“Vivemos no Brasil um momento especial nas políticas públicas sobre drogas”, diz o secretário de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania, Quirino Cordeiro Junior em entrevista à Gazeta do Povo. O otimismo de Quirino se deve às últimas medidas tomadas pelo governo federal em relação às políticas públicas sobre drogas: o Decreto 9.761, assinado em abril, que estabeleceu a nova Política Nacional sobre Drogas (PNAD), e a Lei 13.840, sancionada em junho, que promoveu mudanças na Lei de Drogas. Juntas elas trazem uma nova perspectiva quanto à prevenção e tratamento dos dependentes químicos em todo o país.
Declaradamente contrário à legalização das drogas, o governo federal está ampliando a repressão ao tráfico e o financiamento às comunidades terapêuticas, para que mais vagas gratuitas sejam oferecidas àqueles que buscam por si mesmos um recomeço. Outra mudança é no atendimento oferecido pela rede pública ao dependente: o foco de atenção não está mais na redução de danos causados pelas drogas, mas na abstinência. Inclusive, há mudanças na questão do internamento involuntário.
O Ministério da Cidadania ainda tem previstas ações futuras para oferecer um suporte maior às famílias, para que estejam amparadas durante e após o tratamento do familiar com dependência química. Confira a entrevista com o secretário:
Quais as principais mudanças nas políticas públicas sobre drogas no país?
Com as novas medidas, o governo federal se coloca claramente contrário à legalização das drogas no país e intensifica ações de repressão ao narcotráfico, o que consequentemente acelera a questão da alienação de bens apreendidos no tráfico. Além disso, na área de tratamento do quadro de dependência, o Estado passa a também chamar para si o cuidado do indivíduo. Até então trabalhava-se com a redução de danos, que é a ideia de que o tratamento não precisa cortar o uso da substância, mas reduzir os seus efeitos no organismo. Agora mudamos o foco e passamos a incentivar a abstinência, para que a pessoa se recupere e tenha uma vida em sobriedade.
Nesse esforço de mudar o foco de atendimento aos dependentes, as comunidades terapêuticas ganharam maior protagonismo, certo? Que ações foram feitas desde o início do ano?
Até o fim de 2018 o governo federal financiava quase 3 mil vagas nas comunidades terapêuticas do país. Desde março de 2019 esse número subiu para 11 mil. Quadriplicamos o número de vagas para poder atender mais gente de forma gratuita. Ainda no mês de agosto, lançaremos um edital com o intuito de aumentar ainda mais a quantidade de vagas, além de expandir o financiamento às comunidades.
Essa medida gerou alguns debates em torno do cuidado oferecido pelas comunidades terapêuticas e até mesmo sobre a fiscalização desses espaços. O que a secretaria de Cuidados e Prevenção às Drogas passa a fazer a partir de agora para dar mais segurança ao dependente que busca voluntariamente ajuda nas comunidades e à sua família, para que saiba que essa pessoa terá seus direitos salvaguardados?
Além da expansão do financiamento a essas comunidades também criamos, em março deste ano, a Portaria 562 (leia a íntegra), que cria o Plano de Fiscalização e Monitoramento de Comunidade Terapêutica. Toda política pública precisa ser fiscalizada e por isso criamos uma lista de itens a serem conferidos para que essas comunidades ofereçam atendimento digno àqueles que precisam de cuidados e que chegam até esses lugares por vontade própria. E já estamos fazendo, mensalmente, a fiscalização dos contratos, porque o pagamento do governo é a partir do atendimento realizado por esses espaços. Nós pagamos pelo que é realizado. Também fazemos a fiscalização com base na portaria que estabeleceu as diretrizes que são importantes ao bom funcionamento desses lugares e, apesar do pouco tempo, nós já estamos fazendo essas visitas in loco. E nós também abrimos o credenciamento no Ministério da Cidadania, para termos um cenário mais apropriado no país, e firmamos convênio com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para oferecer capacitação aos gestores dessas comunidades. Em setembro lançaremos um curso de capacitação à distância para 2 mil profissionais.
Há também, na lei, a questão do internamento involuntário, que é diferente daquele que acontece nas comunidades terapêuticas. Em que medida isso poderá ajudar as famílias?
Não existe a internação involuntária nas comunidades terapêuticas, porque requer um tipo de cuidado clínico que elas não têm. Na comunidade terapêutica o que existe é o acolhimento. Nesse modelo, a pessoa está lá por iniciativa própria. Mas na nova lei colocamos de maneira clara a questão das internações involuntárias, que acontecem em situações graves, em que o quadro clínico compromete a capacidade de discernimento da pessoa e a leva à incapacidade de tomar decisões autônomas. Se ele coloca em risco a sua vida e de pessoas próximas, ele pode ser internado de maneira involuntária pela família ou autoridade pública. Mas para isso é feita uma avaliação médica e a internação só acontece diante dessa liberação. Tem uma grande discussão de que isso é uma violação dos direitos da pessoa, mas violação mesmo é ela precisar de ajuda e não darmos essa possibilidade a ela. Anteriormente o Estado não chamava para si a responsabilidade de cuidar dessas pessoas, mas com as novas normativas estamos mudando isso. Não podemos mais ser negligentes.
E há algum fator que dê às famílias a segurança de que o lugar para o qual esses dependentes irão é seguro e que eles não terão nenhum direito violado?
A nova lei prevê a necessidade de que o Ministério Público seja avisado sobre o internamento em até 72 horas, para que eles possam acompanhar.
Você disse que os internamentos involuntários precisam de uma avaliação médica que comprove a real necessidade. Como e onde podem ser feitas essas avaliações?
O atendimento de base comunitária, aquele que está mais próximo das famílias, também muda a partir de agora, porque passa a atuar em favor da abstinência. Quando o dependente chegar a um ambulatório ou aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) com um quadro clínico que precise de acompanhamento, mas sem necessidade de internação, ele será cuidado ali mesmo. E caso haja a necessidade de um internamento, então todos os encaminhamentos para isso serão feitos.
Como o governo dará suporte às famílias que ficam à espera do retorno daquela pessoa que está em uma comunidade terapêutica ou que foi internada involuntariamente?
Também estamos prevendo a abertura de um edital em agosto para o financiamento de grupos de ajuda mútua, para trabalhar com essas famílias. Hoje já temos uma rede formada por diversas instituições que prestam esse apoio, mas queremos ampliar essa oferta, assim como está sendo feito com as vagas em comunidades terapêuticas. Mas também queremos atuar na ressocialização desse indivíduo, que ao retornar para casa precisará de um trabalho digno. Nessa questão estamos nos organizando, junto à Confederação das Comunidades Terapêuticas, para que essa pessoa que foi acolhida saia com perspectivas de mudança. Acreditamos que o sucesso da reabilitação passa pelo suporte da família, sem dúvida alguma, e precisamos cuidar deles também. Além disso, há todo o trabalho de prevenção ao uso de drogas, por meio de campanhas publicitárias e da parceria mais intensiva com o Programa Forças no Esporte (Profesp), que oferece a crianças e adolescentes a possibilidade de terem atividades esportivas no contraturno escolar. É um programa financiado pelo Ministério da Cidadania, mas executado pelo Ministério da Defesa, que funciona desde 2003 e já atende 30 mil crianças no país.