As costuras pela sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara estão a todo vapor. E não é para menos. Quem ocupa o cargo desfruta de um imenso poder na hierarquia política do Brasil, capaz de rivalizar até mesmo com o presidente da República. Enquanto o Palácio do Planalto propõe as diretrizes de políticas públicas, executa o orçamento e pode até regulamentar determinados assuntos por decreto, o comandante da Câmara pode derrubar esses decretos e engavetar projetos de lei, medidas provisórias (MPs) e propostas de emenda à Constituição (PECs) do Executivo. Além disso, cabe exclusivamente ao presidente da Câmara abrir um processo de impeachment contra um presidente da República.
A Câmara é conhecida como a “Casa iniciadora” do Congresso. Constitucionalmente, projetos enviados pelo pelo governo têm de começar a tramitar nela – e não pelo Senado. Por isso o presidente da Casa tem maior peso para os assuntos de interesse do Planalto do que o presidente do Senado. O presidente da Câmara pode simplesmente inviabilizar uma proposta do governo ao não colocá-la em votação. O comando do Senado também pode fazer isso, mas a pressão para não fazer é maior: além de se opor ao Planalto, o presidente da Casa iria comprar briga com a Câmara, que já aprovou previamente o projeto.
Os 2 superpoderes do presidente da Câmara
A principal força do presidente da Câmara é justamente o chamado “poder de agenda”. Ou seja, ele tem a prerrogativa de pautar ou barrar certos temas, mesmo os que estejam em tramitação. É ele que coloca cada projeto, incluindo as PECs, em votação no plenário da Casa – a última etapa de tramitação dos assuntos.
Por tradição, a agenda de votações costuma ser definida numa reunião semanal do presidente da Câmara com os líderes partidários. Mas, formalmente, o “poder de agenda” confere ao presidente da Casa a prerrogativa de não precisar do colégio de líderes para decidir a pauta.
Outra força do presidente da Câmara é o chamado “poder regimental”. Essa “segunda força” possibilita arregimentar forças por meio da liberação de relatorias de projetos importantes e escolhas de presidentes de comissões especiais e nas comissões permanentes da Casa. Em resumo, o presidente da Câmara constrói seu poder dando “espaços” aos aliados em postos-chave do Legislativo.
Quando o presidente da Câmara é eleito, as comissões permanentes são naturalmente ocupadas por membros dos partidos que o apoiaram. Normalmente, a legenda com a maior bancada apoiadora fica com algumas das comissões mais importantes.
A prerrogativa de fazer indicações para colegiados e distribuir relatorias acaba, portanto, conferindo ao presidente da Câmara o poder que torna os partidos dependentes de, a praticamente toda hora, negociar com quem está no poder.
Por isso, Maia, por exemplo, tem tanta influência e poder junto aos líderes partidários, diz o cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais.
“O poder de arregimentar está na capacidade do presidente [da Câmara] de fazer a distribuição de cargos e matérias para os líderes conforme a conveniência política. Essa posição do presidente é muito forte. Ele tem essa capacidade de fazer essas trocas muito a uma caneta de distância de tudo, o que assegura a forma de negociar as forças políticas da Casa em torno de si”, explica Ribeiro.
Como Maia exerce seus poderes de presidente da Câmara
Atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia costuma exercer seus dois superpoderes. Em geral, ele privilegia a agenda econômica do governo Bolsonaro – embora muitas vezes a mude de acordo com seus interesses. Por exemplo: embora seja a favor de uma reforma tributária, nunca escondeu que não pretende colocar em votação a proposta do ministro Paulo Guedes (Economia) de recriar a CPMF. Maia também nunca agendou a votação de projetos da pauta de costumes conservadores – um assunto importante para a base bolsonarista.
“Maia é um cara extremamente alinhado com a agenda liberal. Mas aí, é claro, existem diferenças dentro do que Guedes e ele defendem”, diz o cientista político Gianluca Benvenutti, especialista em poder Legislativo da BMJ Consultores Associados. A recusa de Maia em discutir a volta da CPMF é um exemplo disso.
Outra discordância de Maia é em relação à agenda de privatizações. Embora seja a favor da venda de estatais, ele tem resistência a fazer a privatização de algumas empresas públicas, como a Eletrobras.
A proposta de socorro financeiro aos estados, inicialmente chamado de Plano Mansueto, foi, em 2020, uma das principais pautas que colocou o governo em desacordo com Maia e obrigou Bolsonaro a aprofundar a relação com o Centrão. O presidente decidiu apoiar os estados e se contrapôs junto aos governadores a inserir contrapartidas para a obtenção de recursos. “Mesmo sendo apoiador das pautas econômicas, Maia absorveu a opinião do Legislativo e dos governadores de que essas contrapartidas não poderiam ser feitas naquele momento”, diz Benvenutti. Por interesses políticos e para elevar seu capital político de olho em 2022, o presidente da Câmara acabou se tornando um “porta-voz” dos governadores em pautas defendidas na Casa.
O poder de agenda de Maia também fica claro na recusa dele em colocar em votação projetos da pauta conservadora. E isso tem uma explicação: o compromisso que Maia assumiu com os partidos de esquerda para se eleger presidente da Câmara.
Mas o poder de agenda de Maia muitas vezes é exercido em favor do governo. A reforma da Previdência não teria sido aprovada sem o empenho do presidente da Câmara.
No início da pandemia de Covid-19, Maia foi o grande responsável por costurar a aprovação do auxílio emergencial com o valor de R$ 600. A primeira proposta do governo era de R$ 200. Bolsonaro autorizou o aumento para R$ 300, mas foi o presidente da Câmara que, junto de aliados, subiu o valor. À época, a articulação do governo reclamou, mas foi o auxílio emergencial se tornou o principal pilar a puxar a alta da aprovação de Bolsonaro em 2020.
Maia também usa seu poder regimental com frequência. Em 2019, por exemplo, após ser eleito para comandar a Câmara com o apoio da bancada do PSL, ele entregou ao então partido do presidente Jair Bolsonaro o comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa, e da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (Creden).
Na votação da reforma da Previdência na CCJ, em aceno ao governo, Maia articulou com o presidente do colegiado, Felipe Francischini (PSL-PR), a entrega da relatoria ao deputado Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG).
Mas, irritado com a articulação política conduzida do Planalto, Maia decidiu retaliar o governo quando a reforma da Previdência foi para a Comissão Especial. Ele escolheu o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) para presidir o colegiado e o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) para ser o relator. Ambos era aliados pessoais de Maia, e não do governo. E o Planalto sofreu algumas derrotas importantes na reforma da Previdência – embora o essencial tenha sido aprovado. O texto final promoveu uma economia para os cofres públicos menor do que a que o governo esperava.
Temer, Alves: exemplos de diálogo. Cunha: o "terror" presidencial
O ex-presidente Michel Temer (MDB), que comandou a Câmara quando era deputado, costumava ser aberto aos líderes partidários. “Ele era mais aberto às lideranças, os ouvia mais. As pautas passavam pelo colégio [de líderes]", diz o cientista político Enrico Ribeiro. "Henrique Eduardo Alves (MDB) [outro ex-presidente da Casa] também era assim. Vai da característica de cada um, isso é muito personalístico”, destaca Ribeiro.
Alves também ajudou a ex-presidente Dilma Rousseff quando ele comandou a Câmara. Em 2013, a articulação política da petista estava tão deteriorada que coube ao presidente da Câmara conduzir algumas matérias do governo, a exemplo da MP 594/12, que estabelecia um novo marco regulatório para o setor portuário. Dilma chegou, inclusive, a telefonar ao emedebista para cumprimentá-lo e agradecê-lo pela condução da matéria.
Já o ex-deputado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) não era um muito afeito por negociações e virou uma pedra no sapato de Dilma. “Cunha tinha um grupo; e o grupo dele 'tratorava' as pautas sob seu comando. Mal tinha reunião de líderes”, diz Ribeiro.
Cunha pautou, por exemplo, a PEC 457/2005, em março de 2015, chamada de “PEC da Bengala”. Aprovada pelo plenário e também no Senado, a PEC aumentou de 70 para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A matéria foi aprovada após uma intensa articulação de Cunha para evitar que Dilma indicasse mais ministros para o STF.
Naquele mesmo ano, em dezembro de 2015, Cunha autorizou a abertura do processo de impeachment de Dilma.
O que esperar de Arthur Lira se ele for eleito
Para 2021, caso Rodrigo Maia eleja um aliado para a presidência da Câmara, poucos esperam uma relação muito diferente da que ele tem atualmente com o governo Bolsonaro. Por isso o governo federal espera eleger o deputado Arthur Lira (PP-AL), seu aliado do Centrão.
A possível eleição de Lira, contudo, não o faria um “fantoche” de Bolsonaro, diz o cientista político Gianluca Benvenutti. “Querendo ou não, ele precisaria ter a liturgia do cargo. Até porque o presidente da Câmara tem uma responsabilidade de zelar pela Casa. Então, eu acho difícil ele virar um fantoche do governo federal. Existe a possibilidade? Existe. Mas acho difícil.”
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