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O local escolhido para o Acampamento Terra Livre (ATL) 2024 fica há cerca de três quilômetros do Congresso Nacional, na região central de Brasília. No gramado entre as vias do eixo monumental, a organização do evento afirma que cerca de 8 mil indígenas de 200 povos de todas as regiões do Brasil estão acampadas em barracas sob lonas pretas ou tendas.
O espaço destinado ao acampamento é cercado por tapumes e sob a vigilância de viaturas da Polícia Militar do Distrito Federal. A entrada não é controlada. Dezenas de ônibus ocupam os estacionamentos próximos da área. Logo na chegada, é possível verificar um movimento intenso nas barracas que vendem comidas, como pastéis, macarrão na chapa e espetinho com farofa e arroz.
Há ainda uma série de tendas que vendem roupas. Entre os itens encontrados mais facilmente estão vestidos e roupas de academia. Também há produtos eletrônicos básicos, como fones de ouvido, carregadores e capas de telefones celulares.
Havia ainda vestimentas com grafismos indígenas em uma tenda bem montada e organizada. O movimento ali, era bem menos intenso do que o visto em torno das roupas comuns, centralizados na área das tendas de não indígenas.
Entre os itens à venda, também era possível adquirir ervas de diferentes tipos e usos. Em embalagens plásticas algumas ervas eram identificadas apenas com uma etiqueta improvisada com escrita a caneta, outras tinham embalagens elaboradas e até marcas que podem ser encontradas na internet. As ervas, em sua maioria, eram destinadas ao uso medicinal.
Dois dos itens bem embalados e identificados eram o rapé, que consiste na mistura de tabaco e cinzas de cascas de árvores e/ou plantas, e o kumbachá, que utiliza flores e ervas secas em sua composição. Enquanto as instruções de utilização do kumbachá indicavam a utilização por meio de chá e da defumação, o rapé é “aplicado” pelo nariz, através do sopro, por auxílio de aplicadores, também a venda no acampamento.
Mas o comércio não é só destinado a atender às necessidades dos participantes do acampamento. Em dezenas de barraquinhas os comerciantes são os indígenas, que oferecem itens de sua cultura e região. Cocares de penas coloridas saem por preços entre R$ 800 e R$ 1.000 – de acordo com a cara do cliente. Pulseiras, brincos e adereços de penas ou miçangas custam entre R$ 30 e R$ 200. Também é possível negociar arcos, maracas (chocalhos) e cestas.
Os maiores clientes são os curiosos locais e os estrangeiros, que visitam o acampamento em grande número. Entre barracas lotadas, mulheres indígenas que se identificam como Pataxós se pintam com tintura preta de Jenipapo. Fotos com elas só pagando. Uma pintura tradicional no braço sai por R$ 20.
Impressões e orientações no credenciamento
Apesar do livre acesso e circulação, ao fazer o credenciamento junto à tenda da comunicação do evento, um documento com um “guia de boas práticas” precisava ser conhecido por quem quisesse fazer cobertura jornalística do evento. Além disso, algumas regras eram reforçadas: era proibido fotografar pessoas nuas e crianças e as entrevistas só eram permitidas com o consentimento dos coordenadores de cada delegação.
Entre os não indígenas que circulavam no evento, chamava a atenção a quantidade de estrangeiros: asiáticos e norte-americanos eram a maioria entre eles. O número de câmeras fotografando e filmando os debates nas tendas ou as rodas com indígenas cantando e dançando também era notável.
Espaços com itens para doação acumulavam indígenas, especialmente mulheres, avaliando as peças. Nos montes, havia desde roupas de criança até sapatos de salto alto e fino.
Demarcação de áreas no acampamento
Assim como pelo Brasil afora, dentro do acampamento também há "demarcação" de áreas indígenas. Os espaços são divididos de acordo com a região que os povos representam. Há sete organizações regionais de base, sendo elas: Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ArpinSudeste), Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul), Grande Assembléia do povo Guarani (Aty Guasu), Conselho Terena (povo terena do Mato Grosso do Sul), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Comissão Guarani Yvyrupa (povo guarani das regiões Sul e Sudeste). Os maiores espaços foram reservados para os povos vindos dos estados da Amazônia e do Nordeste.
Além das barracas, que são de responsabilidade dos indígenas, estruturas de tendas foram montadas para cada uma das sete delegações regionais. Nas tendas, ocorreram debates sobre a emergência climática e os caminhos para a transição energética justa na Amazônia Indígena e a proteção e demarcação de terras indígenas, por exemplo.
Além disso, os espaços também serviram para o lançamento de projetos. Um deles, financiado pelo BNDES por meio do Fundo Amazônia, é o projeto Dabucury, que pretende tratar da gestão etnoambiental das terras indígenas da Amazônia brasileira.
Tenda principal: indígenas e não-indígenas acompanharam debates
A tenda principal, chamada de Plenária, é a que possui a maior estrutura. Arquibancadas laterais, sistema de som, telão, palco e ventiladores estão montados no espaço. Da tenda Plenária foi transmitida ao vivo a sessão solene da Câmara dos Deputados que homenageou os 20 anos do Acampamento Terra Livre. Apesar da boa estrutura, apenas pouco mais de uma dezena de indígenas acompanhavam a transmissão. Uma tenda auxiliar, chamada de tenda do cinema também transmitiu a sessão e dali ainda menos indígenas acompanhavam a homenagem. A maioria havia marchado até o Congresso em uma manifestação e ainda retornava para o acampamento.
A plenária abrigou logo na sequência da transmissão da sessão solene os debates sobre “Os desafios enfrentados pelos povos indígenas frente à aprovação da Lei do Marco Temporal”. A plateia, antes pequena, passou a lotar as arquibancadas e até a ocupar o gramado no centro da tenda. O público era misto: havia indígenas e não-indígenas acompanhando os discursos.
No palco, dividiram o microfone a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), a coordenadora da 6ª Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal, Eliana Torelly e o procurador regional da República, Felicio Pontes. Além deles, os advogados indígenas Aléssia Tuxá, Kari Guajajara, Jorge Tabajara e Jocemar Kaingang também fizeram discursos repercutindo especialmente a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes sobre a lei do marco temporal para demarcação de terras indígenas.
Enquanto nos palcos e na plateia, um número pequeno de indígenas e não-indígenas acompanhavam os debates, nas barracas e áreas próximas a quantidade de pessoas comendo, descansando ou conversando era muito maior. O interesse nas pautas debatidas, não parecia portanto, ser unanimidade. Ao longo da Esplanada dos Ministérios, também se via grupos pequenos de indígenas, caminhando, conversando ou cantando.