A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou na noite de segunda-feira (9) a interrupção temporária do estudo clínico no Brasil da Coronavac, a vacina contra Covid-19 produzida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo. Segundo a Anvisa, a decisão foi tomada após a comunicação de um "evento adverso grave", no caso o óbito de um voluntário de 33 anos que participava dos testes com o imunizante.
Em coletiva de imprensa nesta terça-feira (10), o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, afirmou que a suspensão dos testes foi uma decisão técnica e segue um procedimento padrão diante de dúvidas sobre possíveis efeitos colaterais. “Quando temos eventos adversos não esperados, aqueles que num primeiro momento não conseguimos estabelecer uma correlação, a sequência de eventos é uma só: interrupção dos estudos”, explicou. Ainda não se sabe se o voluntário que entrou em óbito tomou a vacina ou placebo, até porque os dados são sigilosos.
Barra Torres disse que o Instituto Butantan não detalhou qual era o "evento adverso grave" e, diante da falta de informação, se decidiu pela interrupção do estudo clínico. “As informações foram consideradas incompletas, insuficientes para que se continuasse permitindo o procedimento vacinal”, disse. A morte do voluntário ocorreu no dia 29 de outubro. De acordo com ele, o órgão paulista teve sete dias para se manifestar oficialmente sobre o óbito.
Durante a entrevista coletiva, os técnicos da Anvisa afirmaram que os ataques hackers ocorridos na semana passada em alguns órgãos do governo federal podem ter dificultado o repasse de informações sobre o óbito.
O Instituto Butantan disse que foi surpreendido com a decisão da agência nacional. Alega que informou a Anvisa que o evento adverso não tinha relação direta com a aplicação da Coronavac. “A conclusão do relatório que está em mãos da Anvisa neste momento diz exatamente isso: o evento adverso grave foi analisado e não tem relação com a vacina. Ponto”, disse o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas.
Um laudo do Instituto Médico Legal (IML) revelado nesta terça informa que o voluntário da Coronavac morreu após ter cometido suicídio. Aos jornalistas, o presidente da Anvisa classificou como "vazamento" a divulgação de informações pessoais sobre o voluntário que veio a óbito.
A Coronavac está em fase três de testes, a mais avançada nesse tipo de estudo. No total, 13.060 voluntários participam dos estudos. Testes do imunizante são feitos nas cidades de Brasília, Belo Horizonte, Cuiabá, Campo Grande, Curitiba, Pelotas, Porto Alegre, Barretos, Campinas, Ribeirão Preto, São Paulo, São Caetano, São José do Rio Preto e Rio de Janeiro.
A manifestação da Anvisa pela suspensão dos testes da Coronavac chama a atenção porque não ocorreu em situações semelhantes, quando outras vacinas testadas no Brasil, como as desenvolvidas pela Universidade de Oxford e pela empresa Johnson & Johnson, também tiveram os ensaios clínicos interrompidos por segurança em razão de "eventos adversos graves".
O posicionamento da agência reguladora também divergiu do adotado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgão que regula os estudos imunológicos em seres humanos no Brasil. Informado sobre o óbito, a Conep recomendou a continuidade dos ensaios clínicos, apesar do "evento adverso grave" registrado.
"Recebemos a notificação no dia 6 e chamamos uma audiência com os pesquisadores para aquele dia mesmo, à noite, para pedir alguns esclarecimentos. Com as informações prestadas, apesar de ainda preliminares, tudo indica que não há relação com a vacina e não vimos necessidade de interromper os testes", disse Jorge Venâncio, coordenador da Conep, ao jornal O Estado de São Paulo.
A Anvisa evitou estabelecer um prazo para reavaliar a decisão. De acordo com o gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da agência, Gustavo Mendes, é preciso confirmar que não há causalidade entre a vacina e "o evento adverso grave não esperado" verificado em um voluntário dos testes
A agência informou que a retomada dos testes para produção da vacina Coronavac depende de o Instituto Butantan acionar o Comitê Internacional Independente, responsável por dar um parecer sobre a realização dos testes, com informações detalhadas.
STF, TCU e Congresso cobram explicações sobre suspensão dos testes com a Coronavac
A decisão da Anvisa de suspender os estudos com a vacina chinesa no Brasil levantou suspeitas de que a motivação tenha sido política. O Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Congresso cobraram explicações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Nesta terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro compartilhou nas redes sociais a manifestação de uma seguidora com a seguinte frase: “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O Presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. A manifestação do presidente em tom de comemoração causou mal estar junto ao governo de São Paulo, alimentando suspeitas de que a decisão da Anvisa foi política.
À tarde, o ministro do STF Ricardo Lewandowski deu prazo de 48 horas para a Anvisa explicar as razões para suspender os testes clínicos da vacina Coronavac. O despacho atende uma Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada pela Rede Sustentabilidade, que tenta obrigar o governo federal a implementar um plano nacional de vacinação.
Lewandowski quer saber os "critérios utilizados para proceder nos estudos e experimentos concernentes" à Coronavac, "bem como o estágio de aprovação desta e demais vacinas contra a covid-19".
Em outra frente, o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, ingressou com uma representação para assegurar que a suspensão dos testes “foram pautadas em critérios objetivos com protocolos pré-estabelecidos e devidamente motivadas”. A representação tem o objetivo de evitar que a Anvisa atue de forma política. O presidente da agência é contra-almirante da Marinha e participou de manifestações em favor do governo federal, inclusive sem usar máscara durante o pico da pandemia no país.
Para Rocha Furtado, a investigação vai esclarecer se a Anvisa atuou de forma técnica, ou não. “Causa-me ainda mais espanto o fato de que a Anvisa aparentemente está sendo influenciada por ideologias políticas. Questiono-me onde está a tecnicidade e a independência tão importantes dessa agência”, afirmou.
Além disso, o Senado também quer investigar uma suposta influência política na Anvisa. O senador Confúcio Moura (MDB-RO), presidente da comissão mista especial de acompanhamento da Covid-19, convocou uma reunião emergencial para quarta-feira (11) para votar um requerimento de convocação dos diretores-gerais da Anvisa e do Instituto Butantan. Na Câmara, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) apresentou requerimento semelhante, que inclui ainda a convocação do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.
A expectativa é que as solicitações sejam aprovadas e as autoridades instadas a dar explicações sobre a guerra de versões entre os dois órgãos, que reverbera a polarização desencadeada pela vacina chinesa no mês passado entre Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Bolsonaro tem pregado cautela com relação à Coronavac e já afirmou ser contra a aquisição prévia do imunizante, alegando falta de testes. Doria, por sua vez, tem pressionado o governo federal a fazer a compra do medicamento para distribuí-lo por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), sob a justificativa de que a vacina chinesa será a primeira a entrar no mercado.
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