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Efeito dominó?

Por que a direita brasileira vê na eleição de Trump um impulso para o seu plano em 2026

Donald Trump e Jair Bolsonaro
O ex-presidente americano Donald Trump mantém relação pessoal próxima com o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL). (Foto: Alan Santos/PR/Arquivo)

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A possibilidade de Donald Trump sair vitorioso na acirrada disputa pela Casa Branca contra a atual vice-presidente, Kamala Harris, entusiasma a direita brasileira, a começar por Jair Bolsonaro (PL) e os seus aliados mais próximos. O ex-presidente do Brasil classificou uma eventual eleição do republicano nesta terça-feira (5) como crucial para a corrida presidencial ao Palácio do Planalto em 2026.

"A volta de Trump é a certeza de um mundo melhor", disse Bolsonaro em um vídeo de apoio à eleição de Trump divulgado no domingo (3).

A torcida pelo americano parte da afinidade pessoal entre ele e Bolsonaro, mas vai além, com a convergência de pautas conservadoras e repulsa comum ao chamado globalismo. A esperança da oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com uma volta da direita ao poder nos Estados Unidos se alimenta ainda da expectativa de valioso apoio externo para as suas causas, especialmente o combate ao ativismo judicial.

A conexão política dos conservadores brasileiros com um eventual segundo governo Trump reforçaria a visão estratégica de uma onda global de direita. Isso porque a ideia de “efeito dominó” teria a recente eleição do presidente argentino Javier Milei como antecedente, ganhando tração com a conquista da maior economia mundial e mais influente ator geopolítico do Ocidente.

Para parlamentares, líderes partidários da direita brasileira e especialistas, esse movimento impulsionado por uma eventual eleição de Trump criaria um ambiente propício ao combate de rivais no plano doméstico e para fazer avançar a sua agenda. Se o cenário se confirmar, espera-se uma relação tensa entre Trump e Lula, gerando fatos incômodos e expondo diferenças ideológicas de suas gestões.

Especialistas descartam riscos de sanções dos EUA

Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Iricem), disse à Band FM que as relações diplomáticas e comerciais entre os Estados brasileiro e americano não devem mudar com uma eventual vitória de Trump. “Mas, tal qual com Milei e Lula, haveria desencontros entre os dois presidentes”, ressaltou.

O ponto mais ansiado pela oposição com uma vitória de Trump trata da parceria entre o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), que tem feito de líderes da direita o alvo principal de perseguições. A nova administração americana endossaria críticas ao ativismo judicial e daria a elas repercussão global, tal qual foi a reação de Elon Musk, dono do X.

Natália Fingermann, professora de Relações Internacionais da ESPM, não prevê impactos imediatos nas relações entre Brasil e EUA caso Trump seja eleito, devido a numerosos interesses já consolidados entre os dois países. No entanto, destaca a perda para o governo Lula de um importante aliado em pautas como a reforma de organismos multilaterais e o meio ambiente.

Sobre eventuais declarações de Trump com críticas diretas a Lula e menções positivas a Bolsonaro, a especialista vê essa possibilidade como plausível, dada a imprevisibilidade do ex-presidente americano, que “frequentemente foge do protocolo esperado de um chefe de Estado”, sobretudo ao participar de eventos internacionais organizados por grupos de direita, como o CPAC.

Lula e Trump têm mais pontos de atrito que de consenso na política externa

Especialistas apontam que o cenário eleitoral brasileiro pode ser impactado por uma vitória republicana em razão de divergências na política externa. A proximidade de Trump e Putin se alinha com Lula na questão da Ucrânia, ao contrário do Oriente Médio. Na briga com a China, os Estados Unidos devem criar taxas para produtos chineses, o que pode eventualmente aumentar o comércio de Pequim com o Brasil. Por outro lado, os EUA podem fazer pressão sobre o Brasil para tentar atingir a China. O cenário é incerto.

A reestruturação das cadeias de valor globais deverá se acelerar com Trump, com os Estados Unidos cada vez mais se isolando ou dando preferência para parcerias comerciais com aliados, principalmente os países do G7 ou vizinhos da América do Norte, como o Canadá e o México. Parte da direita brasileira anseia que a proximidade de Trump e Bolsonaro aumente a possibilidade de o Brasil também ser beneficiado nesse processo.

Daniel Afonso Silva, professor de Relações Internacionais da USP, entende que o Itamaraty não uma tenha posição consolidada sobre a situação eleitoral americana embora Lula já tenha sinalizado preferência por Kamala. Ele ressalta que, mesmo sendo positiva a relação do presidente com o atual colega Joe Biden, ela reflete “muito marketing e pouco resultado concreto”.

Quanto aos seguidores de Bolsonaro, “não restam dúvidas sobre o apoio explícito a Trump”. Silva entende que nem Trump nem Kamala vão alterar decididamente a política bilateral, uma vez que os maiores desafios para os EUA estão na Ásia (China), Europa (Rússia) e Oriente Médio (Israel). “No primeiro governo, Trump não inovou ao abordar o Brasil”, acrescentou.

Clã Bolsonaro acompanha de perto o desenrolar da campanha de Trump

O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que já foi cotado para a Embaixada dos Estados Unidos em 2019, espera que o retorno de Trump à Presidência fortaleça a liderança global dos EUA, abalada nos últimos anos. “O mundo não respeita mais as forças armadas americanas”, afirmou em entrevista à coluna Entrelinhas, citando casos de conflitos atuais em diferentes regiões.

O parlamentar torce por um reforço à luta internacional contra a censura, com o impulso este ano de projetos como o da deputada americana Maria Elvira Salazar, para barrar a entrada nos EUA de autoridades estrangeiras que violem a liberdade de expressão. Para ele, Trump pode tratar o embate entre o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e o seu aliado Musk como questão de Estado, por envolver bloqueio de ativos e série de sanções.  

Eduardo Bolsonaro foi convidado a acompanhar o anúncio do resultado das eleições americanas diretamente de Mar-a-Lago, a residência de Trump na Flórida, nesta terça (5). O deputado e seu pai criaram vínculos políticos e com a família do republicano que produziram episódios como vídeos de apoio recíproco em campanhas e encontros em solo americano.

Enquanto Bolsonaro festeja chance de vitória de Trump, Barroso lamenta

Em 22 de outubro, em conversa com a brasileira que foi atendida por Trump no dia anterior num drive-thru do McDonald’s, Bolsonaro frisou a relevância de o republicano vencer. “Espero que ganhe, porque é bom para o mundo e excelente para o Brasil. A imprensa o tempo todo contra ele, que fez valer a força da democracia americana. Se sucumbir, é péssimo para o Brasil”, disse.

Em tom inverso ao de Bolsonaro, o presidente do STF, ministro Roberto Barroso, afirmou no dia 24 que, a depender do resultado das eleições presidenciais americanas, a “corrente” do negacionismo climático pode aumentar. Sem citar Trump, o juiz fez essa declaração durante conferência ambiental do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também presidido por ele.

Brasileiros não acionam emergente lobby por sanções a governos abusivos

O lobby em Washington para penalizar abusos contra a democracia e direitos humanos envolve uma crescente indústria, com empresas e governos contratando ex-funcionários americanos para influenciar sanções. Segundo reportagem do Washington Post publicada na semana passada, os gastos estrangeiros para influenciar sanções subiram de US$ 6 milhões em 2014 para US$ 353 milhões no ano passado.

Empresas, países e até indivíduos contratam políticos e ex-autoridades americanas para influenciar parlamentares e membros do governo para estabelecer ou retirar sanções. Para isso, recebem pagamentos milionários. Ou seja, diferente do Brasil, lobby não é crime nos Estados Unidos. Assim, críticos de autoridades do Judiciário brasileiro possivelmente teriam que desembolsar altas verbas para vê-los sancionados pelo governo americano.

Todavia, as incursões de parlamentares do Brasil para buscar reações contra o ativismo judicial do STF no Congresso dos Estados Unidos, em organismos internacionais e junto a empresários como Musk ocorreram de forma direta e espontânea, apoiadas apenas por seus mandatos. Isto é, parlamentares têm viajado aos Estados Unidos para falar com congressistas americanos simpáticos às suas causas, pelo que veio a público, sem o recurso à indústria americana do lobby.

Alguns projetos de lei para combater a censura no exterior até tramitam no Legislativo dos Estados Unidos. Se forem aprovados, em tese, poderiam resultar em sanções a membros do Judiciário brasileiro.

O cientista político Márcio Coimbra, presidente do Instituto Monitor da Democracia e atuante no setor de relações institucionais em Washington, não vê sinais de lobbies por sanções contra abusos do governo brasileiro. Para ele, a direita brasileira torce pela vitória de Trump ao antever efeitos da parceria entre Trump e Bolsonaro.

“Os ex-presidentes tinham relação pessoal que ia além da ideologia e da cooperação entre os países. Com Biden, o Brasil já se afastou dos EUA, e esse distanciamento pode alcançar os líderes, caso Trump seja eleito, fortalecendo os conservadores brasileiros,” observou o especialista.

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