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Pragmatismo

Menos emoção, mais razão: entenda a nova relação do governo Bolsonaro com o Congresso

Presidente Jair Bolsonaro durante café da manhã com parlamentares do PSC, em junho: nova relação com o Congresso.
Presidente Jair Bolsonaro durante café da manhã com parlamentares do PSC, em junho: nova relação com o Congresso. (Foto: Marcos Corrêa/PR)

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A linha pacífica que o presidente Jair Bolsonaro adotou nas últimas semanas veio para ficar. A diminuição de declarações controversas, em especial contra lideranças do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), se justificou pelo recolhimento ao qual Bolsonaro foi forçado após contrair coronavírus, mas também corresponde a uma estratégia em curso no Palácio do Planalto.

Como disse o ministro das Comunicações, Fábio Faria, em entrevista recente ao jornal O Globo: "ninguém aguenta mais brigas todos os dias". Nem mesmo o recente racha no Centrão, que enfraquece a base de apoio do governo no Parlamento, é capaz de tirar o chefe do Executivo do sério.

A tendência "paz e amor" na relação de Bolsonaro com o Congresso é reforçada por uma dose de pragmatismo. Depois de uma semana ruidosa, em que a Câmara aprovou a prorrogação do Fundeb em uma votação com idas e vindas por parte do governo, a ideia é intensificar o alinhamento com os deputados e senadores. O envio da reforma tributária por parte do ministro Paulo Guedes (Economia), no mesmo dia em que o Fundeb foi votado, é parte deste esforço.

O pragmatismo envolve ainda a continuidade da retirada de parlamentares considerados mais "ideológicos" das funções de liderança do governo no Congresso. Hoje, o governo tem como líderes no Senado e no Congresso dois senadores experientes: respectivamente, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e Eduardo Gomes (MDB-TO).

Na Câmara, o líder é o deputado Vitor Hugo (PSL-GO) — que está em seu primeiro mandato e foi eleito na onda bolsonarista de 2018, mas é visto como menos ideológico do que alguns de seus colegas de partido. Ele foi às redes sociais na semana passada celebrar a aprovação do Fundeb, o que fez parte do esforço do governo para vender a votação como uma vitória, e não uma derrota do Palácio do Planalto.

A deliberação sobre o Fundeb foi o que levou à queda da deputada Bia Kicis (PSL-DF) da vice-liderança do governo. A parlamentar, que sempre foi uma das principais defensoras de Bolsonaro no Parlamento, não apenas votou contra a proposta mas também se posicionou de modo a indicar que o governo não queria a aprovação da iniciativa. Kicis caiu da vice-liderança e soube da decisão pela imprensa. No sábado (25), porém, ela recebeu Bolsonaro em sua casa em uma visita-surpresa.

A conduta de Vitor Hugo não foi suficiente para que seu nome estivesse livre de especulações. Nos últimos dias, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) foi citado como possível novo líder do governo na Câmara. A indicação é de que Bolsonaro precisaria de um nome mais experiente do que Vitor Hugo — Barros está em seu quinto mandato na Câmara e foi ministro durante o governo de Michel Temer (MDB). A Gazeta procurou Vitor Hugo e Barros, mas não obteve retorno.

"Ideológico" denuncia afastamento; para outros, procedimento é normal

O movimento de troca de deputados "ideológicos" da liderança do governo começou ainda no início do mês, quando Bolsonaro excluiu Otoni de Paula (PSC-RJ) e Daniel Silveira (PSL-RJ) da vice-liderança do governo na Câmara. Ambos estão entre os maiores críticos da atuação de ministros do STF.

Parlamentares que continuam em cargos de liderança minimizam a importância do episódio. "Os cargos de líder e vice-líder são dinâmicos e as trocas são naturais e salutares", disse o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), um dos vice-líderes do governo no Congresso, que definiu como "fato superado" o episódio envolvendo Bia Kicis.

Também vice-líder do governo, mas na Câmara, Evair Vieira de Melo (PP-ES) endossou a opinião: "a Bia é alguém com quem o presidente tem uma relação pessoal, e ela cumpriu a missão dela. O rodízio nas lideranças é algo normal. E ser vice-líder não chega a ser um privilégio".

Para um deputado mais vinculado à ala ideológica do bolsonarismo, porém, a mobilização ainda deixa efeitos. E desagrada os apoiadores de primeira hora do presidente. "Há uma sinalização clara para afastar os deputados mais ideológicos e fortalecer o Centrão", disse. Ele atribui a atuação "não ao presidente Bolsonaro, mas a pessoas próximas dele" — mais especificamente, o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo.

Ramos já havia entrado na mira de outro bolsonarista, Daniel Silveira, quando o parlamentar do Rio foi retirado da vice-liderança, no início do mês. Mas Feliciano elogia o ministro: "o governo hoje conta com um grande articulador, o ministro Ramos. Pudemos sentir o entusiasmo dos líderes e vice-líderes de todas as esferas de governo numa reunião, onde se via a empolgação geral".

Governo se aproxima do Centrão enquanto bloco declina

A aproximação do governo com o Centrão, criticada pelo deputado bolsonarista, se aprimora num momento em que o grupo sofre um abalo na Câmara. Nesta segunda-feira (27), MDB e DEM anunciaram que vão deixar o bloco que 'oficializa' o Centrão entre os deputados, que conta com outros sete partidos e é comandado por Arthur Lira (PP-AL).

Os efeitos da movimentação de DEM e MDB foram minimizados por parlamentares de diferentes partidos, e também por lideranças governistas. A alegação destes parlamentares é que os dois partidos se desvincularam do bloco apenas para terem mais autonomia nas decisões da Câmara, e o movimento não tem conexão com o apoio ou não à gestão Bolsonaro.

A própria construção do bloco, feita no início da legislatura, não teria razões ideológicas, e teria sido executada apenas para assegurar mais poder às siglas na Comissão Mista de Orçamento (CMO). "As pessoas não entenderam porque houve a interrupção desse bloco. O bloco foi montado unicamente para a obtenção da relatoria na Comissão de Orçamento. Os deputados desses partidos que estão na base continuarão apoiando o governo, é um movimento já consolidado", desmereceu Evair.

Em nota oficial, a bancada do DEM na Câmara disse que "a saída se dará por questão regimental, posicionamento de bancada quanto a requerimentos, urgências, destaques e reposicionamento de autonomia" — o verbo no futuro, "dará", se explica porque o desligamento precisa ser formalizado pelo partido, o que ainda não ocorreu.

Já Silveira vê com outros olhos a ação dos partidos: "eu vejo com preocupação. Quando esses caras se movimentam, a gente não sabe bem o que esperar".

Uma das razões colocadas pelo parlamentar é a briga pela presidência da Câmara, que terá eleições no próximo mês de fevereiro. O bloco do Centrão tem cinco pré-candidatos ao posto: Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Capitão Augusto (PL-SP), Baleia Rossi (MDB-SP) e Elmar Nascimento (DEM-PB), além do próprio Lira, que tenta ser o candidato com a chancela do Palácio do Planalto.

Os próximos passos no Congresso

Brigas políticas à parte, o governo precisa de solidez para emplacar suas pautas no Congresso. O Fundeb, depois da aprovação na Câmara, precisa ser apreciado no Senado. Há outros tópicos citados como de relevo pelo Executivo, como as reformas tributária e administrativa, a revisão do pacto federativo e assuntos ainda ligados à pandemia de coronavírus.

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