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A pressão pela votação de propostas que concedem anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tem crescido após o primeiro turno das eleições municipais. Encabeçada pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, a busca por maneiras de fazer a pauta avançar no Congresso cresceu junto com os resultados obtidos pelo partido nas eleições municipais.
Com o aumento no número de eleitos e com o avanço para o segundo turno em cidades importantes, o partido ganha força para 2026. No entanto, para que o seu candidato à presidência, Jair Bolsonaro, possa concorrer, é preciso livrá-lo da inelegibilidade declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Pela decisão do Tribunal, Bolsonaro está inelegível até 2030.
O cenário político brasileiro pode ter grande influência sobre a possibilidade de uma anistia que beneficie o ex-presidente Bolsonaro. Tanto as eleições municipais quanto a eleição para a presidência das duas Casas Legislativas podem fazer parte das negociações.
Na análise do advogado Manuel Furriela, especialista em Direito Público, o fortalecimento na eleição de prefeitos ligados à direita neste ano e a expansão de pautas conservadoras no Congresso podem criar um ambiente favorável à aprovação do perdão em relação a denúncias e processos contra o ex-presidente. "Pode influenciar certamente pela pressão, pois a oposição, a direita, tem mostrado bastante força política", avalia.
Para o cientista político Adriano Cerqueira, o resultado das eleições municipais mostra mais do que um avanço propriamente da direita no Brasil, e também dos partidos de direita. “O recado das urnas é a consolidação da direita como um movimento político legítimo aqui no Brasil”, disse Cerqueira.
Sozinho, no entanto, o partido comandado por Costa Neto não tem votos para reverter a situação, nem para eleger um presidente da República. Assim, a intenção do presidente do PL é atrair o Centrão. O movimento, no entanto, é encarado como um problema por alguns segmentos dentro do partido.
Uma afirmação feita pelo próprio Costa Neto reforça esse entendimento. “Nós temos um problema sério. O nosso adversário [Lula] fez cinco presidências da República. Ou nós aumentamos a nossa base, trazendo o pessoal do centro que defende as pautas da direita, ou nós perdemos a eleição. Nós não temos voto hoje para ganhar [em 2026]. Nós já perdemos a outra [eleição, em 2022]. Estou tomando cuidado para trazer um pessoal que defenda a pauta da direita. O problema é o pessoal [do PL] entender isso aí”, disse Costa Neto em declaração dada durante entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, na quinta-feira (24).
Contexto político pode influenciar adesão à anistia de Bolsonaro
Além do pleito municipal, o contexto de eleições no Congresso - para a presidência das Casas Legislativas - também tem poder de influenciar no andamento, ou não, das propostas. Na opinião de Cerqueira, o presidente do PL aproveita o momento para emplacar a pauta da anistia para Bolsonaro.
“O Valdemar Costa Neto, já trouxe essa questão da anistia para o Bolsonaro justamente para aproveitar esse momento, no sentido de tentar construir um discurso, de superação da polarização, de volta à normalização política. Isso passa, necessariamente, por um processo de anistia em relação às pessoas envolvidas nos atos de 8 de janeiro”, disse Cerqueira.
Para Cerqueira, os partidos que compõem o Centrão, em especial o MDB, o PP e o União Brasil, não devem se posicionar de forma coesa. “Vai depender de posições mais individuais. A postura de cada membro, e não do partido como um todo, é que deve prevalecer”, avalia o cientista político.
Além disso, o cenário político atual, com a aproximação das eleições de 2026 e a busca por novas articulações, também pode impulsionar o tema. Partidos de direita têm movimentado candidaturas fortes e procurado manter a base de apoio consolidada, enquanto a esquerda pena um pouco mais para encontrar nomes que podem substituir Lula, reforça o especialista Manuel Furriela.
"A movimentação para as eleições de 2026 já começa a acontecer agora, após o fim das eleições de 2024, com articulações para garantir candidatos fortes para os próximos pleitos. Bolsonaro sempre é um candidato muito forte", destaca o advogado e especialista em Direito Público.
Tramitação das propostas de anistia ainda está se desenhando
Há pelo menos três propostas que tratam de anistia e que podem beneficiar o ex-presidente. Duas delas tramitam na Câmara dos Deputados e uma no Senado. A mais avançada, que está para ser votada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, não anistia Bolsonaro nos processos eleitorais, pois trata apenas de condenações penais e deve abranger os manifestantes que participaram dos atos de 8 de janeiro de 2023.
O relator, deputado Rodrigo Valadares (União-SE), tem enfatizado que o caso de Bolsonaro não está sendo tratado para não contaminar a discussão. De acordo com Valadares e com a presidente da CCJ, Caroline De Toni (PL-SC), o próprio Bolsonaro teria feito pedidos para que a situação dele não fosse incluída nessa proposta, priorizando a anistia de cidadãos que tenham sido condenados e presos.
As afirmações do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, no entanto, indicam que o partido não poupará esforços para reverter a situação.
"Vamos lutar para incluir o Bolsonaro nisso, porque a condenação dele foi simplesmente absurda. Só porque ele conversou com os embaixadores e disse que era contra as urnas. Isso é uma opinião dele que tem que ser respeitada. Então, por isso, deixaram ele inelegível. Isso não existe no mundo, no planeta. Nós vamos reverter isso aí", afirmou Costa Neto em entrevista para a CNN Brasil.
"Nós temos que convencer, na Câmara, os deputados a votarem. Eu acredito que a gente convença porque esse embate com o Bolsonaro não pode ser resolvido dessa forma como foi no TSE", completou Costa Neto.
Para o analista Juan Carlos Gonçalves, do Ranking dos Políticos, a movimentação do PL e a pressão por anistia ainda estão se desenhando.
“É interessante observar que, embora a anistia não esteja diretamente incluída na versão atual da proposta que será votada na CCJ da Câmara, sempre há espaço para movimentações em plenário, como a inclusão de emendas de última hora. Já o PL 3317/2023, do deputado Sanderson, e a PEC 70/2023, que aguardam relatoria na CCJ da Câmara e do Senado, respectivamente, ainda estão em estágios iniciais, e acredito que o impacto dependerá muito de como a correlação de forças no Congresso evoluirá nos próximos meses”, disse Gonçalves.
O projeto e a emenda citados por ele propõem a anistia não só aos presos nas manifestações, mas também ao ex-presidente.
Manuel Furriela, especialista em Direito Público, acredita que a pauta em benefício de Jair Bolsonaro tem chances de avançar no Congresso, tornando-o livre das penalidades, embora sua aprovação dependa de um quórum elevado, o que torna o processo mais desafiador.
“Acredito que sim, há a chance de uma pauta dessas caminhar. Ser aprovada é um pouco mais difícil, porque é uma necessidade grande de quórum, mas tem chance de avanço por dois motivos. O primeiro é que, na última eleição presidencial, a oposição, principalmente os apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, veio com bastante força, com uma força maior do que se esperava naquela época. E agora, nas eleições municipais, os grupos apoiados pelo ex-presidente também saíram muito fortalecidos nesse cenário”, avalia o especialista.
Pressão política pela anistia pode não ser suficiente diante de ações na Justiça
Mas a pressão política não deve possibilitar a reversão da inelegibilidade do ex-presidente em processos na Justiça. Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo destacam que os problemas de Bolsonaro com a Justiça não vão deixar de existir.
“A pressão de Valdemar Costa Neto e do PL pela anistia de Bolsonaro dificilmente ganhará força com os resultados do primeiro turno. O problema está na seara jurídica, que recebe pouco impacto da arena política”, pontua o analista Juan Carlos Gonçalves, do Ranking dos Políticos.
Por isso, a oposição aposta principalmente em reverter o quadro no Congresso, sem depender da Justiça.
Para o procurador-jurídico da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) Márcio Berti, especialista em Direito Político e Eleitoral, a recente eleição de prefeitos alinhados à direita e o avanço de pautas de direita no Congresso Nacional podem, de fato, criar um ambiente mais favorável para discussões sobre a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro na esfera política.
“Nas eleições municipais de 2024, partidos de direita e centro-direita, como PL, PSD, MDB, PP, União Brasil e Republicanos, tiveram um desempenho significativo, elegendo prefeitos em diversos municípios e capitais”, elenca Berti ao avaliar aumento da pressão pelo perdão de Bolsonaro.
“Entretanto, é importante destacar que, na esfera penal, Bolsonaro enfrenta diversas investigações e processos. A Polícia Federal já o indiciou por supostos crimes relacionados ao caso das joias da Presidência. Além disso, investigações sobre sua possível participação em uma suposta tentativa de golpe de Estado estão em fase final, com expectativa de conclusão em breve”.
Berti avalia que, mesmo que haja um movimento político visando a anistia de Bolsonaro, especialmente impulsionado pelo avanço da direita nas eleições municipais e no Congresso, isso não necessariamente impactará os processos penais em andamento.
“A anistia política depende de aprovação legislativa e, possivelmente, de sanção presidencial, enquanto os processos penais seguem seu curso independente nas instâncias judiciais”, pondera.
No caso de uma eventual aprovação da anistia no Legislativo, Furriela acredita que o processo invariavelmente vá parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele explica que, antes de chegar ao STF, os partidos governistas deverão atuar para tentar impedir sua votação no Congresso.
"Primeiro vai se tentar politicamente fazer com que não seja pautada para votação; depois, no caso de ser pautada, trabalhar para que não seja aprovada. E, se for aprovada, o caso vai para a Justiça, chegando ao STF por se tratar de um ex-presidente. Então a palavra final ficará com o Judiciário", afirma.
Ou seja, possivelmente uma eventual candidatura de Bolsonaro em 2026 não dependeria apenas da aprovação de uma lei de anistia, mas também da capacidade dos senadores de oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de limitar a concentração de poder nas mãos do STF.