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Com depoimento marcado para próxima quinta-feira (31), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deverá explicar à Polícia Federal (PF) a suposta venda de joias recebidas à época em que era chefe do Executivo. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também foi intimada a depor. Ambos tiveram os sigilos fiscal e bancário quebrados na investigação.
Além do casal, devem depor o advogado Frederick Wassef, que já defendeu a família Bolsonaro, o ex-ajudante de ordens Mauro Barbosa Cid, e os assessores Fabio Wajngarten, Marcelo Câmara e Osmar Crivellati. O pai de Cid, Mauro César Lourena Cid, também foi intimado.
Do transporte das joias até a suposta venda, a PF deve questionar os intimados sobre qual papel teriam na suposta venda e também a respeito da eventual responsabilidade do ex-mandatário no caso.
Saiba quais são os principais pontos desse caso que podem ser utilizados pela PF durante a oitiva para incriminar Bolsonaro:
Quem teve a ideia de vender as joias?
A PF quer apurar de onde partiu a ideia para vender as joias e relógios recebidos de presente da Arábia Saudita. A principal suspeita recai sobre o ex-ajudante de ordens Mauro Cid.
Preso desde maio por supostamente participar de um esquema de fraude de cartões de vacina, Cid teria retirado um kit de joias do acervo da Presidência da República, em junho de 2022, composto por um relógio da marca Rolex de ouro branco, um anel, abotoaduras e um rosário islâmico entregue a Bolsonaro em uma viagem oficial à Arábia Saudita, em outubro de 2019.
Em junho do mesmo ano, ao viajar na comitiva presidencial para a Cúpula das Américas, em Los Angeles, Cid teria levado o kit em um voo oficial da FAB. No dia 13 do mesmo mês, ele viajou para a Pensilvânia para vender o relógio Rolex de ouro branco e outro relógio da marca Patek Philippe.
Segundo a PF, existe um comprovante de depósito da loja para Mauro Cid no valor de US$ 68 mil nessa mesma data. O advogado do ex-ajudante de ordens chegou a alegar que o militar confessaria que o ex-presidente mandou que ele vendesse as joias. Entretanto, a defesa recuou e afirmou que Cid não acusaria Bolsonaro.
Recompra do Rolex
A PF também alega que o dinheiro da venda foi depositado na conta do pai de Cid, general Mauro Lourena Cid, nos EUA, e enviado aos poucos para o Brasil. Ainda de acordo com a PF, Wassef teria tentado recomprar os relógios vendidos, mas conseguiu readquirir apenas o Rolex. O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro teria participado da operação de venda e recompra do equipamento.
Por outro lado, a defesa de Bolsonaro negou que ele tenha recebido dinheiro pela venda do relógio. Já o advogado de Mauro Cid informou que o então ajudante de ordens só vendeu um relógio Rolex, e não um conjunto de joias.
Leilão de kit de joias Chopard
Um segundo kit de joias também teria sido vendido. A investigação encontrou indícios de que joias da marca Chopard foram colocadas em leilão nos Estados Unidos, em fevereiro deste ano.
O kit continha um relógio, caneta, anel, abotoaduras e um rosário árabe que foram dados ao ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque durante uma viagem oficial à Arábia Saudita, em outubro de 2021.
De acordo com o site onde o material foi anunciado, o lance inicial era de US$ 50 mil, o que equivale a cerca de R$ 245 mil na cotação atual do dólar.
Segundo a PF, foi constatado que “o número de série do relógio anunciado no site https://www.liveauctioneers.com/ é o mesmo número registrado no acervo privado do ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO, recebido em 29 de novembro de 2022, por meio do processo SEI 08500.018470/2023-03”.
No entanto, a própria PF constatou que as joias não foram arrematadas e foram devolvidas pela defesa do ex-presidente por ordem do Tribunal de Contas da União (TCU), em março deste ano.
Por outro lado, a PF identificou mensagens no celular do tenente-coronel Mauro Cid que tratam das tentativas de comercialização das joias. "Olá. E agora? Ninguém comprou o conjunto?", enviou ele, em inglês, para um interlocutor identificado como Nicholas.
Em abril, quando o caso foi revelado, a defesa de Bolsonaro negou qualquer tentativa de venda.
“Um presente de chefe de Estado dado ao governo brasileiro jamais poderia ir a leilão por inação de quem quer que seja”, explicou Fábio Wajngarten, que atua na defesa de Bolsonaro, na ocasião.
Mensagens de empresários
Além da oitiva sobre as joias, Bolsonaro também deverá ser indagado sobre o caso dos empresários que criticaram a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em um grupo de mensagens no WhatsApp. No entanto, a defesa do ex-presidente quer ter acesso aos autos da investigação antes de ele ser ouvido.
Na segunda-feira (21), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o arquivamento de investigação contra seis dos empresários que foram alvo de mandados em agosto de 2022, em razão de conversas sobre um suposto "golpe".
O ministro arquivou a investigação contra Afrânio Barreira Filho, José Isaac Peres, José Koury Junior, Ivan Wrobel, Marco Aurélio Raymundo e Luiz André Tissot. O ministro também concedeu à PF mais 60 dias para que sejam feitas diligências em relação a dois deles: Luciano Hang e Meyer Joseph Nigri.
Desafio institucional da PF
Ao comentar sobre o depoimento do ex-presidente, o advogado criminalista Gustavo Dandolini, professor da Universidade Federal de Rondônia (UFRO), afirma que o desafio da Polícia Federal (PF) será se restringir aos fatos descritos no processo.
“Na atual conjuntura política, recai sobre a PF um desafio institucional que me parece crucial para a confiabilidade do sistema de justiça criminal. Demonstrar que as investigações envolvendo fatos relacionados a Bolsonaro serão conduzidas sob as premissas de uma Polícia de Estado que, ao contrário de uma polícia de governo, atua orientada pela máxima eficácia da Constituição de 88”, diz o professor.
E acrescenta: “Quero dizer, objetivamente, que uma Polícia de Estado conduz investigações comprometida com o real esclarecimento dos fatos, inclusive, e se possível, produzindo provas que possam inocentar pessoas investigadas, sem o viés seletivo característico da polícia de governo”.