As recentes ameaças de Nicolás Maduro de invadir e anexar parte da Guiana ao seu território revelam a verdadeira face do venezuelano. Para especialistas, a imagem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode ficar “manchada” devido aos diversos esforços do petista para tentar defender o ditador venezuelano.
Desde que assumiu para o terceiro mandato como presidente, Lula se movimentou para tentar “limpar” a imagem degradada de Maduro. Em maio, durante a Cúpula da América do Sul, o petista recebeu o ditador com honrarias de chefe de Estado e fez declarações controversas e a favor do venezuelano.
Na concepção do especialista em gestão de riscos e em geopolítica e socio-fundador da Arp Digital Consulting, Nelson Ricardo Fernandes, as recentes ameaças de Nicolás Maduro colocam Lula em uma situação delicada. “Na minha concepção, ele perde prestígio no Brasil. Se a pessoa não for fanática pelas pautas ideológicas do PT, ela não compra essa narrativa [da invasão venezuelana]”, pontua.
Já na América do Sul, Fernandes avalia que pode existir um desgaste maior com os países mais alinhados à direita, que devem criticar as movimentações de Maduro contra a Guiana. “Quantos aos países que têm presidentes de esquerda, acredito que possa existir uma tentativa de "fazer vista grossa", não criticar ou não falar nada, pois há uma identificação ideológica”, avalia.
Apesar das tentativas da diplomacia brasileira de não intervir no conflito, Fernandes avalia que, em caso de pressão em cima de Lula para se posicionar sobre a situação entre os vizinhos, o petista pode acabar “comprando a narrativa venezuelana” - como já fez em outras oportunidades.
"O Brasil, por tradição histórica, sempre ficou "em cima do muro". Nós não temos capacidade de projeção de poder e nem apetite para isso, como os Estados Unidos e a Rússia fazem, por exemplo. Não consigo imaginar o Brasil comprando briga ou indo para uma guerra. Caso Lula seja pressionado, acho que ele vai tender para a Venezuela, porque há uma identificação ideológica", avalia o especialista.
Ele compara a situação à posição que Lula adotou diante do conflito entre Rússia e Ucrânia, no qual o presidente brasileiro acabou dando declarações que iam ao encontro de Moscou, que deu início à guerra após invadir a Ucrânia em fevereiro de 2022. Para o especialista, isso se deve ao fato da identificação ideológica que Lula mantém com países de esquerda.
"Tudo que se refere ao comunismo, sempre teve o intuito internacionalista, que é acima do nacionalismo. Então quando ele olha para a Venezuela, ele olha esse link internacionalista. Por enquanto, Maduro tem uma narrativa que está se sustentando, 95% das pessoas [na Venezula] que votaram estavam a favor dessa invasão. Então, em algum momento, Lula vai comprar essa narrativa, mesmo que seja uma parte dela", avalia.
Brasil finge colocar tropas na fronteira para dar resposta às ameaças venezuelanas
Pela primeira vez desde o aumento da tensão entre a Venezuela e Guiana, Lula comentou sobre a situação durante coletiva de imprensa em Dubai, no domingo (3), e disse que espera “bom senso” das duas nações para resolver o impasse. No último mês, Lula, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o assessor de assuntos especiais, Celso Amorim, conversaram com representantes dos dois países para chegarem a um consenso.
No último dia 22, o Brasil promoveu uma cúpula com chanceleres e ministros da Defesa em Brasília e discutiu sobre a tensão em sua fronteira com líderes da Guiana e Venezuela. Em entrevista, Mauro Vieira afirmou que espera que a situação seja resolvida por "resolvido através da paz e de negociações justas".
"Nós [Brasil] já tivemos questões de fronteira com nove países vizinhos e com todos eles resolvemos nossas diferenças de fronteiras através da negociação, e sempre fomos respeitosos dos acordos atingidos", pontuou o ministro brasileiro das Relações Exteriores.
Para analistas ouvidos pela reportagem, as chances do Brasil intervir de forma ativa - no caso de uma escalada da tensão - são baixas. O doutor em Relações Internacionais e pesquisador da Universidade de Havard Vitélio Brustolin avalia, contudo, que o envio de tropas do Ministério de Defesa para a região de Pacaraima — principal fronteira do Brasil com a Venezuela — pode ser vista como uma “resposta” política do país às intenções de Maduro.
Brustolin explica que a região do Essequibo, que a Venezuela que anexar ao seu território, é uma área florestal e que não possui estradas. “É uma extensão de 800km de fronteira e que não há estradas. Para a Venezuela invadir e tentar ocupar aquela região, a passagem possível seria a fronteira com o Brasil, mas que agora está reforçada com tropas e sob supervisão das Forças Nacionais”, afirma.
Nos últimos dias, o Ministério da Defesa determinou o aumento das tropas que patrulham a região fronteiriça entre os dois países. Mais 60 soldados foram designados para a região, formando um efetivo com 130 homens. O reforço atende a um pedido do senador Hiran Gonçalves (PP-RR), que solicitou reforço nas tropas em Pacaraima (RR). Além disso, o setor de inteligência da Polícia Federal tem monitorado a região e vai abastecer o governo com relatórios que podem embasar eventuais decisões do presidente Lula.
Porém, 60 homens a mais equivalem a apenas dois pelotões, o que não faria qualquer diferença para dissuadir ou eventualmente intervir em uma ação armada da Venezuela. Os militares foram enviados para o Pelotão Especial de Fronteira de Pacaraima, que tem apenas a função dar um alerta em uma situação de perigo, mas não fazer frente a uma ameaça militar.
Apesar disso, segundo Hiran Gonçalves, a situação é de absoluta tranquilidade nas cidades de Roraima que fazem fronteira com a Guiana. Ele afimrou não acreditar que Maduro relamente vá entrar em guerra contra o país vizinho.
Disputa por território
Guiana e Venezuela têm enfrentado momentos de tensão nos últimos meses depois das ameaças da ditadura venezuelana de anexar a região do Essequibo, localizada na fronteira com Caracas. O território da Guiana está em disputa desde o século 19, mas, nos últimos meses, Maduro tem apostado em uma forte campanha para conseguir apoio da sua população na decisão de invadir e ocupar a região.
No último domingo, a população venezuelana votou em um referendo produzido pelo governo de Maduro e apoiou a decisão de anexar a área ao território do país. Ela representa 70% da Guiana, possui reservas de petróleo, minerais e inclusive de urânio, conforme relembra Brustolin.
No poder há mais de 10 anos, Nicolás Maduro segue a linha ditatorial e repressiva de seu antecessor, Hugo Chavez. Acusado de uma série de crimes contra os direitos humanos, de perseguir e assassinar opositores, o autocrata venezuelano é investigado pelo Tribunal Penal Internacional. Além disso, Maduro também tem sido acusado de manipular as eleições em seu país para não deixar o posto de presidente.
As próximas eleições do país, marcadas para 2024, inclusive, têm sido observadas com cautela por diversos organismos e autoridades internacionais. Neste ano, durante as eleições primárias no país, a candidata Maria Corina, o principal nome da oposição, foi considerada “inabilitada para concorrer ao cargo por 15 anos”, após anúncio da Controladoria-Geral da Venezuela — órgão que, devido ao regime ditatorial, é governador por Maduro.
Além dos interesses econômicos sobre a região do Essequibo, Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, mestre em Geopolítica pela Universidade Nacional de Defesa de Pequim e em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército, avalia que Maduro quer usar as discussões sobre a anexação do território vizinho para tirar o foco das eleições. "Ao programar o referendo acerca de uma questão que tem a quase unanimidade no país, com um forte apelo patriótico e nacionalista, Maduro conseguiu tirar o assunto “eleições” da pauta", afirma.
"O mais provável é que o governo venezuelano esteja utilizando uma conhecida e muito utilizada ferramenta para mudar o foco da atenção da opinião pública do país, que estava concentrada nas eleições presidenciais programadas para o ano que vem e na escolha da candidata da oposição, a liberal Maria Corina Machado. Agora, creio que ele vai tentar manter esse tema em evidência pelo máximo tempo que puder", pontua Gomes Filho.
Maduro tem dado indícios de que não está apto a exercer um mandato democrático desde que tornou sua principal opositora inelegível por 15 anos. Os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo ainda pontuam que a provável invasão venezuelana à Guiana e sua decisão de não seguir determinações do Tribunal de Haia contribuem para a imagem prejudicada do autocrata.
Além deles, Igor Macedo de Lucena, economista e membro do think tank britânico Chatham House, critica a equiparação da Guiana à Venezula por parte do Brasil. “O meu grande questionamento é se o Brasil vai continuar achando que Guiana e Venezuela são atores iguais e que há uma maneira de resolver isso simplesmente conversando. O Brasil precisa ser altivo, como não foi na Ucrânia e em Israel, e dizer que a Venezuela está cometendo um crime perante a comunidade internacional. Caso contrário, seremos vistos de forma muito prejudicial”.
Ao novamente fazer vista grossa sobre as atitudes de Maduro, Lula perde a oportunidade de ser o grande mediador de conflitos internacionais - papel que vem tentando assumir desde que chegou pela primeira vez à Presidência no início dos anos 2000. Isso porque Lula tem abertura com Maduro e poderia envetuamente pressiona-lo para desistir da empreitada.
Lula defendeu Maduro em diversas oportunidades
Em uma delas, Lula chegou a dizer que a Venezuela era vítima de uma “narrativa de antidemocracia e de autoritarismo” — o que lhe rendeu críticas de aliados e também de opositores. Ao afirmar que a situação na Venezuela não passa de uma “narrativa”, o petista foi criticado pelo presidente de esquerda do Chile, Gabriel Boric, pelo seu amigo e presidente da Argentina, Alberto Fernández, e pelo presidente de direita do Uruguai, Luís Lacalle Pou. Os líderes sul-americanos consideraram inaceitáveis as tentativas de ignorar os crimes cometidos pelo venezuelano.
Alguns meses mais tarde, o petista chegou a dizer que o conceito de democracia seria “relativo” ao voltar a comentar sobre o país de Maduro. "A Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. O conceito de democracia é relativo para você e para mim. Eu gosto de democracia, porque a democracia que me fez chegar à Presidência da República pela terceira vez", afirmou Lula em entrevista à Rádio Gaúcha. As eleições na Venezuela, contudo, não são reconhecidas por organismos internacionais devido às interferências do autocrata.
Devido à preocupação com a ditadura venezuelana e com os crimes cometidos por Maduro contra os direitos humanos, algumas nações passaram a fazer restrições à Venezuela com a intenção de frear o autoritarismo do ditador, como foi o caso dos Estados Unidos e de países europeus. Em um desses movimentos, o país foi suspenso do Mercosul (bloco comercial formado por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai) e de outras organizações sul-americanas.
O Brasil ainda chegou a costurar um acordo entre a Venezuela e os Estados Unidos, nos últimos meses, para que as sanções do gigante norte-americano sejam reduzidas com a condição de que Maduro se comprometa a realizar eleições seguras e com participação da comunidade internacional. O que, na visão de alguns especialistas, não tem sido cumprido.
Lula chegou a dizer que desejava reintegrar a Venezuela às discussões internacionais. O petista afirmou, inclusive, que apoiava a entrada do país nos Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Essas tentativas, contudo, não foram muito bem-vistas — nem pela oposição e nem pelos aliados de Lula.
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