O levantamento semestral do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) sobre o número de greves no Brasil causou espanto entre economistas, sindicalistas e analistas ao revelar uma redução de mais de 40% no primeiro semestre de 2019, em comparação com igual período do ano passado – quando o número de paralisações já havia diminuído, tanto no serviço público quanto na iniciativa privada.
Depois de crescimentos constantes desde 2009 até chegar ao pico histórico de 2.114 greves em 2016, o número de paralisações de trabalhadores caminha para o terceiro ano consecutivo de queda, voltando a patamares de menos de mil greves por ano, caso a tendência se mantenha neste segundo semestre. A situação do emprego no país e o enfraquecimento de sindicatos por dificuldades de arrecadação – consequência da reforma trabalhista, que entrou em vigor no fim de 2017 – são apontados como as principais causas para essa diminuição.
Com 529 paralisações registradas, o primeiro semestre de 2019 é o período com menos greves desde o primeiro semestre de 2012, quando 488 categorias interromperam seus trabalhos para reivindicar aumento salarial ou melhoria nas condições laborais. Até junho, houve, neste ano, 258 greves na esfera pública e 268 no setor privado, o que também indica uma inversão em relação a 2018, quando 58% das greves foram no funcionalismo público.
“A gente imaginava que esse patamar de 2 mil greves anuais não seria ‘o novo normal’ das greves. A impressão que esse dado dava era de um inflacionamento nos conflitos do trabalho. Mas a gente imaginava que o desfecho fosse que o número de greves diminuísse no compasso da melhoria de condições de trabalho, de normatização equilibrada das relações de trabalho. E não é o que está acontecendo, pelo contrário”, avalia o técnico do Dieese Rodrigo Linhares, responsável pelo banco de greves do órgão.
Ele cita que as greves que seguem ocorrendo atualmente são de trabalhadores terceirizados de salários mais baixos, menos qualificados, principalmente em asseio, limpeza pública, em situações de meses de atrasos de salários e completo descumprimento de legislação, como depósito de FGTS.
“O desemprego aumentou, a inflação estagnou e os ganhos que se podiam conseguir através da greve não valiam o custo. Isso levou à primeira queda, em 2017. Por isso vemos que as greves são de trabalhadores que estão com salários atrasados, não que querem melhores salários”, diz.
Para João Saboia, professor emérito do departamento de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em mercado de trabalho a “impressionante queda” no número de greves está associada à insegurança do trabalhador.
"As pautas de greve, em geral, estão associadas a salário no setor privado. Com o mercado de trabalho piorando há cinco anos, com 28,5 milhões de pessoas subutilizadas, com a informalidade crescendo assustadoramente, o emprego com carteira assinada virou um objeto de desejo das pessoas", diz Saboia. "Está cada vez mais difícil e, por isso, as pessoas estão preocupadas, hoje, é com a manutenção do emprego e do seu salário, mesmo que não seja reajustado, até porque, com a inflação baixa, o poder aquisitivo dos salários diminuiu muito pouco. As pessoas que estão ocupadas não têm muito o que reivindicar, querem segurar seus empregos", avalia.
Para o professor da UFRJ, o número de greves poderá ser ainda maior no segundo semestre em razão das assembleias dos petroleiros – que, além das questões salariais, questionam a ideia de privatização da Petrobras – e da possibilidade de o governo transformar em proposta concreta a hipótese de reduzir a jornada de trabalho e, consequentemente, os salários, do funcionalismo.
“Até mesmo no setor público há uma compreensão do atual momento financeiro da União, dos estados e municípios, muitos com dificuldades para pagar em dia seus salários. Então só há possibilidade de se desencadear uma nova onda grevista se o governo realmente tentar mexer nas jornadas e salários do funcionalismo”, diz. Ele afirma, ainda, haver muita incerteza sobre como o governo Bolsonaro reagiria a uma greve do setor público, o que tem inibido movimentos mais ousados.
Saboia disse não ter se aprofundado na análise do efeito da queda na arrecadação dos sindicatos sobre os movimentos de greve, mas disse que certamente há reflexos.
Para Rodrigo Linhares, o efeito mais visível ocorre no setor público. “No funcionalismo público, o grosso das greves está na categoria dos professores municipais. Geralmente de municípios pequenos, com estruturas sindicais frágeis, que precisam de apoio financeiro de federações e centrais sindicais. E esse enfraquecimento dos sindicatos dificultou essa organização”, avalia.
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