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Nos últimos dias, a cloroquina virou o foco do debate no Brasil sobre as formas de combater o coronavírus. O remédio, usado no país sobretudo para curar sintomas da malária, é considerado por alguns médicos e pesquisadores como a única esperança de tratamento para a Covid-19, com base em estudos preliminares. Mas, desde meados de março, a discussão sobre o uso da cloroquina ganhou uma forte carga política.
O debate começou a esquentar no dia 16 de de março, quando o bilionário Elon Musk, CEO da Tesla, afirmou via Twitter que “valia a pena considerar” a cloroquina como um tratamento para a Covid-19. Três dias depois, a droga ganhou o apoio público do presidente norte-americano Donald Trump. Dias depois, no 21 de março, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército aumentaria a produção do medicamento.
A adesão de Trump e Bolsonaro à mesma ideia facilitou a politização do debate sobre o remédio. Entusiastas dos dois políticos passaram a defender o uso massivo da cloroquina em pacientes com Covid-19, enquanto seus opositores passaram a enfatizar a falta de comprovação científica de sua eficácia e os possíveis efeitos colaterais de seu uso.
O Ministério da Saúde adotou uma terceira via, admitindo recomendar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina (derivado menos tóxico da cloroquina) em pacientes da doença com sintomas graves. No entanto, alguns defensores do uso do remédio argumentam que ele é menos eficaz se usado só quando a gravidade dos sintomas tiverem aumentado, e dizem que o Ministério deve recomendar que ele seja aplicado já nos primeiros dias de sintoma.
Os próximos dias serão decisivos em relação ao alcance da aplicação da cloroquina. O presidente Jair Bolsonaro tem feito pressão para que o Ministério da Saúde aceite ampliar esse alcance, deixando de restringir a cloroquina aos casos graves e críticos – isto é, só aos casos de pessoas que forem internadas devido à Covid-19.
Inicialmente, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, apoiava o uso só em pacientes críticos – isto é, que estejam em UTIs. Há alguns dias, passou a admitir que a recomendação se estenda a qualquer paciente internado.
Médica do gabinete de crise de Bolsonaro defende cloroquina para Covid-19
O estágio da doença em que se recomenda o uso da cloroquina é mais um elemento na politização do debate sobre o medicamento. Médicos respaldados por Jair Bolsonaro têm defendido, sobretudo, o uso em fase precoce da doença, o que contraria, até o momento, a recomendação de Mandetta.
Nise Yamaguchi, imunologista que faz parte de um gabinete de crise do coronavírus montado por Jair Bolsonaro, é hoje uma das principais defensoras da cloroquina no país. Ela está completamente alinhada ao presidente, por recomendar não só que a cloroquina seja liberada, mas também que seu uso em estágio precoce da doença seja promovido pelo governo.
“Eu sou favorável, sim, ao uso precoce, mas o precoce, talvez, para o quadro já instalado, aquele quadro mais com coriza, com tosse, porque muitos pacientes que só foram com tosse ao pronto-socorro já têm alterações inflamatórias pulmonares características”, disse em entrevista à Gazeta do Povo.
Apoiada em pesquisas recentes, ela considera que pacientes em estágio inicial da doença reagem melhor ao uso da combinação de hidroxicloroquina com Azitromicina. “Uma pequena tosse já pode apresentar uma inflamação no pulmão significativa. E, nesse sentido, a gente teve uma evolução muito melhor dos pacientes. Muitos pacientes que começaram a tomar essa combinação não precisaram mais ir para a UTI e nem ir para o tubo”, diz.
Ela explica que, depois de certo estágio, é mais difícil que a cloroquina reverta a ação do vírus. “Na hora que entra na inflamação, o pulmão começa a exsudar líquido, tecido, substâncias, células, e essas células começam a comer hemácias. Aí fica um processo inflamatório que é uma cascata, que você já não reverte, mesmo tirando o vírus que iniciou esse processo”, explica.
Outro lado: infectologista compara ideia de usar cloroquina a curandeirismo
Alguns infectologistas têm atacado a sugestão do uso da cloroquina em qualquer estágio. Jamal Suleiman, infectologista do Hospital Emílio Ribas, por exemplo, discorda radicalmente de Nise. “A cloroquina só tem sentido quando a gente tiver algum dado científico que possa dizer que ela tem um mínimo de eficácia. Por enquanto, esse dado não existe”, afirma.
Suleiman diz que quem divulga que a cloroquina é eficaz para a Covid-19 não está embasado em evidências científicas. “Tirando o Bolsonaro, que, que eu saiba, é um capitão reformado, e acho que ele não entende absolutamente nada de fisiologia”, acrescenta. Para o médico, “não há nenhum dado, em nenhum lugar do mundo, que prove que a cloroquina funciona na doença em humanos” contra o coronavírus.
Em relação à falta de provas científicas conclusivas, Nise Yamaguchi afirma que “no meio de uma pandemia, você não consegue ter tempo para fazer esses estudos, para eles ficarem maduros, para você poder utilizar”. Por isso, defende que vale a pena recorrer à cloroquina mesmo sem estudos conclusivos. Suleiman critica essa ideia: “No curandeirismo, vale essa hipótese. Em ciência, essa hipótese não vale.”
Para Nise Yamaguchi, politização cria medo infundado na população
Nise considera que as críticas ao uso da cloroquina têm, muitas vezes, teor político. “A gente não deve politizar uma situação, criar um medo infundado na população”, diz. “A gente não deve criar um pânico para uma medicação que pode estar salvando vidas. E aí as pessoas vão postergar e tomar exatamente quando já não adianta mais”, acrescenta.
Ela garante que não trata a questão com nenhum tipo de partidarismo. “Eu não tenho nenhum viés partidário. Eu cuido de todos os pacientes, de todas as bandeiras, de todos os governos. Eu tenho pacientes na área de câncer. Então, eu sou extremamente cuidadosa com a minha trajetória, com a minha carreira. Eu estou a serviço de um bem-estar para a população. Eu quero que saibam que existe cura, sim, principalmente quando é precoce o tratamento”, afirma.