Integrantes e aliados do Palácio do Planalto se mobilizam nos bastidores para tentar amenizar os efeitos das falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) nos últimos dias. Com a repercussão negativa para o governo, Lula se reuniu nesta sexta-feira (24) com ao menos oito ministros e diversos líderes do Congresso Nacional para discutir os efeitos da crise para o Executivo. Uma das estratégias será usar a viagem à China para tirar o foco das declarações de Lula, as quais foram classificadas como "desastrosas" por interlocutores do próprio PT.
Na quinta-feira (23), durante uma agenda no Rio de Janeiro, o petista chegou a sugerir que a operação da Polícia Federal para desmontar um plano do Primeiro Comando da Capital (PCC) contra autoridades, incluindo Moro, seria uma "armação" por parte do senador.
"Acho que é mais uma armação do Moro. Eu vou descobrir o que aconteceu porque é visível que é uma armação do Moro”, disse o petista.
Porém, documentos do processo que levou à prisão de 11 integrantes do PCC nesta semana trouxeram provas concretas de que havia uma célula da facção armada e pronta para sequestrar ou matar o senador e seus familiares. Os policiais obtiveram provas materiais de que criminosos rondaram a casa de Moro e até alugaram imóveis para vigiar seus passos e de sua família.
Ficou evidente que não se tratava de armação, mas de um plano elaborado para calar o senador. Tratava-se de vingança pelo fato de Moro, quando era ministro da Justiça, ter introduzido medidas que reduziram muito a capacidade das lideranças do PCC, que cumprem penas em presídios federais, se comunicarem com seus com seus subalternos nas ruas.
Reservadamente, líderes do PT avaliaram que a fala do presidente foi "desastrosa" e que Lula cometeu um "ato falho" ao repercutir o assunto. Antes de Lula comentar o tema, aliados do Planalto tentavam emplacar a narrativa de que a operação da PF mostrou que a corporação estaria atuando de forma "republicana" durante o governo petista.
Líder do governo no Congresso Nacional, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), chegou a acusar Moro de tentar politizar o episódio. “O senador Moro tinha conhecimento das investigações da Polícia Federal. Tentar politizar esse tema é mau-caratismo. A PF, sob o comando do presidente Lula, atuou de forma republicana para proteger a vida de um opositor que o levou ilegalmente e injustamente à prisão”, disse Rodrigues no dia anterior a fala de Lula.
Na mesma linha, o senador Humberto Costa (PT-PE) chegou a dizer que Lula tinha "salvado" Moro. "A PF de Lula salvou a vida de Moro. E essa operação prova por A mais B que Lula governa para todos", escreveu o petista nas redes.
Planalto vai investir na agenda de Lula na China para amenizar crise contra Moro
A reunião ministerial desta sexta estava prevista para ocorrer ainda pela manhã no Palácio do Planalto, mas foi adiada depois que o petista foi diagnosticado com um quadro de pneumonia leve. No encontro, que ocorreu no Palácio da Alvorada, Lula ouviu de seus auxiliares que é preciso mudar a narrativa do governo para amenizar os efeitos da declaração contra o senador pelo Paraná.
De acordo com interlocutores do governo, a pauta principal do encontro na residência oficial da Presidência foi para tratar sobre o impasse entre a Câmara e o Senado sobre a tramitação das medidas provisórias no Congresso. Mas os efeitos sobre as falas contra Moro também foram discutidos pelos auxiliares do petista.
Lula foi aconselhado por seus ministros a usar a viagem à China para amenizar as críticas da oposição. A avaliação é de que o petista vai precisar explorar ao máximo a agenda no país asiático para sobrepor a repercussão negativa das falas contra Moro. Lula deveria embarcar para Pequim ainda neste sábado (25), mas adiou para domingo (26) para tratar do seu quadro de saúde.
Segundo o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, Lula "está bem" e a viagem para a China está mantida. "Foi um início de pneumonia, que está sendo tratada", disse Macêdo, que esteve entre os integrantes da reunião no Alvorada.
Fala de Lula contra Moro provocou reações dentro da Polícia Federal
Além das críticas por parte dos integrantes da oposição, as falas de Lula sobre a suposta "armação" de Moro provocaram reações negativas para o Planalto dentro da Polícia Federal. O trabalho de investigação sobre o plano do PCC contra as autoridades contou com o apoio do Ministério Público Federal (MPF) e a operação contra os suspeitos teve autorização da Justiça.
Em nota, a Associação de Delegados da Polícia Federal manifestou apoio ao trabalho dos investigadores. "As investigações foram conduzidas com cautela, responsabilidade e amparo na lei, sendo obtido, certamente, forte arcabouço probatório no curso do Inquérito Policial", destacou.
Além das acusações contra Moro, Lula chegou a questionar a atuação da juíza Gabriela Hardt, responsável por autorizar os pedidos de prisões contra os integrantes do PCC. Hardt substituiu o próprio Moro na Operação Lava Jato, quando o ex-juiz pediu exoneração do cargo, no fim de 2018, para assumir o Ministério da Justiça no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A magistrada chegou a condenar Lula a 12 anos de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva no caso do Sitio de Atibaia. As decisões da juíza acabaram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou o foro do Paraná incompetente para julgar Lula.
"Eu vou pesquisar e saber o porquê da sentença, parece que a juíza não estava nem em atividade quando deu o parecer para ele. Mas isso a gente vai esperar”, disse Lula. Após a fala do petista, Hardt retirou o sigilo das investigações e revelou os detalhes sobre os planos do PCC contra a vida de Moro e de outras autoridades.
Investigações deram detalhes do plano do PCC contra Sergio Moro
Para contornar a crise provocada, o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta (PT), disse que a declaração de Lula a respeito da ação da PF não tinha o intuito de questionar o trabalho da instituição, mas sim “o conjunto de coincidências” envolvendo atores da Lava Jato no caso e o “método” de repercussão utilizado por Moro ao comentar a operação. As críticas também se referem ao “timing” da decisão que revelou o plano de sequestro do senador.
Paralelamente, Pimenta criticou a decisão da juíza de retirar o sigilo das investigações sobre o caso. “Gabriela Hardt acaba expondo as investigações e, consequentemente, atrapalhando-as, já que as apurações seguem em curso e tratam de um tema sensível, que é o das organizações criminosas. Seu objetivo foi ajudar a PF?”, questionou Pimenta.
Em nota, a Justiça Federal do Paraná, órgão que responde pela juíza Gabriela Hardt, afirmou que a retirada do sigilo do processo foi um pedido do delegado que conduz as investigações, protocolado nos autos às 14h da quinta-feira.
“Contudo, por cautela, a juíza federal designada para atuar no caso, entendeu melhor manter o nível de sigilo 1, por segurança dos investigados e vítimas, autorizando a divulgação apenas das representações policiais e das decisões que autorizaram as prisões e as buscas, bem como o termo de audiência de custódia”, diz a nota.
Provas entregues pela PF à Justiça do Paraná apontam que não apenas Moro se encontra na mira do PCC, mas também seus filhos e sua mulher, a deputada federal Rosângela Moro (União Brasil-SP). Segundo Gabriela Hardt, as provas indicam que "atos criminosos estão efetivamente em andamento" em Curitiba.
Planalto acredita que Moro ganhou projeção política
Além da fala sobre a "armação", Lula já havia sido alvo de questionamentos ao dizer durante uma entrevista ao site Brasil 247 que "só ia ficar bem quando f. com o Moro". Desde então, o Planalto já havia montado uma operação para tentar frear a repercussão negativa.
“De vez em quando um procurador entrava lá de sábado, ou de semana, para visitar, se estava tudo bem. Entrava três ou quatro procuradores e perguntava: ‘Tá tudo bem?’. Eu falava: ‘Não está tudo bem. Só vai estar bem quando eu f**** esse Moro’. Vocês cortam a palavra ‘f****’ aí…”, disse Lula na entrevista.
O ministro Paulo Pimenta chegou a convocar uma coletiva de imprensa às pressas na tentativa de explicar os xingamentos do presidente a Moro. “O que gera o questionamento foi esse conjunto de coincidências, fatos, que acabam trazendo revolta e toda uma memória sobre um método que foi utilizado contra ele (Lula) várias vezes, com os mesmos personagens. Muito mais do que como presidente, mas como ser humano, é natural o sentimento de indignação”, disse Pimenta.
Reservadamente, líderes petistas avaliam que Moro ganhou projeção política diante das falas "desastrosas" de Lula. No entanto, acreditam que o senador não tem capital político para liderar a oposição contra o governo.
Até o momento, pelo menos seis pedidos de impeachment contra Lula já foram protocolados na Câmara, sendo metade por conta de suas declarações contra Moro. Apesar disso, a avaliação dos petistas é de que os pedidos não devem avançar dentro do Congresso Nacional.
Na quinta-feira (23), o senador rebateu as declarações de Lula e disse que o presidente dá “risada de família ameaçada pelo crime”.
"Fui surpreendido com uma fala do presidente da República que simplesmente riu das ameaças a mim e a minha família. Ele [Lula] chegou a sugerir que poderia ser uma armação da minha parte. Eu repudio veementemente essas afirmações", disse Moro.
Grupo de advogados endossa acusações de Lula contra Moro
Paralelamente a estratégia dos integrantes do Planalto, o grupo Prerrogativas, que é composto por advogados, juristas e defensores públicos, elaborou uma nota em que endossa as acusações de Lula contra Moro. O grupo conta com integrantes simpáticos ao PT e críticos ao trabalho da Lava Jato.
"Nós sabemos o que o Moro fez no verão passado. Natural, pois, que haja suspeitas sobre o seu comportamento neste episódio. No mais, a participação da juíza 'corta-cola-copia' é mais um elemento de reforço para as dúvidas lançadas exclusivamente sobre o momento da deflagração da bem-sucedida operação em questão", disse.
O grupo jurídico ainda defende que o presidente petista não questionou o mérito e a necessidade das investigações e das medidas protetivas. "Isto é o que realmente importa", diz a nota, que tece elogios à PF, ao Ministério Público e ao Ministério da Justiça.
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