| Foto: Jonas Pereira/Agência Senado
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Em meio a debates nacionais sobre temas urgentes e reformas estruturais, a Câmara dos Deputados gasta tempo e recursos sugerindo datas comemorativas e com denominações peculiares. Essas iniciativas, embora possam ter importância cultural, regional e até ambiental, e ainda atender a interesses de determinadas comunidades, levantam questionamentos sobre a eficácia do uso do tempo e do dinheiro público.

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Alguns parlamentares parecem mais preocupados em estabelecer cidades como capitais do biscoito ou do churrasco, ou em homenagear o amendoim com um dia no calendário nacional.

Mas, para o cientista político Adriano Cerqueira, do IBMEC de Belo Horizonte, apesar de parecer estranho, não é novidade que parlamentares dediquem parte do seu tempo a atender demandas específicas de suas bases eleitorais, e isso inclui homenagear figuras ilustres de determinadas cidades, ou ainda ressaltar a importância de determinado produto para a economia local.

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"É racional para você, que é um deputado, se você tem um projeto de baixíssimo custo para você, mas que vai agradar uma parte da sua base, que você consiga que uma lei federal, vamos usar esse termo, beneficie aquela cidade, por mais bobo que seja esse benefício, isso é um ganho para você, você tem o que dizer, você sempre vai ressaltar o importante".

Segundo dados disponíveis na página da Câmara dos Deputados, sobre a atividade legislativa, em 2023 foram apresentados vários projetos de lei que tratam da criação de datas comemorativas. O número chega a uma centena apenas no primeiro semestre deste ano.

As datas vão desde a criação do Dia Nacional do Sono até o Dia do Anfíbio, passando por homenagens a figuras reconhecidas nacionalmente, como o Dia do Rei Pelé, jogador de futebol famoso mundialmente.

O projeto que visa criar o Dia Nacional dos Anfíbios foi apresentado pelo deputado Nilto Tatto (PT-SP) em junho. Se for aprovado, a data será lembrada em 7 de maio. Atualmente, a proposição aguarda a designação de relator na Comissão de Cultura da Câmara.

Segundo o autor afirmou na justificativa da proposta, "o colapso climático, a destruição de ecossistemas causada pelo homem e as doenças potencializadas pelos dois fatores anteriores levaram 2 entre 5 anfíbios ao risco iminente de extinção". A questão foi discutida em audiência pública na Câmara. Além disso, o parlamentar mencionou que em "conjunto com essa iniciativa, também propusemos o PL n. 5977, por meio do qual queremos instituir o Sapo Cururu, personagem emblemático da cultura popular brasileira como Anfíbio Nacional".

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Com relação a Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que morreu em 29 de dezembro de 2022, ele é protagonista de diversas outras propostas, que vão de patrono do futebol a nomes de avenidas e rodovias por todo o país, até a sugestão de inclusão do seu nome no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria.

E não é só o futebol que merece homenagens dos deputados. Na lista de projetos apresentados também aparecem o skate e o futebol de várzea. Também encontram espaço na lista de projetos de criação de datas comemorativas manifestações culturais como o hip hop, a ciranda, o coco de roda e a mazurca, que em 2021 já foram declaradas patrimônios culturais imateriais do estado da Paraíba.

A denominação de bens públicos, como praças, avenidas e rodovias, também é foco de muitos parlamentares na hora da elaboração de projetos de lei. Não faltam sugestões de mudanças de nomes de locais para homenagear figuras reconhecidas de determinadas cidades ou estados, como, por exemplo, o do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que esteve à frente da construção de Brasília, e que já batizou desde o aeroporto internacional da capital até pontes e ruas de diversos pontos do país.

Os deputados também buscam homenagear figuras de todos os segmentos no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, que reúne nomes que entraram para a história nacional. O Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria ou Livro de Aço é um memorial brasileiro, no qual são eternizados os nomes de personagens que foram importantes para a construção do Brasil.

No memorial, que fica no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, figuram nomes como Zumbi dos Palmares, Zilda Arns, Carlos Gomes e Chico Mendes.

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Na lista de espera para figurar no livro estão nomes como os do humorista Chico Anysio e do diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, criador do Teatro Oficina.

Frutas, comidas e produtos diversos disputam espaço como protagonistas de cidades por todo o Brasil

Nem só de datas comemorativas se alimenta a imaginação dos parlamentares na hora de apresentar projetos de lei. No balanço disponível na página da Câmara que permite acompanhar as propostas apresentadas, os dados mostram que em 2023 foram 89 projetos para estabelecer que produtos típicos de algumas regiões ou cidades sirvam como denominação de capitais.

Entre as sugestões estão capitais do dendê, produto muito utilizado na Bahia na preparação de pratos típicos como peixada e acarajé, da Jaboticaba, do abacaxi, do churrasco, da maior pedra não aflorada do Brasil, do crochê, da lingerie e do biscoito decorado artesanalmente. Essas denominações já chegam a 52 propostas apenas neste ano.

Na opinião de Juan Carlos Gonçalves, do Ranking dos Políticos, a criação de datas e denominação de cidades tem o potencial de fomentar o turismo e a economia locais, com a atração de turistas e a geração de receita para comércios locais, que ganham com a realização de eventos, feiras e festivais, mas é preciso encontrar equilíbrio na sugestão dessas propostas, já que boa parte delas são inócuas, ou seja, "não trazem benefício prático ou relevante para a sociedade".

Para o analista político, a aprovação de denominações e datas comemorativas pode ser vista como uma forma de desviar a atenção de questões mais urgentes e relevantes, sem falar que a tramitação desses projetos ocupa um tempo do legislador, que poderia ser destinado a debates de maior importância. "Em um país com desafios sociais e econômicos profundos, a criação de datas comemorativas pode parecer uma prioridade deslocada", destaca Gonçalves.

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CCJ é responsável pela análise dos projetos que tratam de datas comemorativas

Todos os projetos de lei analisados pelo Congresso Nacional começam a tramitar com a apresentação, seguida pela distribuição às comissões permanentes, de acordo com o tema da matéria.

No caso dos projetos de lei de denominação de bens públicos, concessão de homenagens e definição de datas comemorativas a tramitação é em turno único. As propostas são analisadas sob o ponto de vista jurídico e de mérito pela Comissão de Constituição e Justiça, a maior e mais importante da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Pouco antes do recesso parlamentar de julho, a CCJ aprovou, de uma só vez, 28 projetos de lei que tratavam de datas e homenagens, numa pauta composta no total por 67 propostas.

Dessa vez, os deputados aprovaram a inscrição no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria do atleta João Carlos de Oliveira, o João do Pulo, ex-recordista mundial de salto triplo; e do marechal Casimiro Montenegro Filho, militar brasileiro, criador do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial.

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Também foram aprovados a criação do Dia Nacional do Artista Vidreiro, em 21 de junho; o Dia Nacional do Jóquei, em 15 de dezembro, e um projeto que estabelece a guitarrada com patrimônio da cultura nacional.

No setor de estímulos a cidades, Estância, no estado de Sergipe, ganhou o título de Capital Nacional do Barco de Fogo; enquanto que Mirim Doce, em Santa Catarina, foi agraciada com o título de Capital Nacional do Melhor Arroz. As propostas foram encaminhadas para a sanção da Presidência da República.

Lula sanciona Dia do Funk

Um dos exemplos de projetos de datas comemorativas que se tornam leis é o que criou o Dia Nacional do Funk. O projeto foi apresentado em 2021 pelo deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que atualmente ocupa o cargo de ministro das Relações Institucionais na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O projeto passou na Câmara, foi aprovado na Comissão de Educação e Cultura do Senado em 02 de julho deste ano e depois seguiu para a sanção de Lula. Sem vetos, a publicação no Diário Oficial da União ocorreu em 31 de julho.

Diante disso, a Lei 14.940/2024 estabelece que "fica instituído o Dia Nacional do Funk, a ser celebrado, anualmente, no dia 12 de julho, em todo o território nacional".

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]