Presidente Luiz Inácio Lula da Silva| Foto: EFE/Antonio Lacerda
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Integrantes e aliados do Palácio do Planalto se mobilizam nos bastidores para tentar amenizar os efeitos das falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) nos últimos dias. Com a repercussão negativa para o governo, Lula se reuniu nesta sexta-feira (24) com ao menos oito ministros e diversos líderes do Congresso Nacional para discutir os efeitos da crise para o Executivo. Uma das estratégias será usar a viagem à China para tirar o foco das declarações de Lula, as quais foram classificadas como "desastrosas" por interlocutores do próprio PT.

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Na quinta-feira (23), durante uma agenda no Rio de Janeiro, o petista chegou a sugerir que a operação da Polícia Federal para desmontar um plano do Primeiro Comando da Capital (PCC) contra autoridades, incluindo Moro, seria uma "armação" por parte do senador.

"Acho que é mais uma armação do Moro. Eu vou descobrir o que aconteceu porque é visível que é uma armação do Moro”, disse o petista.

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Porém, documentos do processo que levou à prisão de 11 integrantes do PCC nesta semana trouxeram provas concretas de que havia uma célula da facção armada e pronta para sequestrar ou matar o senador e seus familiares. Os policiais obtiveram provas materiais de que criminosos rondaram a casa de Moro e até alugaram imóveis para vigiar seus passos e de sua família.

Ficou evidente que não se tratava de armação, mas de um plano elaborado para calar o senador. Tratava-se de vingança pelo fato de Moro, quando era ministro da Justiça, ter introduzido medidas que reduziram muito a capacidade das lideranças do PCC, que cumprem penas em presídios federais, se comunicarem com seus com seus subalternos nas ruas.

Reservadamente, líderes do PT avaliaram que a fala do presidente foi "desastrosa" e que Lula cometeu um "ato falho" ao repercutir o assunto. Antes de Lula comentar o tema, aliados do Planalto tentavam emplacar a narrativa de que a operação da PF mostrou que a corporação estaria atuando de forma "republicana" durante o governo petista.

Líder do governo no Congresso Nacional, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), chegou a acusar Moro de tentar politizar o episódio.  “O senador Moro tinha conhecimento das investigações da Polícia Federal. Tentar politizar esse tema é mau-caratismo. A PF, sob o comando do presidente Lula, atuou de forma republicana para proteger a vida de um opositor que o levou ilegalmente e injustamente à prisão”, disse Rodrigues no dia anterior a fala de Lula.

Na mesma linha, o senador Humberto Costa (PT-PE) chegou a dizer que Lula tinha "salvado" Moro. "A PF de Lula salvou a vida de Moro. E essa operação prova por A mais B que Lula governa para todos", escreveu o petista nas redes.

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Planalto vai investir na agenda de Lula na China para amenizar crise contra Moro

A reunião ministerial desta sexta estava prevista para ocorrer ainda pela manhã no Palácio do Planalto, mas foi adiada depois que o petista foi diagnosticado com um quadro de pneumonia leve. No encontro, que ocorreu no Palácio da Alvorada, Lula ouviu de seus auxiliares que é preciso mudar a narrativa do governo para amenizar os efeitos da declaração contra o senador pelo Paraná.

De acordo com interlocutores do governo, a pauta principal do encontro na residência oficial da Presidência foi para tratar sobre o impasse entre a Câmara e o Senado sobre a tramitação das medidas provisórias no Congresso. Mas os efeitos sobre as falas contra Moro também foram discutidos pelos auxiliares do petista.

Lula foi aconselhado por seus ministros a usar a viagem à China para amenizar as críticas da oposição. A avaliação é de que o petista vai precisar explorar ao máximo a agenda no país asiático para sobrepor a repercussão negativa das falas contra Moro. Lula deveria embarcar para Pequim ainda neste sábado (25), mas adiou para domingo (26) para tratar do seu quadro de saúde.

Segundo o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, Lula "está bem" e a viagem para a China está mantida. "Foi um início de pneumonia, que está sendo tratada", disse Macêdo, que esteve entre os integrantes da reunião no Alvorada.

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Fala de Lula contra Moro provocou reações dentro da Polícia Federal

Além das críticas por parte dos integrantes da oposição, as falas de Lula sobre a suposta "armação" de Moro provocaram reações negativas para o Planalto dentro da Polícia Federal. O trabalho de investigação sobre o plano do PCC contra as autoridades contou com o apoio do Ministério Público Federal (MPF) e a operação contra os suspeitos teve autorização da Justiça.

Em nota, a Associação de Delegados da Polícia Federal manifestou apoio ao trabalho dos investigadores. "As investigações foram conduzidas com cautela, responsabilidade e amparo na lei, sendo obtido, certamente, forte arcabouço probatório no curso do Inquérito Policial", destacou.

Além das acusações contra Moro, Lula chegou a questionar a atuação da juíza Gabriela Hardt, responsável por autorizar os pedidos de prisões contra os integrantes do PCC. Hardt substituiu o próprio Moro na Operação Lava Jato, quando o ex-juiz pediu exoneração do cargo, no fim de 2018, para assumir o Ministério da Justiça no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A magistrada chegou a condenar Lula a 12 anos de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva no caso do Sitio de Atibaia. As decisões da juíza acabaram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou o foro do Paraná incompetente para julgar Lula.

"Eu vou pesquisar e saber o porquê da sentença, parece que a juíza não estava nem em atividade quando deu o parecer para ele. Mas isso a gente vai esperar”, disse Lula. Após a fala do petista, Hardt retirou o sigilo das investigações e revelou os detalhes sobre os planos do PCC contra a vida de Moro e de outras autoridades.

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Investigações deram detalhes do plano do PCC contra Sergio Moro

Para contornar a crise provocada, o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta (PT), disse que a declaração de Lula a respeito da ação da PF não tinha o intuito de questionar o trabalho da instituição, mas sim “o conjunto de coincidências” envolvendo atores da Lava Jato no caso e o “método” de repercussão utilizado por Moro ao comentar a operação. As críticas também se referem ao “timing” da decisão que revelou o plano de sequestro do senador.

Paralelamente, Pimenta criticou a decisão da juíza de retirar o sigilo das investigações sobre o caso. “Gabriela Hardt acaba expondo as investigações e, consequentemente, atrapalhando-as, já que as apurações seguem em curso e tratam de um tema sensível, que é o das organizações criminosas. Seu objetivo foi ajudar a PF?”, questionou Pimenta.

Em nota, a Justiça Federal do Paraná, órgão que responde pela juíza Gabriela Hardt, afirmou que a retirada do sigilo do processo foi um pedido do delegado que conduz as investigações, protocolado nos autos às 14h da quinta-feira.

“Contudo, por cautela, a juíza federal designada para atuar no caso, entendeu melhor manter o nível de sigilo 1, por segurança dos investigados e vítimas, autorizando a divulgação apenas das representações policiais e das decisões que autorizaram as prisões e as buscas, bem como o termo de audiência de custódia”, diz a nota.

Provas entregues pela PF à Justiça do Paraná apontam que não apenas Moro se encontra na mira do PCC, mas também seus filhos e sua mulher, a deputada federal Rosângela Moro (União Brasil-SP). Segundo Gabriela Hardt, as provas indicam que "atos criminosos estão efetivamente em andamento" em Curitiba.

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Planalto acredita que Moro ganhou projeção política

Além da fala sobre a "armação", Lula já havia sido alvo de questionamentos ao dizer durante uma entrevista ao site Brasil 247 que "só ia ficar bem quando f. com o Moro". Desde então, o Planalto já havia montado uma operação para tentar frear a repercussão negativa.

“De vez em quando um procurador entrava lá de sábado, ou de semana, para visitar, se estava tudo bem. Entrava três ou quatro procuradores e perguntava: ‘Tá tudo bem?’. Eu falava: ‘Não está tudo bem. Só vai estar bem quando eu f**** esse Moro’. Vocês cortam a palavra ‘f****’ aí…”, disse Lula na entrevista.

O ministro Paulo Pimenta chegou a convocar uma coletiva de imprensa às pressas na tentativa de explicar os xingamentos do presidente a Moro. “O que gera o questionamento foi esse conjunto de coincidências, fatos, que acabam trazendo revolta e toda uma memória sobre um método que foi utilizado contra ele (Lula) várias vezes, com os mesmos personagens. Muito mais do que como presidente, mas como ser humano, é natural o sentimento de indignação”, disse Pimenta.

Reservadamente, líderes petistas avaliam que Moro ganhou projeção política diante das falas "desastrosas" de Lula. No entanto, acreditam que o senador não tem capital político para liderar a oposição contra o governo.

Até o momento, pelo menos seis pedidos de impeachment contra Lula já foram protocolados na Câmara, sendo metade por conta de suas declarações contra Moro. Apesar disso, a avaliação dos petistas é de que os pedidos não devem avançar dentro do Congresso Nacional.

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Na quinta-feira (23), o senador rebateu as declarações de Lula e disse que o presidente dá “risada de família ameaçada pelo crime”.

"Fui surpreendido com uma fala do presidente da República que simplesmente riu das ameaças a mim e a minha família. Ele [Lula] chegou a sugerir que poderia ser uma armação da minha parte. Eu repudio veementemente essas afirmações", disse Moro.

Grupo de advogados endossa acusações de Lula contra Moro

Paralelamente a estratégia dos integrantes do Planalto, o grupo Prerrogativas, que é composto por advogados, juristas e defensores públicos, elaborou uma nota em que endossa as acusações de Lula contra Moro. O grupo conta com integrantes simpáticos ao PT e críticos ao trabalho da Lava Jato.

"Nós sabemos o que o Moro fez no verão passado. Natural, pois, que haja suspeitas sobre o seu comportamento neste episódio. No mais, a participação da juíza 'corta-cola-copia' é mais um elemento de reforço para as dúvidas lançadas exclusivamente sobre o momento da deflagração da bem-sucedida operação em questão", disse.

O grupo jurídico ainda defende que o presidente petista não questionou o mérito e a necessidade das investigações e das medidas protetivas. "Isto é o que realmente importa", diz a nota, que tece elogios à PF, ao Ministério Público e ao Ministério da Justiça.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]