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Presidente da Conab, Edegar Pretto
O presidente da Conab, Edegar Pretto tem ligação histórica com o MST e atualmente é alvo da oposição por indícios de irregularidades envolvendo leilões e aparelhamento político.| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

A demissão do ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária, Neri Geller, foi entendida pela oposição como uma tentativa do governo de se livrar da culpa pelas irregularidades apontadas no polêmico leilão que pretendia importar 263 mil toneladas arroz para o Brasil por causa das enchentes no Rio Grande do Sul. No entanto, a saída de Geller abriu caminho para a oposição achar novos alvos de interesse para investigação no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O próximo deve ser o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, que é ligado ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

As suspeitas de corrupção no leilão começaram no início deste mês, quando empresas pequenas não ligadas ao comércio internacional ganharam contratos milionários de importação de arroz. Três delas estariam ligadas a Geller, que foi demitido. O governo esperava que as suspeitas fossem contidas com o desligamento dele.

Mas todo o processo do leilão estava ligado à Conab, hoje vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, desde o aviso de leilão até a entrega e o controle de qualidade do produto. Como Pretto é o chefe do órgão, ele passou a ficar na mira dos oposicionistas interessados no esclarecimento do caso, segundo informações de quatro fontes envolvidas com o processo que pediram para não ter os nomes revelados.

Segundo ele, Pretto também não pode ser convocado para depor no Congresso sem que uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) seja instituída. Issa restrição tem feito crescer, nos bastidores, suspeitas sobre o papel dele na condução do leilão do arroz. A Gazeta do Povo procurou a Conab e assessoria de Pretto para ouvir a versão dele sobre o leilão, mas obteve apenas uma resposta parcial não relacionada diretamente às suspeitas da oposição (veja mais abaixo).

Edegar Pretto foi nomeado presidente da Conab com apoio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pelo presidente Lula e pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira. Pretto havia perdido a eleição para governador do Rio Grande do Sul em 2022. Antes disso, foi deputado estadual em três eleições. A ligação de Edegar com o movimento, no entanto, é antiga e vem de família. Ele é filho de Adão Pretto, que foi deputado federal e um dos fundadores do MST no estado. 

Com as suspeitas levantadas no leilão de arroz comandado pela Conab, a oposição passou a colher assinaturas para investigar o processo por meio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Além disso, outros leilões da companhia passaram a ser questionadas pelos parlamentares. 

Após deixar o governo, Geller reforçou que a competência sobre o leilão é da Conab e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, liderados respectivamente por Edegar Pretto e Paulo Teixeira. Apesar da tentativa de se afastar das acusações, nomes como o da esposa e de um ex-assessor de Geller figuram na lista de integrantes da estrutura da Conab. Com isso, os indícios de aparelhamento também foram levantados pela oposição. 

Leilão de arroz foi anulado por indícios de irregularidades

No dia 11 de junho, o governo federal anulou um leilão para aquisição de 300 mil toneladas de arroz importado devido a indícios de irregularidades apontadas no processo. O leilão foi viabilizado por meio de uma medida provisória editada pelo governo. A medida provisória autorizou a compra de até um milhão de toneladas de arroz, logo após as enchentes no Rio Grande do Sul. O governo usou como argumento o impacto das enchentes pois o estado é responsável por quase 70% da produção nacional de arroz. 

A oposição, no entanto, munida de informações do setor produtivo, garantiu que a produção colhida antes das enchentes era suficiente para manter o abastecimento do país, dispensando a realização dos leilões. Mesmo com os protestos, o leilão foi realizado e então irregularidades nas empresas arrematantes foram apontadas. 

Uma das vencedoras era uma empresa com histórico de importação de cereais. Mas as três outras foram uma mercearia de “comércio atacadista de leite e laticínio”, uma locadora de veículos e máquinas e uma fábrica de sorvetes.

Três das quatro empresas que participaram do leilão foram representadas no processo por empresas intermediadoras. A empresa intermediadora fatura comissões de corretagem em cima dos valores das vendas. A ligação de Neri Geller com a crise se deu pelo fato de um de seus filhos ser sócio do dono de uma das empresas que intermediou a venda do arroz no leilão. Além disso, o dono da intermediadora também foi assessor do Neri, quando ele era deputado federal.

Mais uma vez, a oposição não poupou críticas e chamou o ex-secretário Neri Geller e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, para esclarecer os fatos. Nas audiências, Gueller e Fávaro disseram não ter envolvimento direto com a decisão sobre os leilões.

“Nem o Neri Geller, nem o ministro Fávaro nos disseram quem é o responsável pela maracutaia do leilão de arroz. O processo de leilão foi anulado por indícios de fraude. E o pior, o governo insiste em manter o leilão, mesmo com dados oficiais, do próprio governo, da Conab, mostrando que nós produzimos mais arroz esse ano, do que o ano passado”, disse o deputado Rafael Pezenti (MDB-SC).

Diante disso, convocações aos ministros da Casa Civil, Rui Costa, do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira e da Fazenda, Fernando Haddad foram protocoladas. Uma audiência pública para ouvir o presidente da Conab, Edegar Pretto, também foi solicitada, mas ele tem direito a não comparecer (apenas poderia ser convocado no caso de uma CPI).

“Haverá novos capítulos. Sem falar ainda sobre a própria CPI do Arroz, que demanda cerca de 30 assinaturas para poder ser protocolada. Em ações judiciais, Ministério Público Federal, Tribunal de Contas e Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] foram acionados por nós para que tomem as devidas providências nesse caso escabroso”, disse o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS).

Ligação de Pretto com o MST já foi alvo de CPI

A posse de Edegar Pretto na Conab, em janeiro de 2023, foi bem recebida pelo MST. Ao comentar a nomeação, o movimento destacou que a família Pretto tem história na luta pela reforma agrária. Isso porque Edegar é filho de Adão Pretto, um dos fundadores do movimento no Rio Grande do Sul. Adão foi deputado federal por dois mandatos e defensor da reforma agrária em um contexto de frequentes invasões de terras promovidas pelo MST.  

Mas não para por aí. Um dos irmãos de Edegar, Adão Pretto Filho foi eleito deputado estadual em 2022, tendo também como uma de suas principais bandeiras a defesa do movimento.

Outro irmão do presidente da Conab, Adelar Pretto comandava uma das cooperativas do MST quando ela foi beneficiada com a destinação de R$ 200 mil em recursos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), em março de 2023. O repasse colocou Edegar e Adelar na mira da CPI do MST por indícios de favorecimento, já que a Conab é vinculada ao MDA.

Ambos chegaram a ser mencionados em requerimentos da CPI, mas o governo conseguiu impedir a aprovação e os irmãos acabaram não prestando esclarecimentos aos deputados. 

Condução da Conab deve ser investigada também por outros indícios de irregularidades e aparelhamento político

Após a suspensão último leilão de 300 mil toneladas de arroz, parlamentares de oposição passaram a questionar também outros leilões feitos pela Conab. Leilões de milho também teriam sido arrematados por empresas que agora foram apontadas como “financeiramente frágil” pelo governo.

“A compra de milho realizada pelo governo do estado, assinada pelo diretor técnico da Conab, que envolveu uma empresa de locação de veículos que nunca tinha se envolvido na compra de cereais, levanta suspeitas de irregularidades”, disse o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR).  

O diretor-executivo de Operações e Abastecimento da Conab, Thiago José dos Santos, que assinou o aviso de leilão do arroz (que acabou suspenso), junto do presidente da Conab, é ex-assessor de Neri Geller. Diante das suspeitas no leilão, a oposição cogitou chamá-lo para falar, mas ele tirou uma licença remunerada do cargo. Procurado, Thiago disse que a licença já estava prevista na agenda e que não tem relação com a repercussão do leilão.

O nome da mulher de Neri Geller, Juliana Vieira Geller, também apaereceu ocupando um cargo na Conab e consta na lista de assessores do presidente do órgão. Juliana foi nomeada em abril de 2023 com salário de mais de R$ 14,6 mil e carga horária de 40 horas semanais. Em janeiro de 2024, a remuneração subiu para R$ 15,2 mil com carga horária semanal reduzida para 30 horas. As informações são públicas e podem ser consultadas na página de gestão de pessoas da Companhia.

A assessoria de imprensa da Conab informou que tanto a redução de carga horária como o aumento no salário foram concedidos a partir da lavratura de um acordo coletivo de trabalho (ACT). "O mesmo ACT que instituiu o aumento do prazo de redução de jornada para empregadas com filhos de até dois anos também instituiu o novo padrão salarial, fruto do reajuste de 3,65%, bem como o reajuste de 25% no auxílio refeição para todos/as os/as empregados/as da Companhia", informou a Conab em resposta à Gazeta do Povo. O órgão não se manifestou sobre as suspeitas de corrupção no leilão de arroz e o interesse da oposição em investigar o presidente do órgão, Edegar Pretto.

Para a oposição, todos esses indícios reforçam a necessidade da instalação da CPI do Arroz. “A CPI do Arrozão, dependendo do que conseguirmos avançar, vai ter ministro que vai cair. O governo anunciou de maneira irresponsável que iria importar um milhão de toneladas de arroz. Essa especulação partiu do governo e não do produtor gaúcho, o que torna ainda mais escandaloso esse leilão”, disse o autor do pedido da CPI, deputado Luciano Zucco (PL-RS).

Correção

O leilão do governo previa a compra de 263 mil toneladas de arroz e não 300 toneladas, como informado anteriormente. Pelo erro, pedimos desculpas.

Corrigido em 24/06/2024 às 07:37
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