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A Polícia Federal considera que não há crime de prevaricação, que possa ser atribuído ao presidente Jair Bolsonaro, envolvendo a negociação para compra da Covaxin, a vacina indiana contra a Covid-19. Em relatório final enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o delegado William Marinho concluiu que o delito não pode ser imputado ao presidente, porque não faz parte de seu dever funcional comunicar irregularidades no negócio, que acabou não concretizado.
O caso surgiu na CPI da Covid, na qual, em depoimento, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) relatou um encontro que teve com Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, no início do ano passado, em que teria relatado uma pressão anormal dentro do Ministério da Saúde para aquisição do imunizante. Ele depôs na comissão ao lado do irmão Luis Ricardo, servidor da pasta, que confirmou pressa para a importação mesmo sem todos os documentos necessários.
Um inquérito foi aberto no STF, sob relatoria da ministra Rosa Weber, e nesta segunda-feira (31) a PF apresentou suas conclusões. “Neste caso, ausente o dever funcional do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro de comunicar eventuais irregularidades de que tenha tido conhecimento – e das quais não faça parte como coautor ou partícipe – aos órgãos de investigação, como a Polícia Federal, ou de fiscalização”, escreveu delegado no relatório.
Ele acrescentou que também “não está presente o ato de ofício, elemento constitutivo objetivo imprescindível para caracterizar o tipo penal incriminador do art. 319, do Código Penal”. O dispositivo diz que comete crime de prevaricação o agente público que “retardar ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
Em junho do ano passado, quando o caso veio à tona, Bolsonaro se defendeu afirmando que a compra não foi efetivada. “Não recebemos uma ampola de vacina, não paguei um centavo e estão me acusando de corrupção”, protestou, durante um evento em Sorocaba (SP). Depois, a apoiadores no Palácio da Alvorada, disse que, quando recebeu Luis Miranda, “nem sabia como estava a tratativa da Covaxin”. “Eu não tenho como saber o que acontece nos ministérios, vou na confiança em cima de ministros e nada fizemos de errado.”
Em documento enviado à Procuradoria-Geral da República, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que ocupava a pasta na época da negociação, afirmou que, atendendo a um pedido de Bolsonaro, pediu que o então secretário-executivo, Elcio Franco, fizesse uma “averiguação prévia” sobre a compra da Covaxin. “Após a devida conferência, foi verificado que não existiam irregularidades contratuais, conforme já previamente manifestado, inclusive, pela Consultoria Jurídica da Pasta da Saúde”, afirmou Pazuello à PGR.
Em seu relatório final, o delegado William Marinho constatou que Bolsonaro não avisou a PF sobre as alegadas irregularidades. Mas concluiu que ele não tinha o dever funcional de comunicar o fato, pois isso não está na lista de competências do presidente disposta na Constituição.
"Não há, nesse rol, um dever funcional que corresponda à conduta atribuída na notícia-crime ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro. De qualquer modo, no contexto dos fatos aqui considerados, ainda que não tenha agido, ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro não pode ser imputado o crime de prevaricação. Juridicamente, não é dever funcional (leia-se: legal), decorrente de regra de competência do cargo, a prática de ato de ofício de comunicação de irregularidades pelo Presidente da República", afirmou.
Caberá agora à PGR analisar o relatório da PF e, se concluir que também não há crime, pedir ao STF o arquivamento do inquérito. Em junho, quando parlamentares pediram à Corte a abertura de uma investigação sobre o caso, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, disse ter dúvida sobre de quem seria o dever de comunicar as supostas irregularidades e também sobre qual seria o “interesse pessoal” (exigido para a configuração do crime) para uma omissão em denunciar o caso.
As negociações para a compra da Covaxin foram iniciadas em 2020 e, segundo as investigações da CPI da Covid, "ao contrário das demais
vacinas, tiveram um trâmite diferenciado, mais ágil". Seriam adquiridas 12 milhões de doses, cada uma com preço, de US$ 15, 50% acima da média do valor pago pelas vacinas de outras fabricantes. As suspeitas também recaíam sobre a forma de contratação, por meio da Precisa Comercialização de Medicamentos Ltda., empresa que no passado respondeu por irregularidades no Ministério da Saúde, e não diretamente junto à fabricante, a Bharat Biotech.