Aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) querem usar a repercussão das suspeitas envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no caso das joias doadas pela Arábia Saudita para minimizar os desgastes provocados pelas denúncias contra o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil).
Tentando contornar o racha dentro do União Brasil, o presidente Lula optou por manter Juscelino Filho no ministério das Comunicações mesmo diante das diversas suspeitas já apresentadas contra ele. O caso mais recente mostrou que o ministro teria recebido diárias e usado o avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para acompanhar um leilão de cavalos em São Paulo. Após o caso ser revelado, Juscelino Filho afirmou que devolveu os valores recebidos pelas diárias.
Desde então, as suspeitas contra o ministro acenderam um alerta no Palácio do Planalto, que temia que o caso acabasse desgastando a popularidade de Lula ainda nos primeiros meses do governo. A operação para manutenção do ministro no cargo contou com o apoio de diversos nomes do governo, como os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais).
Agora, os governistas esperam que as suspeitas contra o ministro possam ser "esquecidas" por conta da repercussão provocada pelo caso das joias envolvendo a família do ex-presidente Bolsonaro. Ele e sua mulher negam irregularidades e dizem que os bens “de caráter personalíssimo recebidos em viagens” foram declarados oficialmente.
Manter Bolsonaro nos EUA traz vantagens para o PT
Nos cálculos internos, os aliados petistas ainda acreditam que as investigações da PF devem atrasar a volta de Bolsonaro ao Brasil.
Assim, para essa ala, a volta do ex-presidente deve provocar uma mobilização de sua base. Dessa forma, a atenção ao ex-presidente ocuparia a pauta política durante os primeiros dias do seu retorno. No entanto, agora os assessores palacianos avaliam que Bolsonaro vai optar por acompanhar o desenrolar das investigações sobre as joias diretamente dos Estados Unidos, onde está desde o final do ano passado.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) chegou a anunciar nas redes sociais que o ex-presidente desembarcaria no Brasil no dia 15 de março. Mas, a publicação foi apagada e o filho de Bolsonaro informou que ainda não havia definição de data.
Polícia Federal deve ouvir ex-presidente e demais envolvidos no caso
Para os integrantes do Planalto, o recuo sobre a volta ao Brasil foi uma sinalização da preocupação do ex-presidente diante das investigações. Após as suspeitas serem reveladas, o ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou que a Polícia Federal abrisse um inquérito para apurar o caso.
A expectativa de Dino é que a PF colha o depoimento de Bolsonaro, da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e dos assessores envolvidos no caso. Mas, ainda não há uma definição se eles serão ouvidos na condição de testemunhas ou de suspeitos.
Caso o ex-presidente ainda não tenha retornado ao Brasil, há a possibilidade de que ele seja ouvido remotamente. Isso aconteceria por meio de uma carta rogatória, que é o instrumento para a PF para ouvir pessoas no exterior. O inquérito encontra-se sob segredo de justiça e tem prazo inicial de 30 dias para conclusão, com possibilidade de prorrogação caso seja necessário.
Investigação pode tentar sustentar crime de descaminho
Um dos possíveis crimes que podem ser atribuídos a membros do antigo governo é o de descaminho, que é a tentativa de omitir mercadoria das autoridades alfandegárias para não pagar imposto. Outra suspeita é de abuso de autoridade, já que um ajudante de ordens do ex-presidente foi enviado ao aeroporto para tentar a liberação das joias.
"Há indícios muito nítidos de que há múltiplas possibilidades de cometimento de crimes em relação às joias trazidas ao Brasil, que seriam presentes da Arábia Saudita para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro", afirmou Dino.
Além disso, a Receita Federal vai atuar no caso de uma segunda caixa de joias que teria sido entregue para Bolsonaro. O órgão irá intimar Albuquerque para que ele dê explicações sobre a entrada do pacote no Brasil. O ex-ministro de Bolsonaro pode ser multado por ter entrado no país sem declarar os bens. Não há estimativa ou avaliação de valor pública desse segundo lote de joias.
Apesar de negarem qualquer tipo de interferência, os governistas esperam que a atuação da Polícia Federal e da Receita Federal possa ampliar ainda mais a repercussão do caso contra o ex-presidente. Bolsonaro e a ex-primeira dama negam as suspeitas.
Secom ironiza caso das joias nas redes sociais do governo
Paralelamente, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República usou as redes sociais para ironizar o caso das joias apreendidas pela Receita Federal. Embora não faça menção direta ao episódio, a postagem no perfil oficial do órgão foi vista como uma provocação ao ex-presidente.
"Fez uma viagem internacional e trouxe umas coisinhas?". Na sequência, a resposta: "Siga as regras e não tenha problemas com a Receita Federal". Na publicação, a Secom aproveitou para reforçar que "bens que ultrapassem a cota de isenção" — de mil dólares por pessoa — "são tributáveis e devem ser declarados".
A mensagem também encaminha o usuário para o site da Receita Federal. Lá é possível ter acesso às normas completas para quem chega ao Brasil vindo do exterior.
O texto reforça ainda que todos os cidadãos estão sujeitos às regras. “Todo e qualquer cidadão se sujeita às mesmas leis e normas aduaneiras, independentemente de ocupar cargo ou função pública”.
PT tenta comparar Michelle com Marisa Letícia
Ainda nas redes sociais, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, citou reportagem do jornal Folha de S.Paulo afirmando que a então primeira-dama Marisa Letícia renunciou a joias que recebeu de presente da realeza dos Emirados Árabes Unidos em dezembro de 2003.
“Dona Marisa também foi presenteada com joias, mas o desfecho foi muito diferente da Michelle. Ninguém tentou esconder e elas foram doadas ao programa Fome Zero. O nível é outro”, escreveu Gleisi.
Como a Gazeta do Povo mostrou, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que o presidente Lula se apropriou de 434 objetos dados ao Brasil por chefes de Estado estrangeiros durante seus dois primeiros mandatos. A ex-presidente Dilma Rousseff, por sua vez, tomou para si 117 itens.
O que dizem Bolsonaro e Michelle sobre o caso das joias
A defesa de Bolsonaro informou que os bens “de caráter personalíssimo recebidos em viagens” foram declarados oficialmente, como rege a lei sobre os acervos privados de presidentes da República.
“Todos os atos e fatos relacionados ao Presidente Bolsonaro estão em conformidade com a lei”, disse o advogado Frederick Wasseff, em 7 de março, em nota enviada à imprensa.
Assim, o advogado afirmou que adversários de Bolsonaro estão “tirando certas informações de contexto, gerando mal entendido e confusão para o público”.
Mas, Wasseff afirmou também que está havendo uma “perseguição política” ao ex-presidente. Isso seria uma tentativa de se criar “diversas narrativas que não correspondem à verdade” por conta da inexistência de “qualquer escândalo ou um único caso de corrupção” durante seus quatro anos de gestão.
Por isso, ao ser questionado sobre a questão, Bolsonaro afirmou que as joias iriam para o acervo da Presidência, e não para si. “Eu estava no Brasil quando esse presente foi acertado lá nos Emirados Árabes para o ministro das Minas e Energia. O assessor dele trouxe, em um avião de carreira, e ficou na Alfândega. Eu não fiquei sabendo", disse ao SBT.
"Dois, três dias depois a presidência notificou a alfândega de que era para ir para o acervo. Até aí tudo bem, nada demais. Poderia, no meu entender, a alfândega ter entregue. Iria para o acervo, e seria entregue à primeira-dama. O que diz a legislação? Ela poderia usar, não poderia desfazer-se daquilo”, afirmou o ex-presidente.
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro disse, pelas redes sociais, que não sabia das joias. “Quer dizer que eu tenho tudo isso e não estava sabendo?”, postou no Instagram.
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