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A ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, tem sofrido derrotas dentro e fora do governo. Parlamentares de oposição pressionam pela demissão da ministra diante das falhas na gestão da crise de queimadas no Brasil, mas o governo deve resistir, apesar de desgastes de Marina com outros ministros.
“O presidente deveria demitir a ministra Marina Silva, mas lhe falta coragem. Essa é a vontade dele e também do PT”, disse o senador Plínio Valério (PSDB-AM). Nos bastidores, interlocutores da bancada do agro sugerem que Marina poderia assumir a pasta da Autoridade Climática para ter uma "saída honrosa" do ministério ao mesmo tempo em que continua no governo.
Promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Autoridade Climática não saiu do papel após um ano e nove meses de governo. A crise das queimadas trouxe o assunto de volta ao debate público recentemente, mas o projeto proposto por Marina foi novamente engavetado devido a divergências no Congresso e dentro do próprio governo.
As queimadas que afetam a Amazônia, o Pantanal e o Cerrado colocaram pressão sobre a ministra e fragilizaram a imagem do governo Lula como defensor do meio ambiente no cenário internacional. Nesta quarta-feira (16), a falta de planejamento e gestão do seu ministério no combate aos incêndios foi criticada por parlamentares da comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, em uma sessão em que Marina estava como convidada.
Na ocasião, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) lembrou que a ministra, no governo anterior, não poupava críticas e acusações ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre as queimadas, mas que agora, diante do aumento dos focos de incêndio pelo país, Marina argumenta que a crise é resultado das mudanças climáticas e de criminosos. A sessão foi marcada por bate-boca entre a ministra e deputados da oposição.
O desgaste de Marina Silva também ocorre dentro do governo Lula. O seu posicionamento contrário a repavimentação da BR-319, no Amazonas, é motivo de embates com o Ministério dos Transportes. Há ainda brigas internas com os ministros Rui Costa e Alexandre Padilha, ministros da Casa Civil e das Relações Institucionais, respectivamente.
Governo bate-cabeça com autoridade climática
A promessa de criação de uma autoridade climática foi feita durante a campanha de Lula em 2022. A proposta inicial era que a autarquia criada ficasse sob o guarda-chuva da pasta comandada por Marina, mas o projeto não avançou. Agora, a expectativa é que o órgão seja subordinado à Presidência da República, mas uma briga interna entre os ministros de Lula deve fazer a proposta voltar para a gaveta.
A assessoria do Ministério do Meio Ambiente (MMA) chegou a afirmar, ao ser questionada pela Gazeta do Povo em maio de 2023, que a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática era uma “ação prioritária” do governo. Naquela oportunidade, a assessoria apontou ainda que o “texto preliminar da proposta” já tinha sido encaminhado pelo MMA à Casa Civil.
Mais de um ano após as afirmações, a criação ainda não foi concluída.
Em recente anúncio, feito no dia 10 de setembro em meio à crise de queimadas que afeta o Brasil, o presidente Lula voltou a mencionar a Autoridade Climática. De acordo com ele, o foco da nova estrutura deve ser a “adaptação e preparação para o enfrentamento desses fenômenos [climáticos extremos]”.
No entanto, a proposta de Marina sofreu um novo revés. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o esboço sobre como a autoridade climática funcionaria, elaborado pela ministra, possui uma “série de fragilidades” que exigiriam uma análise mais detalhada e um trabalho técnico mais prolongado. Rui Costa também demonstrou que o projeto de criação da autarquia, que precisa do aval do Congresso Nacional, deve manter o órgão sob o comando do Palácio do Planalto.
Marina criticou a sinalização. “Eu fico pensando uma estrutura ligada ao gabinete do presidente da República. E, se mudar o presidente, e o presidente não quiser essa instituição ligada a ele? Você tem que pensar o desenho da política pública fortalecendo a governança pública”, defendeu a ministra. Assim, a queda de braço entre os ministros foi exposta e a proposta só deve ser retomada em 2025.
A oposição ao projeto de Marina para a Autoridade Climática também vem do Congresso. O presidente da Frente Parlamentar de Agricultura e Pecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), disse que era “absolutamente contra a vinculação da Autoridade Climática ao Ministério do Meio Ambiente”. Segundo ele, a bancada vai empreender “todos os esforços para barrar qualquer tentativa de indicar alguém que tenha perfil ideológico para assumir a função”.
Diante da posição da bancada do agro, que é composta por mais de 300 parlamentares, o governo precisará melhorar a proposta e a articulação para conseguir aprovar a criação da autoridade climática. O esforço na articulação coloca Marina em embate também com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável por fazer o meio de campo com o Congresso nas pautas de interesse do governo.
Falhas no combate às queimadas reforçam críticas do agro à ministra
Marina tem sofrido derrotas por pressão da bancada do agro desde o começo do mandato. Na votação da medida provisória que ampliou e reestruturou os ministérios para o novo governo petista, em junho do ano passado, o Ministério do Meio Ambiente foi esvaziado, perdendo o comando do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e da Agência Nacional de Águas (ANA). Agora, diante das queimadas que alcançaram números que não eram vistos há 14 anos, Marina viu as críticas a sua atuação se multiplicarem.
Para o deputado Ricardo Salles (Novo-SP), ex-ministro do Meio Ambiente, Marina é uma “figura decorativa”. “Sem poder e sem atuação. Frustrou a todos. A situação ambiental está um caos e tudo que sabem fazer é culpar o passado. Já não cola mais”, disse o deputado à Gazeta do Povo ao comentar a atuação da ministra.
A crise das queimadas motivou a aprovação de um requerimento da Comissão de Agricultura para que a ministra esclarecesse a sua atuação considerada falha e ineficaz. Marina foi à reunião mas, na avaliação da oposição, "fugiu das perguntas" feitas.
A deputada Daniela Reinehr (PL-SC) afirmou que o governo federal não agiu de maneira eficiente diante da crise ambiental. Segundo ela, os cidadãos e produtores rurais estão cansados de esperar por respostas, citando os incêndios, secas e enchentes que atingiram diversas regiões do país nos últimos dois anos.
O presidente da Comissão de Agricultura, deputado Evair de Mello (PP-ES) foi autor de um dos pedidos de explicações da ministra sobre a sua atuação diante das queimadas. Incisivo em suas críticas à gestão atual, Mello disse que Marina não tem competência para gerir a crise.
“A ministra é completamente desqualificada para tratar desse tema, muito menos para gerir uma crise dessa magnitude. Não há mais espaço para incompetência. Chegamos ao limite, e o campo está sendo jogado à própria sorte", disse o deputado.
Rodolfo Nogueira (PL-MS) também criticou a ministra. "Marina Silva mostrou que é uma especialista em fugir de suas responsabilidades. Quando questionada sobre os incêndios e suas consequências devastadoras para o agro, preferiu contornar as perguntas com discursos genéricos. Essa é a ministra que o Brasil tem à frente de uma das pastas mais importantes? Lamentável", disse Nogueira.
Marina Silva rebateu as acusações dos deputados de oposição, afirmando que “o governo tem feito o possível com os recursos disponíveis e que o maior desafio é mudar as práticas que levam às queimadas”.
Liberação para obra na BR-319 é outro revés para Marina
A repavimentação da BR-319, única via terrestre que liga Manaus, no Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia, também expôs uma disputa dentro do governo. A rodovia tem 918 quilômetros e atravessa a Amazônia, mas cerca de metade de sua extensão não recebeu atenção por muitos anos e precisa ser repavimentada para garantir a trafegabilidade.
A obra enfrenta resistência de ambientalistas há pelo menos 20 anos. Em 2021, uma licença prévia emitida pelo Ibama liberou a repavimentação, mas uma decisão liminar da 7ª Vara da Justiça Federal, em julho deste ano, revogou a autorização. Já em outubro, após uma petição conjunta da União, do Ibama e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), o desembargador Flávio Jardim, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, liberou as obras na rodovia.
A autorização foi comemorada pelo Ministério dos Transportes. "Essa decisão certamente traz segurança jurídica para o andamento do licenciamento, buscando a realização das obras na BR-319, tão importantes para o desenvolvimento socioeconômico da região e para a preservação ambiental dos ecossistemas que margeiam a rodovia", afirmou o consultor jurídico da pasta, Marconi Filho.
A ação dos órgãos do governo reforça o compromisso externado por Lula de retomar o projeto. “Nós não podemos deixar duas capitais isoladas. Mas nós vamos fazer com a maior responsabilidade e queremos construir uma parceria de verdade”, afirmou o presidente em visita à Manaus no dia 10 de setembro.
Além disso, no mês passado, o presidente Lula também assinou uma ordem de serviço autorizando a pavimentação de 20 km da rodovia, com previsão de licitar mais 32 km de um trecho com licença ambiental desde 2007. Segundo o governo, serão investidos R$ 157,5 milhões na obra. O trecho que será asfaltado é parte das áreas que permanecem funcionais na BR-319 e não integra os cerca de 400 km no meio da extensão da estrada, conhecido como “trecho do meio”.
Marina, no entanto, segue afirmando que a obra pode ser prejudicial à região e chegou a dizer que a rodovia é usada “para passeio de carro” durante audiência da CPI das ONGs, em novembro de 2023. Mais recentemente, em 17 de setembro, ela disse que a repavimentação “pode agravar de maneira assustadora o problema da seca, da estiagem e, com certeza, aumentar inclusive esses incêndios que temos hoje”.
Para o senador Plínio Valério, o caso da BR-319 reforça o isolamento de Marina Silva no governo.
“A situação já ultrapassou todos os limites, e a ministra, de forma irresponsável, continua insistindo que queremos a estrada apenas para passear de carro, ignorando as imagens de isolamento e as filas de caminhões que aguardam por mais de 10 ou 15 dias para atravessar de balsa. Aos poucos, o Brasil percebe que esse negacionismo de Marina e seus apoiadores não se sustenta", disse o senador, concluindo que a ministra "está cada vez mais isolada”.