O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli, afirmou que a operação Lava Jato destruiu empresas. Não é de hoje que autoridades brasileiras endossam em algum nível a tese de que combater a corrupção prejudica a economia. Por exemplo: em julho de 2015, a então presidente Dilma Rousseff atribuiu à operação a pior recessão da história do país.
EDITORIAL: O que “destrói empresas” não é a Lava Jato, mas a corrupção
A controversa fala de Toffoli contraria o que estudiosos e especialistas pensam acerca do tema. Muito além de combater fraudes e ilicitudes, ou de ser uma questão de moralidade e ética, a ideia de que um combate efetivo à corrupção favorece o desenvolvimento econômico é um consenso acadêmico de longa data. Ele começou a se formar há cinco décadas, quando a professora de Direito, Economia e Políticas Públicas da Universidade de Yale Susan Rose-Ackerman publicou a já clássica obra “The Economics of Corruption: a study in political economy”.
A partir de então, as evidências passaram a constatar, com robustez cada vez maior, que a corrupção gera um impacto negativo na economia e nas organizações públicas.
Ela faz com que empresas menos eficientes e produtivas sejam favorecidas por meios ilícitos. Assim, restringe a competição ao afastar investimentos de empresas íntegras, especialmente capital externo.
As leis anticorrupção, por outro lado, melhoram o ambiente de negócios, impedem concorrentes corruptos e facilitam a operação de boas empresas nos mercados. Os estudos constataram que elas nivelam a competição, eliminando atalhos, trapaças e aplicações arbitrárias da legislação em benefício dos corruptores.
O discurso endossado pelo presidente do STF, portanto, foi superado há mais de 50 anos.
Investidores fogem de países com alta percepção de corrupção
Além do que conclui a literatura sobre o tema, a opinião de agentes do mercado sobre corrupção e investimentos em países em que há uma percepção associada a riscos de integridade do setor público também contraria Dias Toffoli.
Relatório da Control Risks, uma das maiores empresas do mundo na área de consultoria estratégica e de riscos, apontou que a corrupção continua sendo um grande risco nos negócios internacionais.
Segundo o levantamento, 30% das empresas entrevistadas no mundo disseram que não conseguiram vencer contratos em que havia fortes evidências de suborno pelo concorrente que foi bem-sucedido. O número no Brasil foi maior: 38%.
O levantamento apontou que em mercados emergentes, como é o caso brasileiro, a demanda pelos chamados “pagamentos de facilitação” para acelerar a rotina governamental são comuns e vistos como ameaça para atrair investimentos.
Segundo a consultoria, os subornos, mesmo que pequenos, causam graves danos ao mercado porque costumam ser acompanhados por uma ameaça implícita: “ou pague propina ou sua empresa sofrerá as consequências”. Nesse sentido, para um quinto dos entrevistados no mundo, eventual recusa a um pedido de suborno impõe “grandes atrasos e custos significativos”.
A avaliação no panorama brasileiro é ainda mais grave. Para 31% das empresas que atuam por aqui, não pagar uma oferta de suborno “pode gerar atrasos significativos na operação”, enquanto para outras 22% “o não pagamento pode gerar grandes e graves atrasos e consequências”. E 3% afirmaram que o não pagamento de uma propina no Brasil pode configurar a morte imediata do negócio. Isto é: há, no Brasil, uma percepção de parcela considerável dos agentes econômicos de que, caso não se pague propinas, é melhor desistir do negócio.
Para o advogado especialista em compliance e mestre em Corrupção e Governança pela Universidade de Sussex Carlos Henrique Barbosa, há uma relação direta entre esses números e o subdesenvolvimento dos países.
“Isso é mais comum em países subdesenvolvidos e superburocratizados. É uma clara evidência de que a corrupção não gera lucro e desenvolvimento, apenas perpetua uma lógica burocrática completamente ineficiente", afirma. Para ele, pagar propinas é premiar a ineficiência, aumentar os custos de entrada de novos agentes econômicos e afastar investidores estrangeiros cujos países têm leis mais rígidas a respeito.
Como empresas decidem investir e como a corrupção influencia nisso?
A Control Risks apontou também que 30% dos investidores do mundo decidiram recentemente não realizar negócios em determinados países por conta do risco percebido de corrupção.
Embora riscos à integridade do setor público não inibam investidores de atuar completamente, muitas boas empresas preferem ficar afastadas nesses casos. Mas dois setores em especial se destacaram no mundo para investidores optarem por não aplicar recursos no país: empresas de petróleo, gás e mineração, e as de construção – justamente os setores mais devassados pela Lava Jato.
Combater a corrupção, portanto, deixa investidores mais seguros e confiantes. De acordo com Barbosa, os cálculos sobre rentabilidade, viabilidade e todo o processo estratégico para se abrir negócios no exterior só começam a ser feitos quando há um mínimo de segurança em relação à corrupção.
Para o advogado, declarações como a de Dilma e Toffoli geram ruído, mas não efeitos práticos, tais como a desistência de se investir no Brasil.
"Só discurso não influencia. Ações e decisões que corroboram esse tipo de discurso, sim. A confusão em torno do Coaf ou da prisão em segunda instância, por exemplo, gera efeitos práticos e reveses”, compara.
O sócio da Arko Advice e especialista em riscos políticos Thiago de Aragão explica um pouco como funciona o processo de decisão antes de se investir em um país como o Brasil, e a influência e peso que riscos de corrupção têm nesse processo.
Ele conta que investidores querem transparência, então levam em consideração o histórico e a imagem de clientes e das pessoas com quem estão fazendo negócios e de agentes públicos que podem influenciar na operação. Assim, recorrer a empresas especializadas em "due diligence" para detalhar todos os possíveis riscos envolvidos é fundamental.
“Eles querem saber tudo antes de colocar dinheiro em uma operação: os sócios são confiáveis? O que as pessoas pensam sobre ele? Qual imagem se tem dele e da atuação da empresa?”
O analista político explica que até mesmo questões subjetivas podem fazer um investidor desistir ou seguir em frente em um negócio no Brasil.
“Um cliente nosso já desistiu de adquirir parte de uma pequena empresa em Santa Catarina ao ler nosso relatório sobre o sócio que continuaria administrando o negócio após a aquisição”, diz.
O que chamou a atenção de Aragão foi que não havia nenhum indício de corrupção: “Mas o administrador ostentava patrimônio em redes sociais, exibia proximidades com agentes públicos, como políticos e juízes… Foi o suficiente para desistirem do negócio”, conta.
Aragão explica que a Arko têm como clientes diversos fundos em Nova York e que nas reuniões eles apresentam as autoridades públicas com capacidade e poder de influenciar decisões no país.
“Nós apresentamos um termômetro em que categorizamos a confiabilidade, a previsibilidade, integridade e a transparência de cada um deles”, explica. “Se a operação de um determinado fundo precisar lidar com autoridades que tenham uma confiabilidade baixa, já é suficiente para eles desistirem do negócio”, complementa.
Investimentos e tempo são desperdiçados por causa de corrupção
Neste século, o Brasil teve avanços institucionais muito fortes e que possibilitaram o melhor combate à corrupção e a crimes de colarinho branco. Entre os exemplos, estão reformas na Lei de Lavagem de Dinheiro, a instituição de varas especializadas, a assinatura de acordos de cooperação internacional, a lei anticorrupção e a possibilidade de delação premiada. Sem esses elementos, a avaliação é que uma operação como a Lava Jato não teria sido possível.
A partir disso, a percepção externa em relação ao Brasil começou a mudar, ao menos em esfera federal. É o que explica o analista da Arko: “Os receios por causa da atuação de agências reguladoras eram muito grandes, e isso diminuiu. Em alguns estados, como São Paulo, Santa Catarina e Paraná se confia mais, mas na maior parte do país, a atuação estadual e municipal ainda gera muito temor”, diz Aragão.
Os dados da Control Risks endossam a fala do consultor: 52% das empresas no Brasil reconhecem que retiraram investimentos no país em virtude, principalmente, de riscos de corrupção, mesmo após já terem investido tempo e dinheiro no projeto. O número é superior à amostra global, que foi de 41%. Isso indica um desperdício de esforço e altos custos incorridos por conta da corrupção.
Um exemplo citado pela consultoria para ilustrar como um combate à corrupção ineficiente dificulta a atração de investidores é o caso colombiano: o país tem um mercado empolgante para investidores estrangeiros, com bom histórico macroeconômico e uma crescente classe média. Porém, é também um mercado com altos riscos de integridade: apesar de o país ter reformulado sua legislação anticorrupção, sua aplicação ainda é pouco efetiva.
“As autoridades policiais têm poucos recursos e são propensas a corrupção, e o sistema judicial está sujeito a longos atrasos e escândalos de integridade. Grupos de narcotráfico continuam poderosos e sua influência tem um efeito corrosivo nas instituições”. Para a consultoria, a falta de combate efetivo à corrupção é o principal entrave para a Colômbia atrair mais investimentos externos.
Negócios no Brasil dependem de muita interação com o poder público
Atualmente, o Brasil apresenta um alto risco para investimento não por falta de existência e aplicação de leis, mas porque a concretização de negócios depende de muita interação e discricionariedade de agentes do governo. A avaliação é da Trace International.
Portanto, reformas que restrinjam o poder discricionário de agentes públicos e a necessidade de interações entre público e privado diminuiriam os riscos e oportunidades corrupção, melhorando a atratividade de investimentos no Brasil. A ética, a integridade e a economia agradecem.
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