Após a revelação na quarta-feira (19) de cenas envolvendo o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Marco Gonçalves Dias, circulando entre invasores do Palácio do Planalto, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos de vandalismo de 8 de janeiro se tornou inevitável. E junto com sua instalação na próxima semana, o governo terá de enfrentar uma série de perguntas da oposição.
Para políticos e analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o contexto aberto pela revelação das imagens anulou de vez a estratégia de governistas para impedir a CPMI com manobras protelatórias e tentativa de convencer parlamentares a retirarem apoio à investigação. Além disso, eles citam questões referentes a autoridades federais que até então não tinham sido citadas publicamente na investigação em curso da Polícia Federal e presidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Até agora são muitas as questões suscitadas pelas imagens no Palácio do Planalto:
- Por que o governo decretou sigilo sobre vídeos?
- Por que o chefe do GSI estava presente no Palácio do Planalto durante a invasão?
- Lula já sabia que Gonçalves Dias testemunhara a invasão? Se sim, por que não o demitiu antes?
- Por que o Exército e a Força Nacional não intervieram diante de alertas e de testemunhos de autoridades in loco?
- Qual foi o papel desempenhado pelo ministro da Justiça no desenrolar deste episódio?
- Todas as imagens das câmeras do Palácio do Planalto foram enviadas à Polícia Federal e ao STF?
A base do governo também indicou que tentará saber quem vazou as imagens da invasão para a CNN Brasil e quem foram os financiadores dos atos de vandalismo.
Governo muda de estratégia sobre a CPMI
A reação imediata do governo foi, além de afastar Gonçalves Dias do cargo, colocar os seus líderes e articuladores no Congresso para declarar apoio à CPMI, num esforço político para não perder o controle da narrativa sobre a depredação na Praça dos Três Poderes e de que sempre cooperou com as investigações. Em paralelo, a lista de apoios ao requerimento da CPMI ganhou mais 25 deputados.
Segundo Eduardo Galvão, coordenador do MBA de Relações Institucionais do Ibmec-DF, qualquer investigação parlamentar sempre provoca rancores entre políticos e, diante de um quadro polarizado e tendo de levar adiante uma série de pautas importantes no Congresso, os governistas sabiam da necessidade de evitar os riscos do processo investigatório.
“Até oponentes precisavam ser poupados, devido à necessidade de votos para aprovar projetos como a reforma tributária, além de blindar Lula de pedidos de impeachment”, disse.
O professor ressalta que os índices de aprovação popular do governo não estão em patamares esperados para seu atual momento, tornando a defesa de sua reputação ainda mais desafiadora. “As imagens divulgadas pela CNN colocaram o Planalto num beco sem saída, deixando claro que colocar agora panos quentes provocaria prejuízo político ainda maior. O apoio à CPMI foi escolha difícil, mas prevaleceu o cálculo do custo político sobre uma piora da percepção da opinião pública, caso seguisse resistindo a ela”, explicou.
Divulgação das imagens fragiliza ainda mais governabilidade de Lula, aponta analista
A divulgação de vídeos que exibem o ex-ministro Gonçalves Dias – general amigo de Lula por longa data e chefe da segurança da Presidência – circulando entre invasores, em vez de resistir a eles e até abrindo portas e indicando rotas de saída no andar do gabinete do presidente, trouxe mais incômodos para uma ainda frágil governabilidade. Para especialistas, com 101 dias de atraso, Lula foi forçado a reagir aos fatos, sob acusação da oposição de que estaria escondendo-os.
“A provável instalação da CPMI para investigar invasões de 8 de janeiro terá impacto negativo para o governo. A divulgação das imagens do ministro Dias renovou a força do discurso oposicionista, que vai explorar a inefetividade do aparato de segurança interna dos prédios e a possibilidade de agentes da esquerda infiltrados nas manifestações”, comentou Arthur Wittenberg, professor de políticas públicas do Ibmec-DF.
Para ele, a instalação da CPMI também pode causar atrasos significativos na tramitação de proposições legislativas de interesse do governo, incluindo a agenda econômica. “A comissão deve ocupar boa parte da agenda nacional, reduzindo espaço para o debate em outras áreas, como saúde, educação e meio ambiente”, sublinhou. “A energia do governo terá que ser dividida entre articulação do dia a dia e contenção de danos na CPMI”, acrescentou.
Analistas políticos do Senado afirmam que Lula perdeu a chance de avalizar uma CPI conduzida por seus apoiadores naquela Casa, preferindo barrar a iniciativa – parlamentares do PT e a da base do governo retiraram apoio à CPI proposta pela senadora Soraya Thronicke (União-MS) ainda em 8 de janeiro. Agora o governo corre para procurar ocupar os postos em uma comissão proposta pelo deputado oposicionista André Fernandes (PL-CE), que é um dos investigados pelo inquérito do STF sobre os episódios de 8 de janeiro.
As respostas que os deputados da oposição cobram do governo
Enquanto culpava autoridades do Distrito Federal e militares alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e infiltrados no Palácio do Planalto pela facilidade de acesso aos prédios invadidos, Lula não deu explicações sobre o sigilo de cinco anos para as mais de 160 horas de vídeos internos gravados naquele dia. Segundo os parlamentares de oposição, as imagens sugerem conivência com o que ocorreu.
O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) afirma que as imagens mostram que o general Gonçalves Dias contribuiu para que a ação dos invasores fosse mais danosa ao patrimônio público. Para ele, o conteúdo explica também a negativa da Abin em atender à solicitação formal de seu partido para acessar imagens.
“O Planalto sabia que os vídeos eram comprometedores. Mas agora eles reforçam o argumento dos que querem investigação séria sobre a depredação e a omissão, enquanto injustiças devem ser corrigidas”, avaliou.
Ao pedir exoneração, Gonçalves Dias não fica isento de dar explicações sobre sua conduta à Polícia Federal e ao Congresso. A primeira oitiva deverá ser na próxima quarta-feira (26), na comissão de segurança da Câmara, para a qual foi convocado, após não atender ao convite para falar à sessão do mesmo colegiado na quarta-feira (19). “Entrei no Palácio depois que o Palácio foi invadido e estava retirando as pessoas do terceiro e quarto pisos, para que houvesse a prisão no segundo, justificou Gonçalves Dias à GloboNews.
“As condutas de agentes públicos do GSI envolvidos estão sendo apuradas e, se condutas irregulares forem comprovadas, os respectivos autores serão responsabilizados”, afirmou comunicado do GSI. As explicações, contudo, são insuficientes, na visão de opositores.
O senador Sergio Moro (União Brasil-PR) entende que as imagens reveladas pela CNN agregam fatos a serem avaliados pela CPMI, “antes e depois do 8 de janeiro”. Sua principal indagação é por que o governo omitiu que Gonçalves Dias estava presente e por que escondeu a informação de que agentes do GSI atuaram com passividade na invasão. O parlamentar apresentou na Mesa do Senado um requerimento para convocar o ex-ministro do GSI de Lula, para explicar fatos e desdobramentos na comissão de segurança da Casa.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou não ver qualquer motivo para o governo temer a abertura da CPMI. Mas preferiu mostrar qual deve ser o foco perseguido pelos membros da base. “A pauta perdeu força, pois os órgãos de Estado seguem atuando e avançando nas devidas investigações deste triste episódio. Não será difícil revelar quem financiou a organização desses atos”, disse.
O cientista político José Amorim também avalia que o “fato novo” dos vídeos diminuiu a resistência para a CPMI, que vinha sendo mantida pelo governo com ajuda do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por meio de medidas protelatórias.
“A urgência agora em se apurar tudo vai exigir mais habilidade política do Planalto. Até então, Lula já enfrentava dificuldades em convencer parlamentares a desistir do apoio à comissão”, sublinhou. Para ele, após a divulgação dos vídeos no Palácio do Planalto, a tarefa passou a ser preencher postos de destaque no colegiado e defender sua imagem diante da especial oportunidade para a oposição arranhá-la.
A questão central na avaliação de Amorim é saber até que ponto o governo estava ciente dos fatos e o que poderia ter evitado. “Se as imagens estavam disponíveis para o STF, por que o ministro Gonçalves Dias não foi sequer ouvido, quando outros acusados foram até presos?”, acrescentou.
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