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Logo após a vitória de Donald Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus aliados passaram a defender que a partir do ano que vem a relação com os Estados Unidos da América (EUA) seja marcada pelo pragmatismo. Apesar disso, a avaliação dentro do Palácio do Planalto é de que a vitória do republicano deve ter impactos em diversos campos no Brasil.
No campo das relações entre os dois países, o Palácio do Itamaraty acompanha a partir de agora as movimentações sobre as escolhas do secretariado que será montado por Trump. A diplomacia brasileira acredita que, a partir dos perfis que forem apresentados pelo presidente eleito, será possível avaliar o estilo de governo que será adotado a partir do ano que vem.
Um dos nomes cotados na imprensa internacional para assumir a secretaria de Estado no governo Trump é o do senador republicano Bill Hagerty, que no ano passado cobrou o presidente americano Joe Biden por ele não ter aplicado sanções ao Brasil quando Lula permitiu que dois navios de guerra iranianos, alvos de sanções pelos EUA, atracassem no porto do Rio de Janeiro em fevereiro de 2023. Nesse cenário, os Estados Unidos podem passar a adotar uma postura mais incisiva contra os acenos de Lula ao Irã.
Durante a campanha eleitoral norte-americana, o Ministério das Relações Exteriores já vinha mantendo contato com a equipe de Trump. Em 2023, as exportações brasileiras ao território norte-americano somaram US$ 36,9 bilhões. O país é o segundo maior parceiro do Brasil na troca de bens — atrás apenas da China, e uma eventual adesão do Brasil à Nova Rota da Seda da China também pode gerar atritos na relação com os Estados Unidos.
Depois de Lula ter sugerido que Trump na Casa Branca significava a volta do "fascismo e nazismo com outra cara" e de ter apoiado a democrata Kamala Harris, o governo passou a adotar cautela e avalia quais serão os impactos direto na política nacional com a mudança de comando na Casa Branca. Depois de reconhecer a vitória do republicano através de uma publicação nas redes sociais, o presidente brasileiro disse em entrevista à Rede TV!, cuja íntegra será veiculada neste domingo (10), que espera que Trump estabeleça uma relação "civilizada" com o Brasil.
“Eu espero que a convivência seja a convivência civilizada que eu já tive com o Bush – que era do Partido Republicano – que eu já tive com o Obama, que eu já tive com o Biden. Essa é a relação que eu quero estabelecer, uma relação entre dois chefes de Estados, cada um representa o seu país, cada um tem interesses próprios nacionais", disse Lula.
O principal temor por parte do Palácio do Planalto é de como a volta de Trump nos EUA vai impactar na direita brasileira. Ainda durante a disputa, parlamentares que foram acompanhar a apuração do pleito norte-americano já demonstravam entusiasmo com o efeito de uma vitória do republicano.
"O mundo continua sua guinada para a direita e tenho certeza de que em 2026 estaremos de volta com Bolsonaro", disse o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), que foi para os Estados Unidos acompanhar o dia de apuração. O ex-presidente foi declarado inelegível pela Justiça Eleitoral do Brasil até 2030, mas existe a expectativa, por parte da direita, que a situação seja revista ou alterada por meio do Legislativo.
"O Congresso é o caminho para quase tudo. É o Poder mais importante”, disse Bolsonaro em entrevista ao Globo ao ser questionado sobre a possibilidade de reverter sua inelegibilidade.
Planalto quer conter os efeitos da vitória de Trump na direita brasileira
A avaliação entre os aliados de Lula é de que é preciso conter o entusiasmo da direita no Brasil com a vitória de Trump. Apesar das diferenças entre as legislações e o sistema eleitoral dos dois países, os governistas acreditam que um eventual empenho do presidente norte-americano junto ao ex-presidente Bolsonaro pode acabar refletindo na disputa de 2026.
O principal ponto de alerta para o Planalto diz respeito à comunicação do governo com a classe média e com o eleitor de centro. Em termos de comparação, os petistas avaliam que esse foi o ponto que deu a ampla vitória para Trump nos Estados Unidos e que também poderá ser decisivo para o eleitor nas eleições do Brasil.
"A eleição de Trump mostrou uma coisa: o que importa é o dinheiro no bolso do povo e preços justos nos alimentos. Se a economia real não melhora a vida das pessoas, de que adianta a macroeconomia para elas?", afirmou o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG).
Para ele, o campo da esquerda precisa "se manter atento e focar nas necessidades reais das pessoas". "Caso contrário, o Brasil pode enfrentar o mesmo 'efeito-surpresa' indesejável nas urnas", completou o petista.
Na mesma linha, a deputada Gleisi Hoffmann (PR), presidente nacional do PT, admitiu que a vitória de Trump terá influência no Brasil. A eleição de Trump é um sinal de alerta para o campo democrático no mundo todo. A polarização se mantém como uma realidade e temos de nos preparar para enfrentá-la também aqui no Brasil, onde a extrema-direita já se assanha", escreveu a petista nas redes sociais.
Dentro do governo, a principal questão levantada é de que, assim como nos EUA, a questão econômica e a pressão sobre os preços serão decisivas nas eleições. Neste ponto, os petistas ainda debatem qual será a fórmula para melhorar a comunicação com esse eleitorado que eventualmente possa ser atraído pelo discurso da direita brasileira alinhada com Trump.
Um dos pontos explorados pela oposição no Brasil, por exemplo, diz respeito ao preço da picanha em alusão a uma frase do presidente Lula durante a campanha. Nesta semana, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) também avaliou que a economia será decisiva em 2026, sobretudo inflação e poder de compra.
De volta ao cenário político após ter suas condenações anuladas pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-ministro José Dirceu já descarta as comparações com as eleições dos EUA. O petista é apontado como um dos nomes que vai tentar ampliar a viabilidade eleitoral de Lula para a tentativa à reeleição em 2026.
"Bolsonaro não é o Trump. Lula não é Biden nem a Kamala. Trump tomou conta do Partido Republicano e o transformou num partido trumpista. Nossa direita não é toda bolsonarista. Bolsonaro tem o PL e os outros partidos podem ou não estar com o Bolsonaro. Agora, lógico que tem que mudar. A esquerda tem que encontrar um caminho para retomar território, voltar à juventude, trabalhar com as redes e atualizar a sua mensagem", disse Dirceu em entrevista ao jornal O Globo.
Trump deve esvaziar pauta ambiental promovida por Lula
Ponto que já vinha causando temor por parte do Planalto desde as eleições dos Estados Unidos, a agenda ambiental que será adotada por Trump também está sendo acompanhada por integrantes do governo Lula. Uma mudança de postura do governo norte-americano deve esvaziar a pauta que o petista vinha tentando implementar desde o início do seu governo.
A aposta de Lula para o ano que vem é justamente a realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), em Belém, no Pará. O evento terá como objetivo revisar e fortalecer o Acordo de Paris.
O tratado estabelece uma série de ações a serem seguidas pelos países signatários para reduzir as emissões dos gases do efeito estufa. Em seu primeiro mandato, Trump retirou o país do acordo assinado por 195 países por considerá-lo "desvantajoso" aos americanos. A tendência é repetir o ato depois que o presidente Joe Biden recolocou a nação no tratado.
Temendo um esvaziamento do evento sem a presença dos Estados Unidos, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, avaliou que uma estratégia possa ser buscar os governos estaduais norte-americanos.
"Nos EUA os estados são independentes, e muitos estados podem fazer o enfrentamento à mudança climática independentemente do governo federal. É claro que é melhor quando se tem um alinhamento interno, como temos aqui no Brasil", disse Marina Silva. Sobre a ascensão de Trump, a ministra questionou se os países "precisarão trabalhar dobrado" caso uma nação não faça a sua parte.