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Sem greve

Diesel subiu e tabela de frete não vingou. O que explica o recuo dos caminhoneiros em 2019

Greve dos caminhoneiros parou o Brasil em 2018. Categoria tentou, mas não conseguiu mobilizar nova paralisação em 2019
Greve dos caminhoneiros parou o Brasil em 2018. Categoria tentou, mas não conseguiu mobilizar nova paralisação em 2019 (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

Em meio às agendas reformistas dos governos brasileiros nos últimos anos, era comum ver as convocações de greves gerais por parte das centrais sindicais com o mote de parar o Brasil. Alguns protestos foram robustos, mas quem parou mesmo o país foram os caminhoneiros, com a histórica greve de dez dias de maio de 2018. Durante a paralisação, faltaram combustíveis nos postos e as prateleiras de mercados ficaram desfalcadas. Houve queda de R$ 48 bilhões no PIB daquele ano, alta na inflação e ruptura de confiança.

Havia sinais de que a relação seria diferente com o governo de Jair Bolsonaro. Muitos caminhoneiros eram simpáticos ao capitão e fizeram campanha para ele. O discurso do presidente também era de valorização da categoria, com acenos para atender a anseios como a redução do preço do diesel e a implementação da tabela de fretes.

Mas nem tudo saiu como no roteiro dos sonhos dos caminhoneiros. O governo não sustentou o preço subsidiado do diesel – hoje o combustível custa mais caro que em 2018 – e o frete com preço tabelado está na berlinda. Poucos pedidos dos caminhoneiros acabaram atendidos de fato.

Com isso, parte da categoria acenou com intenção de fazer paralisações ao longo do ano. As ameaças, no entanto, não se concretizaram: a articulação falhou e não houve movimento paredista.

O que mudou desde o ano passado foi a capacidade de articulação do movimento, que ficou ainda mais fragmentado que em 2018. Há ainda o fato de que boa parte dos caminhoneiros mantêm o apoio dado a Bolsonaro desde a campanha. E a disposição demonstrada pelo governo em conversar com a categoria, mesmo que sem atender às principais reivindicações, parece ter ajudado a neutralizar movimentos grevistas.

Veja quatro pontos que ajudam a entender por que a mobilização dos caminhoneiros perdeu força em 2019:

Desarticulação da categoria

Poucos viram como a categoria se articulou em 2018 para organizar a grande paralisação. As conversas entre os caminhoneiros não foram realizadas em “canais convencionais”, como reuniões de sindicatos. Foi pelo WhatsApp, divididos em diversos grupos, que os caminhoneiros trocaram informações e fizeram a articulação para a paralisação.

Essa pulverização da articulação também explicitava que não havia uma liderança unificada para o movimento. Há uma divisão entre os profissionais que atuam como prestadores de serviço para transportadoras e os que são motoristas autônomos. Nem mesmo a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), que quer representar esses profissionais, é unanimidade.

Na última ameaça de greve, em 16 de dezembro, a mobilização fracassou. Também iniciada por WhatsApp, a ação era apoiada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL), instituição ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT). A Abcam, por sua vez, declarou não ter relação com essa articulação, tampouco com a CUT. Esse é um exemplo de como é fragmentada a articulação da categoria.

Outras ameaças de greve, em março e setembro deste ano, por exemplo, também não foram adiante. Em uma das ocasiões, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, chegou a afirmar que se tratava de atos isolados com motivações políticas e partidárias. Ele afirmou que os caminhoneiros tinham seu número de telefone pessoal e que ele mesmo participava de vários grupos de WhatsApp. Além disso, lembrou que a categoria aguardava as ações do governo com paciência.

O preço do diesel

Combustível caro foi uma das motivações para a paralisação dos caminhoneiros no ano passado. De acordo com as pesquisas da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o preço médio de venda do litro do diesel no país, que começou 2018 em R$ 3,368 (diesel normal) e R$ 3,494 (S10), chegou a R$ 3,828 (normal) e R$ 3,899 (S10) no fim de maio, no pico da greve, quando houve desabastecimento de combustíveis em várias regiões.

Na época, para encerrar a greve, o governo se comprometeu a reduzir o valor do litro do diesel em R$ 0,46 por 60 dias. Para isso, houve um subsídio público para bancar o preço do diesel junto à Petrobras, e o governo cortou os tributos federais (Cide e PIS-Cofins). Alguns estados também reduziram alíquotas de ICMS.

As medidas tiveram efeito e houve uma redução nas bombas, mas não tão grande quanto ansiavam os caminhoneiros. O preço do combustível voltou a crescer em outubro, mas recuou dois meses depois. Na semana encerrada em 22 de dezembro de 2018 – um ano atrás, portanto –, o litro do diesel foi vendido a preços médios de R$ 3,456 (normal) e R$ 3,568 (S10).

A política de preços de combustíveis da Petrobras acompanha a oscilação do valor do petróleo no exterior, que é cotado em dólar. Apesar de ser um grande produtor de petróleo, o Brasil ainda precisa importar mais óleo de outros países.

Em meados de setembro, houve uma alta no preço do barril de petróleo após o ataque a instalações produtoras da Arábia Saudita. Na época, a Petrobras optou por monitorar a variação de mercado antes de fazer ajustes no preço, mas depois acabou elevando os valores que cobra das distribuidoras. Nas bombas, os preços médios do litro do diesel estão hoje cerca de 15 centavos acima dos praticados antes dos ataques.

Na última medição da ANP, referente à semana encerrada em 21 de dezembro de 2019, os preços médios do diesel no país foram de R$ 3,742 (normal) e R$ 3,811 por litro (S10) – 8% e 7% mais altos, respectivamente, que no fim do ano passado.

O valor do frete

Uma das demandas da categoria quando fez a greve era a criação de uma tabela de fretes, com preços mínimos para o transporte de cargas. A tabela foi criada, mas desagradou a todo mundo, dos caminhoneiros ao setor produtivo. Uma resolução da ANTT aumentou os valores a um patamar em média 30% superior aos preços praticados pelo mercado. Mas, na prática, os valores não “pegaram”. A medida virou um tiro no pé dos caminhoneiros, porque acabou reduzindo a renda média dos motoristas autônomos e reforçou a procura por transportadoras.

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, afirmou que alterações na tabela devem ser publicadas até 20 de janeiro. A intenção do governo é inserir novas categorias e classes de transporte e corrigir distorções detectadas pelos caminhoneiros. O anúncio ocorreu dias depois do fracasso da greve anunciada por parte da categoria.

Acenos do governo

Embora questões cruciais para os caminhoneiros como o preço do diesel e a tabela de frete não tenham sido resolvidas, o governo fez vários acenos à categoria ao longo deste ano, o que pode explicar a baixa mobilização dos transportadores.

Em abril, o Planalto anunciou uma série de medidas para atender a pedidos da classe. Naquele pacote, havia um mix de ações, como nova linha de crédito para financiamento de caminhões pelo BNDES, fiscalização da tabela do frete, melhoria das condições das rodovias e até a construção de espaço para descanso dos motoristas.

Neste mês de dezembro, o governo lançou o programa Roda Bem Caminhoneiro, uma parceria dos ministérios da Cidadania e Infraestrutura. Há previsão de investimento de R$ 18 milhões para fomentar um sistema cooperativo entre os motoristas. A ideia é que o programa dure 18 meses e atenda a 100 cooperativas, entre novas e as que já existem.

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