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O Partido Liberal (PL), do presidente Jair Bolsonaro, vai apoiar formalmente a reeleição de Arthur Lira (PP-AL) como presidente da Câmara dos Deputados, mas isso pode ser insuficiente para impedir um deputado da legenda de lançar uma candidatura avulsa. Inconformados com a possibilidade do PT compor o mesmo bloco partidário de apoio à reeleição, duas alas do partido estudam a hipótese de marcar posição na eleição da Mesa Diretora, ainda que a contragosto de Lira.
O PL encontra-se dividido em três alas. A primeira e mais numerosa é composta por quadros mais pragmáticos e menos ideológicos. Alguns deles até são favoráveis a discussões sobre uma composição do partido com o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Entre seus membros, destacam-se os deputados federais Altineu Côrtes (RJ), o líder do partido, e Lincoln Portela (MG), 1º vice-presidente da Câmara.
Uma segunda ala do PL é composta por deputados que desejam montar uma oposição conservadora ao futuro presidente e marcar posição no jogo político, mas de maneira independente e descolada da imagem de Bolsonaro. O expoente desse grupo é o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP).
A terceira ala é formada por deputados eleitos e reeleitos da base mais fiel a Bolsonaro, que reúne parlamentares dispostos a defender não apenas as bandeiras conservadoras, mas também o legado da atual gestão. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente, é um dos expoentes.
Deputado Orleans e Bragança é o mais cotado
Entre as duas alas que querem marcar oposição ao PT, o deputado Orleans e Bragança é o mais cotado para assumir a candidatura avulsa do partido. Porém, o grupo mais fiel a Bolsonaro ainda tenta viabilizar um nome e não descarta uma candidatura para defender o legado do atual governo federal.
À Gazeta do Povo, Orleans e Bragança esclarece que não há uma candidatura confirmada, mas afirma que há sondagens e conversas sobre a disputa pela presidência da Câmara, inclusive com alguns deputados da ala mais ligada a Bolsonaro, mesmo que sem apoio formal da presidência do PL. O parlamentar explica que a ideia de candidatura atende a um grupo de deputados que deseja uma "cara nova".
"Alguém que vai proteger o parlamentar e respeitar o regimento e o poder soberano da Câmara sem fazer o 'toma lá da cá'", afirma. "A ideia é a gente defender a Câmara e não entrar no jogo de vender o poder Legislativo para o Executivo, que tem sido a tradição, e, agora, recentemente, a de vender ao Judiciário. A Ordem do Dia de qualquer candidato à [presidência da] Câmara, de qualquer vertente, é de resgatar a soberania da Câmara e a proteção dos parlamentares", complementa.
O deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) admite a hipótese de uma candidatura avulsa e seu apoio à ideia. "Não posso dar muitos detalhes, mas é grande a possibilidade de deputados contrários ao PT não aceitarem o Lira junto com o PT e o PL", afirma. Vice-líder do partido, ele diz que não há um nome definido para a disputa, mas reconhece Orleans e Bragança como uma possibilidade. "Tem o mês de janeiro ainda inteiro para decidir isso", comenta.
Bibo pondera que é democrático e que os deputados têm direito de apresentar uma alternativa a Lira. "Eu, por exemplo, não me sinto bem estando junto com o PT em uma eleição. E assim como eu, outros também. Estamos estudando a possibilidade", conclui.
Além da contrariedade sobre o partido estar no mesmo bloco que o PT na eleição da Mesa Diretora da Câmara, deputados do PL também sustentam que uma candidatura avulsa seria uma forma de cobrança a Lira. "Alguns estão insatisfeitos com o Arthur [Lira] não por questão orçamentária, mas porque estão sentindo ele muito passivo e pacífico nas questões envolvendo o STF [Supremo Tribunal Federal]", diz um deputado da ala pragmática que preferiu não ter seu nome divulgado.
Ao todo, 56 deputados do PL assinaram o requerimento que propõe a instituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar censura e atos de abuso de autoridade cometidos por ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mesmo com o número de assinaturas mínimo alcançado, Lira descartou instalar a comissão nesta legislatura, que termina em 1º de fevereiro de 2023, alegando falta de tempo hábil para os trabalhos.
Quais os impactos da divisão do partido e o que esperar da sigla em 2023
Mesmo dividido, a tendência é que o PL caminhe para a próxima legislatura com uma postura de oposição construtiva. Em respeito às alas conservadoras, a legenda vai ter uma postura crítica a Lula, mas não fará oposição cega a quaisquer propostas e medidas defendidas pela gestão petista.
Por esse motivo, o ambiente no partido é até positivo. No grupo do PL no WhatsApp, mesmo integrantes do grupo mais fiel a Bolsonaro não são censurados ou criticados pela ala pragmática por suas manifestações sobre ter uma candidatura à presidência da Câmara.
"Ninguém alimenta o assunto, não tem nem contra-argumento, apenas deixam no vácuo, não tem aquela coisa de 'não, pera aí, vamos conversar para ter coesão'. Não tem debate nesse molde, diria até que há um respeito mútuo", diz um deputado da ala que defende uma agenda conservadora descolada de Bolsonaro.
A Gazeta do Povo conversou com cinco deputados do PL — sendo ao menos um de cada ala — sobre a divisão da legenda, suas percepções e o que esperar do posicionamento do partido para a eleição da Mesa Diretora e ao longo da legislatura. A maioria deles assume, porém, que o partido tem um acordo para apoiar a candidatura de Lira.
O compromisso foi costurado entre Lira, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, e o presidente nacional licenciado do PP, Ciro Nogueira, atual ministro-chefe da Casa Civil. Como contrapartida à reeleição na Câmara, o Partido Progressistas apoiará a candidatura do senador eleito Rogério Marinho (PL-RN) à presidência do Senado e o deputado Lincoln Portela (PL) mantém sua recondução à vice-presidência.
Deputados avaliam possíveis retaliações de Lira e PL
Embora a possibilidade de candidatura avulsa de um deputado do PL não gere desconforto, deputados da ala conservadora e pragmática acreditam que o cenário poderia mudar caso Lula e o PT descumpram o acordo de apoiar a reeleição de Lira e lancem ou apoiem alguma candidatura.
A aprovação da PEC fura-teto na Câmara consolidou um compromisso de apoio de Lula e dos partidos de sua base direta de apoiar a recondução de Lira. Porém, um deputado do PL afirma que o nome do deputado federal eleito Eunício Oliveira (MDB-CE), ex-presidente do Senado, é ventilado nos bastidores, ainda que o presidente nacional emedebista, Baleia Rossi (SP), tenha afastado a hipótese após sondagens de dirigentes partidários.
A possibilidade de uma candidatura avulsa do PL nesse contexto poderia ameaçar as chances de recondução de Lira. "Se o candidato for o Bragança, aí teremos um problema objetivo, porque ele é agregador, tem bom trânsito com toda a direita. Bem ou mal, ele poderia arrastar pelo menos uns 25 ou 30 votos, e se o PT apoiar algum candidato isso pode fazer com que o resultado acabe indo para o segundo turno", analisa um dos deputados ouvidos pela reportagem.
Outro deputado do PL endossa que uma candidatura de Orleans e Bragança poderia ser uma ameaça para Lira pelo seu perfil político. "Ele não vai usar uma candidatura para barganhar, porque ele não é esse tipo de político de ensaiar uma candidatura e recuar para negociar espaços", diz. "Mas ele tem bom senso. Se ele perceber que a candidatura dele pode constituir uma ameaça para o Lira e ajudar o Eunício, ele retira, não é um cara movido pelo poder", complementa.
Caso Lira não enfrente um adversário com possibilidade de ameaça para sua recondução, a análise feita no PL é de que ele apenas faria vista grossa e não haveria retaliações. Na hipótese de um candidato criar entraves para sua recondução e ele ser reeleito, a previsão feita por parlamentares é de retaliações de Lira e do partido.
A especulação feita no PL é de que, em caso de represália, Lira deixaria de distribuir relatorias, votar requerimentos de urgência e inserir na ordem do dia projetos dos grupos que o contrariam. Já uma possível retaliação do PL viria por meio da exclusão de quadros políticos conservadores de comissões permanentes importantes e não encaixá-los em acordos para as presidências desses colegiados.
O deputado Luiz Philippe Orleans e Bragança calcula ter o apoio de 30 deputados e acredita que o número possa ser até maior. Ele afirma que não tem a intenção de usar uma possível candidatura para negociar espaços e tampouco se diz preocupado com possíveis retaliações.
"Pessoas como nós, ideologicamente contrários ao governo, não teríamos amplitude dentro da Câmara [com a reeleição de Lira]. Não tem expectativa nenhuma de ter relatórios, pautas, de ter comissões. Isso já perdemos, já estamos perdidos. O Lira trabalhou ativamente para aprovar a PEC da gastança", diz Orleans e Bragança.