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Violência nos Estados

Plano de Segurança de Dino tem verba escassa, agentes insuficientes e ações paliativas

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Segundo o ministro da Justiça e Segurança Pública. Flávio Dino, o governo destinará R$ 900 milhões até 2026 (Foto: Foto: Isaac Amorim/MJSP)

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O plano anunciado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, na segunda-feira (2), para combater o crime organizado no país conta com verba escassa e um número de agentes da Força Nacional e da Polícia Rodoviária Federal que terá baixo impacto no combate à criminalidade. Segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, compras de equipamentos feitas com a verba anunciada de R$ 900 milhões podem levar anos para chegar às mãos dos policiais.

O Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc) abrange todo o Brasil por prever ações em fronteiras, portos e aeroportos. Mas seu foco principal são os Estados da Bahia, que enfrenta uma onda de violência, e do Rio de Janeiro, cuja atuação das facções foi evidenciada pelo resultado de uma investigação policial recente. Ela revelou um campo de treinamento em táticas de guerrilha criado por uma facção criminosa na favela da Maré e Dino foi pressionado para tomar alguma medida.

Em março, Dino se envolveu em polêmica ao entrar no Complexo da Maré sem um aparato de segurança compatível. Ele disse que foi ao evento de uma ONG, mas analistas avaliaram que visita como aquela só seria possível com a anuência da facção Comando Vermelho, que comanda o tráfico na favela Nova Holanda, que faz parte do complexo.

O governo divulgou poucos detalhes do plano Enfoc. Foi informado que a verba de R$ 900 milhões será disponibilizada gradualmente ao longo de três anos, para atender o Brasil inteiro. O Rio receberá R$ 247 milhões e 570 policiais e agentes da Força Nacional e a Bahia R$ 168 milhões e 109 agentes.

Essas verbas correspondem a cerca de 1,5% do orçamento previsto pelo governo do Rio para a segurança só neste ano, segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023. No caso da Bahia, o dinheiro prometido por Dino equivale a 2,9% do orçamento estadual previsto para o ano. É preciso lembrar porém que uma boa parte do orçamento de segurança dos Estados é usada em folha de pagamento. A verba federal não pode ter essa destinação e será usada como investimento e não na manutenção das atividades policiais, que consomem a maior parte dos recursos.

Para o cientista político José Maria Nóbrega, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência, da Criminalidade e da Qualidade Democrática da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), o montante anunciado pelo governo é um “paliativo inútil". Ele também ressalta que a maior responsabilidade pela atual situação é dos governos estaduais.

“É pouco dinheiro. Se formos avaliar as instituições que estão sob responsabilidade do governo federal, como a Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, elas funcionam bem, são bem remuneradas e têm baixa corrupção. O problema é dos governantes estaduais”, disse o professor.

O sociólogo Luís Flávio Sapori, docente na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) argumenta que os recursos, para um momento de crise, podem até ser suficientes em um primeiro momento. No entanto, a eficácia das ações vai depender da gestão realizada pelos governos estaduais.

“O desafio é gastar bem o dinheiro e isso vai depender muito mais do governo estadual. Não cabe ao governo federal liderar ou resolver o problema do Rio de Janeiro, o problema da Bahia. Quem tem que ser cobrado para ações mais concretas e eficientes são os respectivos governos estaduais", afirmou.

"Não basta ter dinheiro disponível se você não tem equipes técnicas competentes para fazer os processos burocráticos necessários para o gasto desse dinheiro”, disse o professor.

Força Nacional será inócua no combate às facções, diz analista

Questionado sobre a eficácia da Força Nacional, Sapori acrescenta que o envio do grupamento é “inócuo” para atenuar os problemas dos Estados. O grupamento tem atuação limitada nos locais em que é convocada, não sendo autorizado a subir em favelas e concentrando sua movimentação no patrulhamento de via urbanas e regiões centrais das cidades.

O governador do Rio, Cláudio Castro, disse que a Força Nacional vai atuar usando 50 carros de polícia no patrulhamento do entorno da Favela da Maré, mas não vai entrar. Esse trabalho continuará sendo feito pelas polícias cariocas. Outros 270 policiais rodoviários serão disponibilizados pelo governo federal para ajudar.

O complexo da Maré é cercado por rodovias que são os principais acessos à capital do Rio. Então, na prática, a Força Nacional deve fazer patrulhamento de rodovias. Mas no dia a dia, o efetivo previsto de 300 agentes da Força Nacional se transformaria em apenas 100 usados ao mesmo tempo. Isso porque os agentes precisam de períodos de descanso e não podem atuar todos ao mesmo tempo.

Em tese, os 300 agentes poderiam ser usados simultaneamente para ajudar a cercar a favela, como apoio se houver incursão da polícia, mas seu efetivo não seria suficiente para cercar todo o complexo de forma efetiva. Em 2018, durante operação de Garantia da Lei e da Ordem, as Forças Armadas usavam entre 1.000 e 1.500 combatentes para cercar favelas do porte da Maré.

“Trata-se de medidas inócuas, sem efeitos práticos, concretos. Contingente disponibilizado em baixo número, mínimo, insignificante. Não muda em nada a realidade da Bahia e principalmente do Rio de Janeiro", disse Luís Flávio Sapori.

"A Força Nacional de Segurança Pública é uma organização criada em 2004 que não tem utilidade nenhuma. Ela é uma estrutura organizacional anacrônica, baseada no mero recrutamento de quadros das forças policiais estaduais. Então, não é um corpo próprio aquartelado que possa ser mobilizado aos milhares, em curto tempo, em situação de crise como essa”, acrescentou.

Equipamentos demorarão anos para chegar às polícias

O governo chegou a mencionar a compra de cinco blindados e um helicóptero para as polícias da Bahia, mas não detalhou como fará a aquisição.

O ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) Paulo Storani, autor do livro “Vá e vença: Decifrando a tropa de elite” (Ed. Best Seller), explicou que se as compras seguirem a tramitação correta, por meio de licitações, é improvável que esses investimentos não cheguem a tempo para amenizar a situação atual dos Estados.

“Qualquer tipo de investimento que se faça requer um processo de compra de licitação que demora pelo menos de seis a oito meses até o processo terminar. Para indicar o vencedor e a entrega, demora quase o mesmo tempo. Então, é preciso quase que um ano ou um ano e meio para se comprar um determinado produto com dinheiro que foi disponibilizado", afirmou.

"Lembrando que isso aconteceu com os recursos disponibilizados durante a intervenção federal no Rio de Janeiro, em 2018. O Exército Brasileiro ficou encarregado disso, promoveu a licitação, mas o material adquirido só chegou quase dois anos depois da intervenção já ter terminado”, disse.

Storani disse ainda que a postura do governo em relação à descriminalização das drogas também contribui para a violência vivenciada no Rio de Janeiro e na Bahia.

"O governo federal tem grande responsabilidade (pela violência) porque vem num discurso muito afinado com as pretensões criminosas, principalmente quando desqualifica o 'pequeno delito', quando se tem um discurso de descriminalização de drogas. Por isso criminalidade violenta é ligada ao tráfico de drogas", disse.

"Mostrar uma atitude favorável a essa descriminalização vai fazer com que quem esteja no narcotráfico se prepare para um mercado que vai abrir", afirmou.

Dino diz que plano de segurança não é uma intervenção federal

O ministro Dino afirmou que o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas não é uma intervenção federal nos Estados do Rio ou da Bahia.

“Às vezes pensam que nós temos uma varinha de condão que se chama intervenção federal. Amigos, intervenção federal é coisa séria, regrada pela Constituição, artigo 34. Eu não posso acordar amanhã e dizer: ‘vamos fazer uma intervenção federal'", disse o ministro na segunda-feira (2).

De acordo com a apresentação feita por Dino, os recursos serão loteados em eixos de ações integradas, como investimentos nas "Redes Institucionais de enfrentamento das Organizações Criminosas" e aportes no "Plano Integrado de Controle das áreas de portos, aeroportos, fronteiras e divisas". Mas ele não explicou como será alocação dos recursos para cara programa mencionado.

Lula quer corte de R$ 700 milhões na Segurança Pública

Apesar de anunciar verbas para Rio e Bahia, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) planeja um corte de mais de R$ 708 milhões para a Segurança Pública em 2024. A previsão consta na Lei Orçamentária Anual (LOA) do ano que vem.

Em 2023 o poder público teve R$ 2,244 bilhões para essas finalidades. Para o ano que vem a previsão é de que a verba seja de R$ 1,536 bilhão. Nesse contexto, três das quatro ações controladas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública foram afetadas pela proposta de redução do governo federal.

Uma delas é o "Desenvolvimento de Políticas de Segurança Pública, Prevenção e Enfrentamento à Criminalidade". Neste ano, a pasta reservou R$ 427,4 milhões para essa despesa. Para o ano que vem, os recursos são estimados, por enquanto, em R$ 536,3 mil.

A segunda ação é a "Implementação de Políticas de Segurança Pública, Prevenção e Enfrentamento à Criminalidade". Seu orçamento previsto para 2023 é de R$ 893,5 milhões. Para o ano que vem, os valores são estimados em R$ 683,2 milhões.

A terceira ação é a de "Prevenção e Repressão ao Tráfico Ilícito de Drogas e a Crimes Praticados contra Bens, Serviços e Interesses da União". Para ela foram reservados R$ 465,9 milhões, mas para 2024 a previsão é de R$ 290,9 milhões.

É importante ressaltar que a comparação dos números utiliza a dotação inicial de 2023, aprovada em 2022, e o projeto que ainda precisa ser aprovado para 2024. O montante cortado pelo governo pode ser recomposto pelo Congresso Nacional.

TCE aponta falta de investimentos em segurança do governo da Bahia

Segundo auditoria do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA), o governo do Estado investiu menos no orçamento destinado à segurança pública, apesar de ter havido aumento na receita. A análise feita pelo órgão diz respeito ao período entre 2016 e 2022 – quando a Bahia era governada por Rui Costa (PT), atual ministro-chefe da Casa Civil no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O TCE comparou os valores totais de receita do Estado – destinado a todas as pastas do governo, incluindo Saúde e Educação –, com o montante destinado apenas à Segurança Pública. Em 2016, o investimento era de 16,77% da receita total, o que representa aproximadamente R$ 4.8 bilhões dos R$ 28 bilhões arrecadados na época. Já em 2022, a verba ficou em 8,66%, o que representa os mesmos R$ 4.8 bilhões de um orçamento de cerca de R$ 55 bilhões.

Ao portal G1, o governo da Bahia alegou que aumentou investimentos em 58% e que a comparação feita pelo TCE é “desproporcional”.

"Comparar os recursos destinados à Segurança Pública com o total da receita corrente líquida do Estado não é o critério mais adequado para se avaliar a importância conferida à área pelo governo baiano, já que podem ocorrer distorções em função da variedade de fontes destas receitas, incluindo eventuais valores extraordinários", disse o governo da Bahia em nota.

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