O desejo manifestado pela primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, de ter gabinete com estrutura e agenda próprias no Palácio do Planalto, onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu marido, despacha, esbarra na falta de previsibilidade legal.
“A primeira-dama dos Estados Unidos tem um”, argumentou Janja a favor de seu espaço oficial no governo, em entrevista no jornal O Globo, publicada neste domingo (5).
Segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, para conquistar uma condição funcional parecida com a usufruída pelas esposas de presidentes americanos, que Janja tomou como referência, seria preciso Lula editar medida provisória ou esperar a aprovação de projeto de lei nos mesmos termos, a ser proposto por um parlamentar aliado. Essas duas hipóteses, contudo, parecem improváveis no momento.
Em resposta às críticas de aliados do governo sobre a sua atuação política, como se tivesse sido eleita, Janja afirmou que “não participa” de reuniões de trabalho de Lula. “As minhas conversas com o presidente são dentro de casa, no nosso dia a dia, no fim de semana. Quando estou incomodada, vou lá e questiono. Não é porque sou mulher do presidente que vou falar só de marca de batom”, disse.
Ela afirmou que, a despeito de alertarem a ela sobre o fato de não ter um gabinete (função) no Planalto, é preciso “recolocar a questão”, lembrando que “ninguém questiona” a estrutura e o protagonismo da primeira-dama dos Estados Unidos. “Por que se questiona no Brasil? Vou continuar fazendo o que acho correto. Sei os limites. Quero saber das discussões, me informar, não quero ouvir de terceiros”, reclamou.
Criar gabinete para primeira-dama pode gerar desgaste
Marcus Deois, diretor da consultoria Ética Inteligência Política, enfatiza que o cargo de primeira-dama no Brasil carece atualmente de qualquer estrutura formal, sendo limitado a pouco mais que a segurança pessoal. Ele destaca que qualquer tentativa de estabelecer neste momento uma estrutura significativa para a primeira-dama necessita de modificações na lei. "Trata-se de um processo que, sem dúvida, será desafiador", observou.
Nesse sentido, Deois ressalta que a disponibilização de tal estrutura implicaria em novos gastos, o que poderia resultar em desgaste político e descontentamento da opinião pública. “É importante deixar claro que precisa de um ato normativo para criar uma estrutura nova. Mas nada impede que a primeira-dama tenha o gabinete dela com a estrutura física e de pessoal tal qual já existe hoje”, observou.
Ele reforça que qualquer criação de estrutura nova no Poder Executivo precisa ser feita via medida provisória (MP). Ele lembra da dificuldade que o governo teve para aprovar a MP 1.154/2023, editada em 1º de janeiro, para definir a atual organização da Esplanada dos Ministérios, e que só foi convertida em lei em junho de 2023, após muita pressão do Congresso.
“O caminho é esse e não é fácil. Importante citar o desgaste político que seria uma negociação para se votar hoje uma medida provisória e, principalmente, ter de analisar a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF), que determina os níveis de parentesco que são considerados nepotismo”, disse.
Atuação política de Janja irrita oposição e incomoda aliados
A influência de Janja sobre Lula tem gerado críticas de opositores e preocupação no governo, que, por ora, vetou a instalação de um gabinete para ela no Planalto. Ao extrapolar os limites da atuação reservados a uma primeira-dama, há a tentativa de influenciar decisões de políticos eleitos.
Com uma sala a poucos metros do gabinete de Lula, no terceiro andar do Planalto, a exemplo da falecida esposa do atual presidente, Marisa Letícia, nos dois primeiros mandatos dele, Janja tem se incomodado com o simples fato de não haver uma placa na porta. Em menos de um ano na sede do Poder Executivo, ela já protagonizou reuniões com ministros e políticos que tentou emplacara na estrutura de governo. O pedido de protagonismo pode ser um recado ao ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT).
Para o cientista político Márcio Coimbra, presidente do Instituto Monitor da Democracia, a questão da possível inclusão da primeira-dama Janja no organograma oficial do Palácio do Planalto, com a criação de um gabinete e agenda própria, em semelhança ao modelo americano, parece improvável, até mesmo por questão da tradição e de cultura política local.
Além disso, a Constituição veda qualquer papel de natureza política, por não ser um agente eleito. Por ser parente, também não pode ser nomeada para função oficial no governo. “A alternativa seria nomeá-la para cargo honorífico ou em um serviço social autônomo, como o Sebrae”, disse.
O especialista lembrou que, tradicionalmente, as primeiras-damas no Brasil jamais exerceram funções oficiais no governo, citando exemplos de Rosane Collor, Ruth Cardoso e Marisa Letícia. Tal qual se replica nos governos estaduais, elas têm papel reservado às causas sociais, com as quais se empenharam mais Marcela Temer e Michelle Bolsonaro. Ruth Cardoso foi a criadora da Comunidade Solidária, de promoção do Terceiro Setor.
A primeira-dama nos Estados Unidos é anfitriã da Casa Branca
Nos Estados Unidos, a primeira-dama pode exercer função com esse nome, não eleita e não remunerada. Sob o título de anfitriã da Casa Branca, o cargo é geralmente preenchido pela esposa do presidente da República, mas pode ser destinado a outras mulheres indicadas, quando o chefe do Executivo for solteiro ou viúvo, ou quando a esposa dele estiver incapaz de cumprir com os seus deveres. Nesses casos, o presidente costuma indicar uma parente.
Ela participa de muitas cerimônias oficiais e funções do Estado com o presidente ou no lugar dele. Também é a responsável por todos os eventos sociais e cerimoniais da Casa Branca. Eventualmente, pode encabeçar iniciativas, como as de cunho educativo. Para isso, conta com quadro próprio de funcionários, incluindo um chefe executivo. Desde 20 de janeiro de 2021, Jill Biden, esposa de Joe Biden, é a primeira-dama dos EUA.
Algumas primeiras-damas americanas tiveram papel ativo na campanha e na administração do marido presidente. O destaque maior até hoje foi o de Hillary Rodham Clinton, esposa de Bill Clinton, chegando a ganhar emprego formal no governo, dedicado à reforma do sistema de saúde.
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