Em meio às especulações sobre quem será o substituto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, que se aposenta em novembro, um nome ganhou força nas últimas semanas: o do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha. Ele fez acenos importantes em direção ao presidente, tanto por meio de decisões judiciais quanto por declarações públicas.
Considerado discreto mesmo para os padrões das Cortes Superiores, Noronha vem sendo elogiado nos bastidores por auxiliares e pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Sua postura, considerada independente pelo Planalto, é vista como ativo para uma eventual indicação ao Supremo.
Entretanto, integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, órgão da Casa responsável por referendar os indicados pelo Planalto a vagas no STF, deve resistir a legitimar o nome de Noronha para o cargo.
Noronha concedeu habeas corpus para Fabrício Queiroz
Em 9 de julho, o presidente do STJ concedeu prisão domiciliar ao ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) Fabrício Queiroz e à mulher dele, Márcia Aguiar. Queiroz é personagem central no esquema da rachadinha da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), suspeito de efetuar saques de funcionários do então deputado estadual e repassar parte dos recursos ao parlamentar – por meio de pagamentos de despesas pessoais do filho do presidente.
Noronha acatou habeas corpus impetrado pela defesa de Queiroz alegando riscos à saúde do ex-assessor por causa da pandemia do novo coronavírus. Ele atendeu recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para concessão de prisão domiciliar para quem está no grupo de risco da Covid-19 (a título de exemplo, outro beneficiado com essa norma foi o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha). Os advogados de Queiroz argumentaram que ele era “portador de câncer no cólon e recentemente se submeteu a cirurgia de próstata”. Por isso, ele teria direito à prisão domiciliar.
A decisão do presidente do STJ foi criticada internamente e externamente. Dentro da Corte, o habeas corpus desencadeou uma crise entre magistrados. Hoje, estima-se que até 5 mil casos semelhantes estejam tramitando na 3ª Seção da Corte, que julga processos criminais. Esses processos são analisados por outros dez ministros. Integrantes do STJ ouvidos pela Gazeta do Povo apontaram que, a partir de agora, os demais magistrados viram-se obrigados a seguir jurisprudência semelhante e que Noronha eximiu-se de analisar outros casos parecidos.
Em 23 de julho, o presidente do STJ negou um pedido de prisão domiciliar coletivo para presos enquadrados no grupo de risco do novo coronavírus. Na decisão, ele argumentou que o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) não apresentou elementos suficientes para fundamentar a concessão de habeas corpus. Além disso, ao beneficiar Queiroz, Noronha adiantou-se ao relator do caso, o ministro Felix Fischer. No STJ, acredita-se que Fischer tenha uma visão diferente da do presidente do tribunal e que ele se manifestaria contra a liberdade do ex-assessor de Flávio Bolsonaro.
Presidente do STJ cancelou obrigação de Bolsonaro divulgar exame de Covid
O habeas corpus de Queiroz não foi a única ação de Noronha que foi bem vista pelo Planalto. Em maio, o presidente do STJ suspendeu, liminarmente, decisão do Tribunal Federal Regional da 3.ª Região (TRF-3) que obrigava o presidente da República a apresentar exames para detecção da Covid-19.
Depois, o próprio Bolsonaro apresentou os exames que atestaram negativo para a doença. “Prezado Noronha, permita-me fazer assim, presidente do STJ. Eu confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeira vista. Me simpatizei com Vossa Excelência”, disse o presidente à Noronha, durante a solenidade de posse do atual ministro da Justiça, André Mendonça, e do advogado-geral da União, José Levi.
Publicamente, Noronha também fez alguns acenos importantes ao presidente. O mais importante deles ocorreu no final de junho, durante videoconferência no Congresso Digital da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ao defender suas decisões sobre o caso Queiroz, Noronha foi incisivo. “O Brasil hoje tem 210 milhões de juízes. Já teve 100 milhões de técnicos, 150. Agora tem 200 milhões de juízes. Todo mundo quer julgar. Os analfabetos jornalistas que mal sabem versar uma palavra de Direito criticam decisões cujos fundamentos não leram”, disse o ministro. “O Brasil precisa sim de juízes independentes, determinados, corajosos, que apliquem a Constituição”, complementou em seguida.
Assessores presidenciais elogiaram a fala de Noronha, principalmente pelas críticas à imprensa, classificando-a como corajosa e independente. Por esse tipo de postura, o presidente do STJ também ganhou a simpatia dos militares que fazem parte do governo e até de alguns membros da chamada “ala ideológica” do governo.
Integrantes da CCJ resistem ao nome de Noronha
Se dentro do governo Noronha vem ganhando aliados, fora dele a situação é bem distinta. Integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado resistem à indicação dele justamente por causa de sua atuação no caso Queiroz e pelos recentes acenos ao Planalto.
O processo de escolha de um ministro do Supremo começa com a indicação por parte do presidente da República. O eleito precisa passar por uma sabatina na CCJ do Senado e, caso seja aprovado pelos senadores, ele precisará ter a aprovação do plenário da Casa.
Atualmente, a CCJ é presidida pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), que tem adotado um tom crítico ao governo. Além disso, dos 27 membros do colegiado, pelo menos 14 são vistos como eventuais opositores à indicação de um nome extremamente alinhado ao Palácio do Planalto, o que pode comprometer uma eventual indicação do hoje presidente do Superior Tribunal de Justiça.
Noronha é defensor da criação de um novo tribunal para seu estado
Mineiro e integrante do STJ desde 2002, Noronha também tem como bandeira a campanha para a criação de um novo Tribunal Regional Federal, com sede em Minas Gerais, o TRF-6.
Hoje, o país tem cinco tribunais regionais responsáveis por ações em primeira instância. Os casos de Minas são julgados pelo TRF-1, que abrange também outros 12 estados como Acre, Bahia, Maranhão, Pará, Bahia e Tocantins.
Em 2019, o STJ apresentou projeto de lei para a criação do tribunal. A alegação da Corte é que o TRF-6 não trará novos custos à União. Entretanto, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) aponta que o TRF-6 vai criar uma despesa de R$ 270 milhões ao ano.
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