneficiaria os manifestantes, pessoas que prestaram apoio para os acampamentos que foram montados em frente aos quartéis (como no fornecimento de comida e transporte), bem como quem ajudou a divulgar esses atos nas redes sociais.

O perdão, no entanto, não seria concedido para pessoas que, comprovadamente, tenham atentado contra a vida de outras, causado ferimentos ou causado incêndios na manifestação. Aqueles que danificaram o patrimônio público também seriam punidos, com pena de até 3 anos de prisão.

Com isso, o projeto não isenta totalmente muitos que já foram condenados no STF, mas retira deles as penas mais graves, ligadas a crimes contra o Estado Democrático de Direito (abolição violenta e tentativa de golpe), bem como associação criminosa.

Nova lei poderá deixar Moraes fora das investigações

Outro efeito importante da lei proposta é a retirada dos inquéritos e ações penais do caso da alçada do STF e, portanto, do controle de Alexandre de Moraes. As medidas que ele já tomou nos processos seriam extintas – tais como prisões preventivas, retenção de passaportes, monitoramento com tornozeleira eletrônica, além de remoção de postagens e bloqueio de perfis em redes sociais, “que limitem a liberdade de expressão e manifestação de caráter político e/ou eleitoral”.

Pelo projeto de lei, os casos que ainda restassem no STF deveriam ser remetidos à primeira instância, uma vez que seriam anistiados alguns deputados, que ainda respondem ao inquérito na Corte, pelo fato de terem divulgado imagens no dia das invasões.

O projeto, além disso, prevê a criminalização de juízes – Moraes ou outros que venham a conduzir os casos – por abuso de autoridade, caso iniciem ou deem sequência a investigações sobre crimes contra a democracia envolvendo o 8 de janeiro.

A própria forma como Moraes enquadrou os manifestantes seria extinta pela lei proposta. O projeto acaba com a figura do “crime multitudinário”, novidade criada pela PGR nos processos para punir, de forma quase indistinta, todos que foram flagrados dentro ou perto dos prédios invadidos, mesmo que sem prova de que queriam derrubar o governo. Eles foram enquadrados por fazer parte de uma “multidão” que, segundo o órgão, teria esse propósito.

Aqueles que prestaram apoio material ou logístico só seriam punidos por crimes contra a democracia caso se prove a intenção de causar, com esse suporte, uma ruptura institucional.

Os próprios crimes contra a democracia exigiriam que os atos contra as instituições se materializassem por meio de grave ameaça ou violência “contra a pessoa”. Essa expressão não está na lei atual e permitiu que os manifestantes fossem condenados mesmo alegando que estavam desarmados e que os prédios invadidos estavam vazios, sem autoridades presentes – deputados, senadores, ministros, etc. – que pudessem ser vítimas diretas de atentados físicos.

Anistia ampla está proposta na lei

Para o advogado Matheus Falivene, doutor e mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a anistia proposta seria ampla, por alcançar também manifestantes que acamparam em frente a quartéis espalhados pelo país e até comentaristas políticos investigados por suposto estímulo a esses atos na imprensa e nas redes.

Ele chama a atenção para a possibilidade de punição, por abuso de autoridades, de magistrados que tentem driblar a anistia. “Tal disposição tem como provável finalidade evitar com que autoridades, especialmente ministros do Supremo Tribunal Federal, possam dar continuidade ou iniciar novas investigações sobre esses fatos. Além disso, a forma como o projeto está redigido visa evitar que ocorram discussões sobre a sua constitucionalidade, como a que ocorreu com relação à graça concedida pelo então presidente da República, Jair Bolsonaro, ao deputado Daniel Silveira”, diz o advogado.

Georges Humbert, doutor e mestre em Direito pela PUC-SP, observa que é próprio das leis de anistia tentar promover “pacificação, estabilização das relações, fins de guerras e de conflitos, para a reconciliação de uma nação, um continente, ou mesmo todo a geopolítica internacional”. “No direito brasileiro e no internacional, foi incorporado às constituições democráticas como instrumento para a concessão de perdão estendido pelo governo a um grupo ou classe de pessoas, indistintamente, geralmente por terem feito parte de movimentos, grupos, partidos, embates, lutas, conflitos, enfim, daqueles que tiveram atividades consideradas ofensas, litígios, desvios políticos jurídicos”, afirma.

Humbert diz que isso vale para casos ainda não julgados em definitivo, como é o caso de Bolsonaro e seus auxiliares mais próximos, que ainda estão sendo investigados. Ele ressalva, no entanto, que seria preciso descrever, de forma mais precisa, quais “eventos correlatos” ao 8 de janeiro seriam abarcados pela anistia.

Rafael Paiva, advogado criminalista, mestre e professor de Direito Penal, afirma que, em caso de aprovação da lei, ainda subsistiria a possibilidade de o próprio STF analisar sua constitucionalidade e, com isso, eventualmente derrubar a validade dela.

“Há que se ter, de qualquer forma, uma provocação, por exemplo, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, eis que o Judiciário não pode agir de ofício nesses casos. Importante esclarecer que as leis de anistia, por mais absurdas ou polêmicas que possam parecer, são instrumentos legislativos válidos e previstos na Constituição Federal. Um argumento que poderia ser usado pelo STF para declarar a Lei de Anistia Inconstitucional, como já vem sendo ventilado, é o chamado desvio de finalidade, ou seja, a comprovação de que a aprovação do projeto não se deu como resultado do trabalho legislativo, mas sim como uma ‘troca de favores’”, diz Paiva.

A tese do desvio de finalidade já começou a ser ensaiada dentro do próprio STF, a partir de declarações de parlamentares da direita que estão condicionando o apoio a candidatos à presidência da Câmara ao avanço do projeto.

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