| Foto: Foto: Alan Santos, assessoria do deputado
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Pelo menos seis projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional querem tornar mais transparente e restringir o financiamento de organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras que recebem recursos estrangeiros. Muitas dessas organizações recebem suporte de fundações internacionais como a do bilionário George Soros, a Open Society Foundations, que fomenta ações de cunho progressista e internacionalista em diversos países.

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Esses projetos se propõe a proteger a soberania nacional, evitando, por exemplo, que ONGs travem "guerras jurídicas" para impedir a construção de estradas e infraestrutura na Amazônia ou promovam ações de propaganda em redes sociais ou filmes para tentar influenciar a sociedade para aceitar ações afirmativas, como política de cotas em instituições públicas e privadas, ou ataques a valores conservadores.

Por outro lado, os mesmos projetos têm grande potencial para criar um dilema moral para a oposição. Isso porque eles têm grande potencial para violar a liberdade de expressão e minar valores caros ao liberalismo político e econômico. Isso pode ocorrer na medida em que a tentativa de controle dessas organizações da iniciativa privada pelo Estado pode ser considerado uma ação autoritária, segundo analistas ouvidos pela reportagem. Pela visão liberal, a direita e a oposição deveriam promover suas próprias organizações ao invés de tentar usar o Estado para censurar visões contrárias às suas convicções.

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Uma legislação similar se tornou foco da imprensa internacional nesta semana por ter deflagrado uma onda de protestos na Geórgia, um país do leste europeu. O Parlamento georgeano aprovou uma legislação apelidada de "Lei da Rússia", pela qual organizações privadas que recebam mais de 20% de seus recursos do exterior têm que se registrar no governo como "agentes estrangeiros". O nome "Lei da Rússia" vem do fato de Moscou ter aprovado lei similar em 2012 e usado a legislação para calar críticos do Kremlin de forma autoritária.

O partido georgeano que propôs a lei se queixa de que organizações locais estariam recebendo dinheiro para promover valores ocidentais no país, que no passado foi dominado pela União Soviética. Mas essa nova legislação cria empecilhos para a entrada da Geórgia na União Europeia e por isso milhares de pessoas foram às ruas durante semanas e entraram em confronto com a polícia ao protestar contra sua aprovação.

Projeto do deputado Filipe Barros quer limitar financiamento internacional

Dentre as propostas sobre o tema, o mais recente é o Projeto de Lei 1659/2024, apresentado pelo líder da oposição na Câmara dos Deputados, Filipe Barros (PL-PR). Ele impede que países e partidos políticos estrangeiros financiem a atuação de ONGs no Brasil. Ainda, propõe uma limitação no valor de 100 salários mínimos (cerca de R$ 140 mil) para que pessoas físicas ou jurídicas de outros países façam doações para organizações brasileiras. O texto do projeto diz ainda que será preciso que as ONGs especifiquem a destinação dos recursos que vão receber para que tenham direito a operar com os valores.

A proposta do deputado Filipe Barros, chamada por ele de “PL da Soberania Nacional”, promete acabar com a interferência de países estrangeiros em assuntos estratégicos para o Brasil. No texto, Barros lista como estratégicas as áreas de energia, transportes, telecomunicações, armamentos, indústria aeroespacial, extração de recursos naturais, saneamento, biotecnologia e medicamentos.

Filipe Barros afirmou durante o programa Assunto Capital, da Gazeta do Povo, que seu projeto é diferente da Lei da Rússia e visa proteger o Brasil. “É para a proteção do nosso país, da nossa soberania nacional diante dos ataques que nós estamos vivendo, ao longo dessas últimas décadas, de países que tem interesse no não desenvolvimento no nosso país, atuando por meio de ONGs”, disse ele. Clique aqui e veja a entrevista completa do deputado.

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Os projetos que tramitam na Câmara dos Deputados preveem a obrigação para que ONGs declarem recursos recebidos do exterior, a criação de uma lei de transparência específica para as ONGs e de um cadastro nacional das organizações.

Os cinco projetos, incluindo o de Barros, devem ser analisados em conjunto nas comissões de Administração e Serviço Público (CASP), de Finanças e Tributação (CFT) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). O relator na primeira comissão, deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), foi designado recentemente e ainda não apresentou parecer sobre a proposta.

Um sexto projeto que está sendo analisado no Senado foi elaborado durante os trabalhos da CPI das ONGs. Ele estabelece regras de transparência e governança que devem ser observadas pelas organizações além de vedar a participação de servidores públicos nas ONGs. A proposta terá que ser analisada por duas comissões e ainda não tem relator.

Deputado diz que partidos se beneficiam diretamente de ações de ONGs

Na entrevista, Barros destacou ainda que partidos políticos seriam financiados por ONGs que recebem dinheiro do exterior e a forma como isso tem efeitos no país. "Um exemplo recente é a discussão sobre a exploração [de petróleo] da margem equatorial. A ministra Marina Silva - que é ligada à diversas ONGs - por meio do Ibama, que é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, disse que a Petrobrás não poderia explorar o petróleo na margem equatorial. Ao mesmo tempo, diversas ONGs entraram na Justiça para impedir a exploração. Ou seja, as ONGs atuando como braço de uma política - a ministra Marina Silva - que tem uma pauta, que não é a do desenvolvimento nacional", disse o deputado.

A ligação da ministra do Meio Ambiente Marina Silva com ONGs já foi alvo de convocação durante a CPI das ONGs. Os senadores questionaram o fato de a ministra ser conselheira honorária do Instituto de Pesquisa Ambiental (Ipam) e do mesmo ter recebido recursos do Fundo Amazônia. Ao responder, Marina afirmou que não tinha função administrativa na diretoria do Ipam e que os projetos do Fundo Amazônia teriam sido aprovados depois de ela sair da pasta.

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Barros mencionou ainda a atuação de ONGs durante os debates do chamado PL da Censura. Segundo ele, um instituto do youtuber Felipe Neto, que recebe doações do bilionário George Soros e outras fundações internacionais, teria sido responsável por incentivar a censura no Brasil por meio de estudos usados pelo Supremo que apontavam os perfis que deveriam ser punidos. Neste caso, a atuação das ONGs teria servido aos interesses do Partido dos Trabalhadores (PT). "Serviu para o PT alimentar, ou retroalimentar, esses inquéritos das fake news que nós estamos vendo nos últimos anos", disse o deputado.

A ONG de Felipe Neto, chamada Instituto Vero, é voltada à pesquisa, campanhas e projetos ligados ao “combate à desinformação”. O Instituto Vero já recebeu pelo menos 250 mil dólares da Open Society, comandada por Soros. Recentemente, um ex-coordenador da ONG de Felipe Neto foi contratado pelo STF para o setor de “combate à desinformação”.

Com a repercussão do caso, Felipe Neto disse ter orgulho da ONG e confirmou a “contribuição” financeira de George Soros ao instituto. “O Instituto Vero realiza um trabalho incrível e sinto imenso orgulho. Do meu bolso, aportei mais de R$ 1 milhão. Várias outras entidades contribuíram, incluindo a Open Society, do George Soros. Esperneiam os fascistas, enquanto a gente trabalha”, escreveu Neto em seu perfil na rede social X.

Projetos que tramitam no Congresso podem ser tentativa indevida de controle

Advogados e juristas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que as limitações impostas às ONGs podem ser subjetivas e acabar gerando interpretações divergentes. Essas propostas debatem de forma geral se as organizações privadas podem ou não receber qualquer tipo de apoio internacional, seja ele financeiro ou não, por meio de publicidade, vindo de partido político estrangeiro ou organismo internacional ligado a governo estrangeiro.

Para o advogado e consultor, Antônio Fernando Pinheiro Pedro, do think tank Iniciativa Dex, a proposta pode ser considerada antidemocrática. "É uma tentativa do Estado de controlar as organizações civis. É um atentado à democracia. No que tange às ONGs, é uma tentativa de controle indevida", disse Pinheiro Pedro.

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O advogado constitucionalista, André Marsiglia, aponta também para subjetividades nas propostas, que podem gerar "interpretações políticas". "O que vai determinar essa ligação de organismos internacionais com governos estrangeiros mencionada na proposta?", questionou o advogado. Uma dessas ligações é o recebimento de recursos do exterior. Marsiglia disse que há outras possibilidades de ligação, como por exemplo a veiculação de publicidade e propaganda em canais de comunicação.

O constitucionalista destacou ainda o trecho do projeto de Filipe Barros que trata do impedimento de participação de ONGs em "qualquer campanha por modificação da legislação brasileira". Para ele, é difícil ponderar essas campanhas e delimitar a atuação mencionada, já que seria possível interpretar que até mesmo opiniões e pareceres emitidos por ONGs que defendem liberdade de expressão poderiam gerar o impedimento das organizações.

Outra ponderação se deve ao trecho da proposta que permite que o Congresso Nacional proíba a atuação de ONGs que não cumprirem a lei. “Exigir que o Parlamento aprove os investimentos feitos pode inviabilizar e acabar com a isonomia”, alertou Marsiglia.

Como ONGs tentam impedir desenvolvimento da Amazônia

Na prática, as propostas em tramitação podem barrar ONGs que hoje atuam para parar obras de infraestrutura como é o caso da BR 319, no Amazonas, por exemplo. Hoje, um conjunto de ONGs ambientalistas, muitas delas financiadas por recursos estrangeiros, elaboram estudos que apontam para os problemas que a repavimentação da estrada podem causar.

Os estudos apontam possibilidade de aumento de desmatamento, queimadas e até mesmo para o surgimento de novas pandemias. Além de estudos, as ONGs também atuam junto ao Ministério Público Federal e ao Supremo Tribunal Federal questionando licenciamentos ambientais e buscando liminares para suspender obras e paralisar editais.

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Proposta deve passar por aprimoramentos para garantir proporcionalidade às ONGs 

Dentre os pontos que preocupam os analistas, está o fato de o projeto ter o potencial de inviabilizar a “mera existência” das ONGs. A proposta quer estabelecer um “regime de salvaguarda de ativos estratégicos essenciais”, blindando-os contra os investimentos estrangeiros.

Ao restringir as ONGs que atuam em “ativos estratégicos essenciais para garantir a defesa e soberania nacional”, embora as áreas sejam apontadas na proposta, a interpretação sobre a forma com que a atuação se dá, pode ser “muito aberta”. “Me preocupa o olhar desconfiado para a sua mera existência, como se todas elas [ONGs] fossem potencialmente perigosas”, avalia o advogado constitucionalista, André Marsiglia.

A jurista Vera Chemim ratifica a visão de Marsiglia e aponta que restringir demais não é bom. “É preciso respeitar o princípio da proporcionalidade e se limitar a regulamentar as ONGs. A Constituição prevê controle, mas não hostilização dos recursos estrangeiros”, disse a jurista.

Para Pinheiro Pedro, da Iniciativa Dex, a proposta apresentada no Brasil não será capaz de acabar com a “farra das ONGs” ou de garantir que a soberania nacional seja preservada. “A impressão que eu tenho é que isso vai acabar facilitando com que qualquer ONG que resolva fazer alguma crítica a uma política pública do governo ou alguma ação governamental pode, de repente, estar sujeita a sofrer algum tipo de retaliação fiscalizatória”.